Diante de um cenário avassalador, que atingiu 94,7% dos municípios gaúchos, pensar e planejar uma campanha são fatos que não passam pela mente de todos, especialmente dos que estão diretamente envolvidos no trabalho de recuperação dos estragos. Porém, autoridades eleitorais não cogitam adiamento
O Estado do Rio Grande do Sul vive desde o início de maio uma tragédia jamais imaginada: a maior catástrofe natural de que se tem conhecimento, que afetou 471 dos 497 municípios gaúchos. Afora isso, o fato contabiliza, até agora, 172 mortes, 806 pessoas feridas e 42 permanecem desaparecidas. Mais de 2,3 milhões de gaúchos foram afetados de alguma maneira e 581 mil foram desalojados. Cerca de 35 mil permanecem em abrigos temporários. Muitos foram e são os estragos, sem contar as milhares de estruturas, entre residências, estabelecimentos comerciais e industriais, além de espaços públicos que foram levados pelas forças das águas de inúmeros rios.
Não existe uma previsão de quanto tempo irá demorar para recuperar tantos estragos e reestabelecer municípios, rodovias, pontes. Em algumas cidades, o cenário é de total destruição. Mas logo ali adiante, agendado para o mês de outubro, há algo muito importante, o maior exercício de cidadania a que o povo tem acesso: as eleições municipais. Em 6 de outubro deverá ocorrer o pleito que definirá os novos prefeitos e vereadores para os 5.570 municípios Brasil afora.
Conforme o advogado especialista em Lei Eleitoral, Jonas Caron, este é um delicado tema que, de maneira direta ou indireta, afeta todos os gaúchos. “Faltando poucos meses para o pleito de outubro, a catástrofe ocorrida no mês de maio criou um cenário de incerteza nos municípios. Há muita divergência quanto à viabilidade de manter as eleições para a data marcada e sobre o impacto que uma campanha eleitoral poderia ter em meio ao processo de reconstrução no Estado. O cenário atual divide opiniões. Alguns acreditam que não é o momento adequado para realizar disputas eleitorais, convenções partidárias e reuniões políticas. O clima é de desolação: muitas pessoas estão sem casa, sem emprego, com suas empresas destruídas e sem condições de deslocamento”, comenta.
Embora uma parcela acredite que a data deva ser redefinida, há os que creem que deva ser mantida. “Por outro lado, há quem defenda que as eleições devem ocorrer na data prevista, argumentando que conduzir o processo eleitoral em um cenário de crise pode demonstrar nosso compromisso com a democracia. Embora reconheçam a gravidade da catástrofe, não a veem como um obstáculo à realização das eleições. Essa divergência pontual reflete a complexidade da situação. A Justiça Eleitoral, através do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já manifestou que será plenamente possível realizar as eleições na data determinada pela legislação”, frisa.
De qualquer maneira, conforme Caron, a decisão de manutenção ou adiamento das eleições no Estado está nas mãos do Congresso Nacional. “A decisão final sobre o adiamento ou não das eleições e a possível prorrogação dos mandatos é competência do Congresso Nacional. Este, como legítimo representante do povo, deverá propor uma Emenda à Constituição, se necessário, para regulamentar o adiamento em todo o Estado ou apenas em algumas cidades, definindo as condições para isso”, destaca.
O advogado ressalta, ainda, que há um tempo hábil para tal definição. “Dado o contexto atual, acredito ser prudente aguardar mais um mês antes de tomar uma decisão definitiva sobre o tema. Esse tempo nos permitirá uma melhor avaliação da capacidade dos governos de responder de maneira eficaz às destruições de infraestruturas, como pontes e estradas, além de atender às necessidades emergenciais da população. Neste momento, se as eleições fossem realizadas hoje, não teríamos condições de garantir um processo legítimo, pois muitas pessoas enfrentariam dificuldades ou até impossibilidades de deslocamento, apenas para citar um exemplo”, conclui.
“Nós não estamos trabalhando com a possibilidade da transferência das eleições”, afirma Presidente do TRE-RS
O presidente do TRE-RS, desembargador Voltaire de Lima Moraes, salienta que as eleições são realizadas, em seu primeiro turno, no primeiro domingo de outubro e, nos locais onde há necessidade de segundo turno, no último domingo de outubro. “A Constituição Federal, no Artigo 29, Inciso 1, estabelece que as eleições devam ser realizadas em todo o território nacional, na mesma época, no mesmo momento. Portanto, qualquer alteração dependeria de uma Emenda Constitucional. Nós não estamos trabalhando com a possibilidade da transferência das eleições. Importante destacar que somente o Congresso Nacional, através de uma Emenda Constitucional, poderá modificar a data, mas são consideradas todas as informações. Evidentemente, tudo é só pesado, a começar pela posição do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), perante as dificuldades. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também avalia”, explica.
