A pandemia acelerou o mercado de delivery, impulsionando restaurantes a adaptarem suas operações e expandirem seus serviços para atender à demanda crescente, criando um novo padrão de consumo
O setor de food service no Brasil, sempre teve grande relevância para a economia, mas a pandemia da covid-19 trouxe mudanças drásticas e rápidas que reformularam completamente o modo como as pessoas consomem alimentos fora de casa. Uma dessas mudanças foi o crescimento exponencial do delivery, que em Bento Gonçalves seguiu essa tendência global, adaptando-se às novas demandas do consumidor e tornando-se uma parte essencial do negócio gastronômico.
A explosão do delivery no pós-pandemia
Nos últimos cinco anos, o mercado de delivery registrou um crescimento de 1000% na quantidade de pessoas trabalhando no setor, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Esse aumento, acelerado pela pandemia, não apenas consolidou o delivery como um canal de vendas indispensável, mas também obrigou os restaurantes a revisarem suas estratégias de atendimento e estrutura para atender essa nova demanda.
Durante o ano de 2020, o delivery no Brasil cresceu cerca de 80%, e em 2022, esse crescimento chegou a 89%, com um aumento mais modesto de 7,8% em 2023.
Antes da revolução gerada pela pandemia, os restaurantes, na sua grande maioria, tinham um faturamento quase que irrisório com o delivery mesmo nas operações mais bem sucedidas, dificilmente representava mais de 10% no faturamento total. Entretanto, no cenário atual, esse percentual chega na média de 30%.
Dados de 2024
Os brasileiros aumentaram o consumo fora do lar no primeiro trimestre de 2024. Foi registrada uma alta de 34% em valor, crescimento de 14,1% em unidades e ascensão de 30,7% em ocasiões de consumo. Esses são dados do levantamento Consumer Insights Q1 2024, produzido pela Kantar. A pesquisa ainda aponta que o canal de fast-food liderou o crescimento em valor, com alta de 9,7% na contribuição.
No último trimestre, o consumo foi estimulado por frequência (46,2%) e volume médio (16,4%). Os consumidores recorreram aos aplicativos dos estabelecimentos como principal meio para realizar pedidos de delivery com uma alta de 60% no volume de compra. Os snacks doces e as bebidas alcóolicas foram as cestas mais buscadas (176% e 25%, respectivamente), e os jovens até 29 anos foram o maior público, com 154% de contribuição.
Em Bento Gonçalves, essa realidade não foi diferente. O sócio-proprietário do restaurante Di Paolo, Emiliano Castaman, compartilhou sua experiência com o crescimento desse segmento no município.”O aumento no delivery foi significativo, e também notamos um crescimento nas retiradas no local,” relata Castaman. Segundo ele, mesmo após o fim das restrições da pandemia, o comportamento de consumo através de delivery se manteve forte. “O conforto de receber a comida em casa ou de buscá-la pronta certamente contribuiu para que essa prática continuasse. Para nós, isso se tornou uma forma importante de agregar vendas ao negócio”, menciona.
Castaman também indica que o clima da região, especialmente durante o inverno chuvoso e frio, favorece ainda mais o serviço de delivery. “No inverno, com a neblina e o frio, é comum que as pessoas prefiram ficar em casa durante a semana e reservem o final de semana para aproveitar os restaurantes. Isso faz com que o movimento no delivery seja maior em determinados dias”, destaca.
Para o restaurante Di Paolo, o serviço de entrega tornou-se um componente vital do negócio, representando atualmente 25% do faturamento. “Embora nossa estrutura esteja preparada principalmente para o atendimento no local, o delivery ainda é uma fonte significativa de receita. Notamos que muitos dos clientes que fazem pedidos via delivery são os mesmos que costumam frequentar o restaurante, o que reforça a nossa marca,” explica.
Ele acrescenta que, apesar da expansão dos pedidos através de aplicativos, ainda há uma forte demanda por pedidos feitos pelo WhatsApp e por telefone. “O cliente gosta de ser atendido diretamente, tirar dúvidas e isso, no nosso caso, pode até aumentar as vendas e deixar as pessoas mais satisfeitas”, relata.
Embora o delivery tenha se tornado indispensável, Castaman reconhece os desafios que vêm com ele, especialmente no que diz respeito à manutenção da qualidade dos produtos. “O grande desafio é manter a qualidade tanto no produto quanto na entrega. Por mais que nos esforcemos, sabemos que a qualidade não é a mesma que servir um prato diretamente da cozinha para a mesa do cliente”, expressa.
Os pratos mais pedidos no delivery do Di Paolo refletem a essência da culinária italiana que o restaurante oferece. “Os nossos campeões de vendas são o capeletti in brodo com pão caseiro, o galeto al primo canto e a maionese com batata,” revela. Para atrair ainda mais os clientes, o restaurante frequentemente oferece promoções especiais através de seu aplicativo.
