Cerca de 15 mil animais foram resgatados em todo o estado. Adotar um deles é um ato altruísta e importante, podendo oferecer uma nova vida, com dignidade e carinho
Com a catástrofe climática que assolou o Rio Grande do Sul no mês de maio, não só pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, mas também animais, de estimação ou não.
Cerca de 15 mil animais foram resgatados no estado, a maioria cães e gatos. Grande parte foi parar em abrigos mantidos por órgãos públicos, bem como os organizados por entidades independentes e voluntários. Muitos dos animais possuem tutores, que não têm condições para buscá-los no momento, pois suas casas foram danificadas ou destruídas pela enchente e deslizamentos.
A médica veterinária Renata Benini é proprietária de um hotel exclusivo para gatos, e abriu seu espaço para receber e abrigar gatos resgatados da enchente. Alguns já retornaram para seus tutores, outros foram adotados, mas ainda há animais disponíveis para adoção, esperando uma família amorosa e responsável.
Um novo lar para Eulália
Marisa Machado de Freitas, de 37 anos, é designer de interiores e possui duas gatas adotadas em outras ocasiões. Ela participou de vários resgates de animais vítimas da enchente na região. “Durante os resgates que participei, presenciei o sofrimento e o abandono de muitos animais. Diante dessa realidade, não hesitei em decidir que adotaria um deles”, comenta.
Quando viu as fotos dos gatos disponíveis que Renata divulgou em suas redes sociais, Marisa se encantou por uma gatinha cinza, que batizou de Eulália. “Sabendo que animais adultos têm mais dificuldade em encontrar um lar definitivo, escolhi a Eulália. Ela já tem dois anos e é bem peludinha, extremamente dócil e amorosa. Adora receber carinho e é muito comilona. Ela se adaptou super rápido em seu novo lar, aqui em casa”, comemora.
Marisa acredita que ter um animal de estimação traz diversos benefícios aos tutores. “Os pets proporcionam companhia, amor incondicional e ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade. Além disso, penso que eles nos incentivam a sermos mais ativos e responsáveis”, reflete.
Segundo Marisa, adotar um animal é um ato altruísta e importante. “Acredito que todos os animais merecem um lar amoroso e uma segunda chance. A adoção contribui para reduzir o número de animais abandonados e ajuda a salvar vidas. Também ganhamos um companheiro leal e amoroso, que enriquecerá nossas vidas de muitas maneiras”, expõe.
É importante salientar que os animais podem ter vivido momentos desafiadores e podem trazer traumas dessas vivências. Por isso, é essencial que os tutores em potencial tenham paciência e carinho para reabilitar o animal. O acompanhamento veterinário também é importante, pois além de cuidar da saúde física do bicho, também auxilia em questões comportamentais e de adaptação.
A voluntária Cíntia Antoniazzi relembra uma situação curiosa que vivenciou em um abrigo de cães resgatados na região de Bento Gonçalves. “Muitos dos cães insistiam em ficar em cima do telhado das baias e casinhas provisórias do abrigo, acho que era uma reação automática, como se ainda estivessem tentando escapar dos alagamentos. Eles vêm com traumas, doenças, medos e machucados, então temos que ser bastante cautelosos no manejo desses animais e ao mesmo tempo acolhê-los com o carinho, respeito e dignidade que merecem”, aponta.
Incentivo do governo
Com o objetivo de ajudar a encontrar lares para animais resgatados durante as enchentes, o governador Eduardo Leite anunciou um novo projeto de incentivo à adoção. Desenvolvido pelo Gabinete de Projetos Especiais do Vice-governador e pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), o texto, que será encaminhado à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL-RS) nesta semana, prevê investimento de R$ 6,86 milhões no bem-estar animal.
O incentivo para adoção será pago para aquelas pessoas que desejarem adotar um animal de estimação afetado pelas enchentes, mas que não têm condições de arcar com os custos. De acordo com o projeto de lei, o governo pagará R$ 450 por animal adotado, e cada pessoa poderá adotar até dois animais. O valor previsto considera gastos básicos de cuidados com animais de estimação durante seis meses.
O valor será pago em duas parcelas, uma logo após ser realizada a adoção do animal e outra após três meses, quando será realizado um acompanhamento para garantir o bem-estar do animal adotado.
Além disso, todos os animais postos para adoção já estarão castrados e microchipados, por meio de uma parceria com hospitais universitários veterinários, Ministério Público do Rio Grande do Sul e o Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad).
A iniciativa faz parte do Plano Rio Grande, que atua em três eixos de enfrentamento aos efeitos das enchentes: ações emergenciais, ações de reconstrução e Rio Grande do Sul do futuro.
Opiniões divergem
Organizações e voluntários que atuam na causa animal criticaram a iniciativa. Segundo os grupos, a política pode fomentar o interesse pela adoção apenas em troca do dinheiro. Isso poderia levar animais a serem devolvidos posteriormente para as ruas. “Mesmo antes dessa situação de calamidade, todos os animais que o abrigo disponibiliza para adoção passam por acompanhamento, ganham remédios, ração, caminha, tudo que precisam. Também é feita uma entrevista bem minuciosa com os potenciais tutores, a fim de evitar que o animal seja devolvido ou sofra maus-tratos na nova família”, esclarece Cíntia.
O governo argumenta que a fiscalização se dará por meio de microchipagem. Assim, seria possível até mesmo promover sanções a quem descumprir o acordado. Porém, a microchipagem não é uma medida suficiente, pois nem sempre as informações necessárias são cadastradas corretamente no chip, que se torna obsoleto. Além disso, quando uma pessoa leiga resgata um animal, por exemplo, é pouco provável que tenha um leitor de microchip para poder identificar o animal.
Organizações não governamentais e grupos de voluntários defendem que o valor que o governo pretende liberar para a causa seja investido nos próprios abrigos. “Ao invés de repassar esse dinheiro ao adotante, onde não tem como garantir que será gasto com o bem-estar do animal, o governo deveria destinar o valor aos abrigos. Precisamos sempre melhorar nossa estrutura, comprar alimento, roupas, camas, medicamentos, pagar tratamentos e dívidas com clínicas veterinárias”, pontua.
A principal preocupação é a possível má utilização do benefício, pois as pessoas poderiam adotar os animais somente pelo interesse financeiro, mas ela é atenuada, já que o tutor só recebe a segunda parcela depois de três meses, mediante comprovação de que o pet está bem.