Com relação à situação vivenciada no Estado, o desembargador compreende e conceitua como uma verdadeira tragédia. “É muito lamentável, na sua mais alta dimensão. Até porque não são apenas patrimônios, mas, inclusive, muitas vidas. Porém, nós estamos trabalhando exaustivamente para a realização das eleições. Nós temos 175 zonas eleitorais em todo o estado do Rio Grande do Sul e estamos analisando cada uma das situações. Algumas foram afetadas mais, outras menos. Mas estamos realizando um monitoramento permanente de toda situação. O trabalho vai ser redobrado, contudo, estamos tomando todas as providências”, pontua.
O presidente fala, ainda, que com relação à documentação, especificamente, ainda há tempo hábil para obtenção da mesma, e que a biometria, já cadastrada por mais de 80% dos gaúchos, facilita sobremaneira a identificação dos eleitores. “Estamos avaliando e analisando eventuais dificuldades que possam surgir e repassando as devidas orientações. Inclusive está havendo um movimento muito forte com relação à obtenção da segunda via. O próprio TRE está se dirigindo aos abrigos, onde estão as pessoas, procurando verificar a questão do Título de Eleitor. O Instituto de Identificação também está trabalhando neste sentido. São vários movimentos, tanto do Poder Judiciário quanto dos demais poderes, visando resgatar a dignidade dos gaúchos atingidos por essa tragédia”, destaca.
Moraes finaliza reforçando que manteria a data marcada para as eleições municipais de 2024. “Não vejo razões para efetuar a transferência. Obviamente, o futuro é incerto. Pode ser que até lá tenhamos que mudar de ideia, mas temos a convicção de que o tempo vá melhorar e nos ajudar. Então, friso, não vejo necessidade, nesse momento, de cogitar a transferência das eleições. Não estamos trabalhando com essa hipótese”, encerra.
Oitava Zona Eleitoral já se prepara para o pleito
O chefe do Cartório Eleitoral de Bento Gonçalves, Ricardo Abreu, evidencia que os cartórios eleitorais estão posicionados numa instância operacional, atuando na requisição dos locais de votação, na instalação das seções, na preparação das urnas, na convocação de mesários, entre outras atividades, e não numa situação decisória. “O que está sendo feito hoje é um levantamento por parte da Coordenadoria de Eleições do Tribunal com as zonas eleitorais, referentes aos estragos, à destruição e à necessidade de tomar providências de adaptação dos locais de votação, transferências, entre outros. Todo esse levantamento visa a ocorrência das eleições na data prevista, ou seja, não temos nenhuma orientação ou notícia de que haverá alguma alteração”, pondera.
A juíza eleitoral, Fernanda Ghiringhelli de Azevedo diz que a catástrofe causou repercussões no trabalho da Justiça Eleitoral. “Ficamos sem sistema por um período, principalmente em razão dos danos que ocorreram em Porto Alegre, na sede do TRE, o que acabou atrasando o cadastramento dos eleitores, cujo prazo final era oito de maio e foi prorrogado até dia 23. Mas, toda a intenção do TRE é de que ocorram as eleições na data estipulada, até porque seria muito complicado realizar em período diferente ao do restante do país”, afirma.
Conforme ela, para os eleitores que perderam o Título Eleitoral na catástrofe, a melhor forma de recuperar o documento é online, no site JEDigital (jedigital.tre-rs.jus.br/jed) ou através do aplicativo e-Título. Já com relação às seções eleitorais que foram afetadas, Fernanda salienta que em Bento Gonçalves foram cinco, nas localidades de Vale Aurora, Alcântara, Linha Demari, Linha Veríssimo de Mattos e Linha São Luiz das Antas. “Já estão sendo feitas as tratativas para que as pessoas dessas seções sejam encaminhadas para outros locais, como a Escola Ângelo Chiamolera, no caso de Faria Lemos, e o Ginásio de Esportes, no caso de Tuiuty. É muito provável que estas serão as alterações, e que não causarão muitos transtornos. Em Santa Tereza são só três seções e é bem possível que consigamos utilizar as três. Monte Belo e Pinto Bandeira não sofreram alterações até o momento”, informa.