O crescimento do delivery em Bento Gonçalves reflete uma tendência maior que se observa em todo o Brasil e no mundo. À medida que mais consumidores se acostumam com a conveniência de pedir comida em casa, os restaurantes precisam continuar inovando e ajustando suas operações para atender a essa demanda. Para Castaman, a inovação, a qualidade e o bom atendimento continuarão a ser os pilares do sucesso mesmo que não seja tão fácil replicar a experiência completa de um jantar no restaurante através de uma entrega. “Não temos como ficar sem esse serviço de entrega na nossa casa aqui de Bento. Ele é essencial para o negócio” conclui.
Delivery desde o início
Leonardo Volpini é o nome por trás da Pizzaria Malbec, que começou sua operação focada exclusivamente no delivery. “Quando iniciamos, só pensávamos no serviço de entrega, até por conta do investimento na época”, explica Volpini. Essa escolha inicial se mostrou acertada, especialmente com o advento da pandemia de COVID-19, que rapidamente mudou o panorama do consumo alimentar. “Abrimos o delivery uma semana antes da pandemia. Ficamos preocupados, mas foi aí que deu o estouro e bombamos”, relembra o empresário.
O impacto da pandemia e o crescimento contínuo
A pandemia foi um divisor de águas para muitos negócios, e a Pizzaria Malbec não foi exceção. O aumento na demanda por delivery foi notório, e a empresa aproveitou a oportunidade para expandir suas operações. “A pandemia deu um bom UP”, comenta Volpini. No entanto, ele destaca que o sucesso contínuo do delivery da Malbec não se deve apenas às circunstâncias externas, mas também ao trabalho constante e estratégico de marketing.
Mesmo após o auge da pandemia, a preferência dos clientes por delivery se manteve forte. Como observa Volpini “nossa demanda sempre aumentou; trabalhamos diariamente para que cheguem clientes novos e que os que já são fiquem”. Esse crescimento é especialmente evidente nos finais de semana, com sexta e sábado sendo os dias mais movimentados, com picos de 100 a 200 pedidos diários. “De segunda a quarta sai entorno de 50 a 60 pizzas; na quinta umas 70, 80; sexta-feira em torno de 100 a 115; sábado é o dia mais movimentado com cerca de 180 a 200 pedidos e no domingo fica sempre na casa das 80 pizzas”, explica.
Com o sucesso consolidado no delivery, a pizzaria está agora expandindo suas operações. Volpini revela que, em breve, o público de Bento Gonçalves poderá desfrutar de um rodízio presencial, um passo importante para diversificar a experiência dos clientes. “Estamos com reforma, mas logo inauguramos”, anuncia ele com entusiasmo.
Em termos de plataformas de delivery, a Malbec utiliza várias, incluindo iFood e Delivery Much, mas destaca seu próprio canal via WhatsApp, o “Anota aí”, como a principal ferramenta para receber pedidos. Além disso, a pizzaria investe em promoções contínuas para manter a competitividade e incentivar os pedidos.
Apesar do crescimento, o setor de delivery apresenta seus desafios. Para Volpini, um dos maiores é encontrar e reter funcionários que realmente gostem do que fazem. “Temos os melhores funcionários, mas acho que o grande desafio é achar pessoas que realmente gostem de trabalhar”, afirma ele.
No entanto, é otimista quanto ao futuro. Com o foco em um serviço de qualidade e um marketing eficiente, ele acredita que o delivery continuará sendo uma parte essencial do negócio, mesmo com a reabertura completa dos estabelecimentos para o público.
A visão do consumidor
Para o jovem Pedro Foresti, de 20 anos, comer no conforto da sua casa não tem preço. “Prefiro pedir delivery. Trabalho todos os dias, e sempre chego cansado em casa, quando quero comer algo diferente prefiro mil vezes pedir. Só pedindo o delivery, posso jantar de pijama e assistindo minhas séries”, conta.
Foresti acredita que pedir o lanche pode sair mais barato do que ir no restaurante. “Os aplicativos de comida, disponibilizam diversos descontos e ate mesmo os restaurantes vazem promoções em seus deliveries. Esse é um dos pontos que me faz preferir pedir comida do que ir em um estabelecimento”, sustenta.
Já Bianca Passaia Toniolo prefere ir comer nos restaurantes. “Dificilmente peço delivery, só quando estou mal ou com muita preguiça. Prefiro ter a experiência do estabelecimento, ver pessoas”, declara.
Bianca entende que no restaurante os alimentos chegam mais bem preparados e mais bonitos. “Comendo no restaurante, a comida chega bem quentinha e montada. É uma experiência que quando pedimos o delivery muitas vezes não temos”, relata.
Nicole de Brito também prefere ir nos estabelecimentos comer. Para ela, é uma forma de se conhecer lugares e comidas novas. “Prefiro ir comer em restaurante, pelo fato de conhecer novos estabelecimentos. Claro que pedir em casa tem suas vantagens, como o conforto. Mas tem coisas que só os restaurantes podem oferecer”, declara.