Assim como o presidente do TRE, a Juíza também acredita que as eleições devam ocorrer em seis de outubro. “Esta seria a melhor opção, é claro, desde que se tenha todas as condições técnicas. Sempre é muito mais complicado alterar o calendário, especialmente se for de um Estado apenas. Creio que geraria muitos transtornos. Todo o empenho está sendo feito neste sentido, para garantir que se realize as eleições nas datas inicialmente previstas, para que as pessoas possam exercer a democracia”, conclui.
Presidentes dos partidos locais divergem a respeito do assunto
Os impactos dessa tragédia são muito grandes, porém, uma decisão de adiar as eleições ainda é muito precoce. Temos vários meses pela frente até o pleito e essa discussão precisa avaliar o cenário mais próximo da eleição. Aline Poder Rodrigues Barbosa – Presidente do Republicanos
Com exceção de alguns municípios que sofreram grandes perdas, entendemos que deveria haver o adiamento das eleições. No caso de Bento Gonçalves, sabemos que os danos se concentraram em algumas localidades, portanto, acreditamos que haja condições de realizar o pleito na data já fixada pela Justiça Eleitoral. No entanto, se houver o entendimento de que essa medida se estenda a todo o Estado, não teríamos porque não compreender a necessidade, mesmo porque o desastre ambiental ocorreu de forma jamais vista na história do Rio Grande do Sul. Carlos José Perizzolo – Presidente do Progressistas
Acredito que a eleição tenha que acontecer em outubro deste ano, visto que teríamos que prorrogar mandados de prefeitos e vereadores e, com isso, iria desestruturar todo o calendário eleitoral. Marlene Maria Marsango – Presidente do PT
O Estado está passando por essa catástrofe, que há muito não se via. Muitas regiões foram afetadas, perdi amigos, amigos perderam tudo. Neste momento, falar de eleição fica complicado. Seria prudente adiar, uma vez que milhares de pessoas estão fora de casa, em abrigos, ginásios, casas de parentes, perderam documentação. Se eu pudesse opinar, eu diria para não ter eleição neste momento. Esperaria todos colocarem as coisas em ordem, o que não vai ser fácil. Adiaria dois, três meses, se possível. Revelino Soares da Silva – Presidente do PDT
Este é um momento de união e solidariedade para auxiliar as pessoas que sofreram com as consequências das chuvas que atingiram o Estado. Não é o momento do debate político ou de promoção pessoal. Acredito que até outubro, esta situação mais aguda terá passado e será o momento de escolhermos as novas lideranças que serão responsáveis por nos prepararmos melhor para os próximos eventos e que tenham a capacidade de promover a retomada do desenvolvimento dos Municípios. Matheus Dalla Zen Borges – Presidente em exercício do MDB
Acredito que os municípios que têm condições de fazer as eleições, devem fazer. Adiar as eleições em todo o Estado do Rio Grande do Sul, mesmo que apenas alguns municípios estejam em situação de calamidade, poderia gerar uma instabilidade política e afetar a legitimidade do processo eleitoral. Porém, se fosse do interesse da maioria, aguardar até o mês, novamente seria ponderável, oportunizando a todos um prazo a mais para se organizar. Neri Mazzochin – Presidente do Podemos
Precisamos de respostas concretas de nossos governantes, pois os problemas continuam há anos. Falta de vagas em creches, cirurgias atrasadas, buracos na cidade e infraestrutura precária em nosso interior. Precisamos de soluções para a retomada do turismo. Precisamos sim de resultados e de alternância no poder. Diante disso, manteria as eleições para outubro, no máximo, para dezembro. Evandro Speranza –
Presidente do PL
O Cidadania hoje, está federado com PSDB e aguardando o período para realização das convenções municipais. Distinguimos que a situação do Estado se encontra um tanto complexa ainda, diante da catástrofe, mas também acreditamos que dentro de um curto prazo, teremos soluções, mesmo que provisórias, para que os acessos sejam liberados e para que as pessoas tenham um local para morar. Então, se isto se concretizar, podemos manter as eleições para a data prevista. Volnei Tesser – Presidente do Cidadania
Os municípios no Rio Grande do Sul foram afetados de diferentes formas e gravidades. Penso que municípios que têm condições de realizar as eleições devem fazer todo o esforço possível para que aconteçam ainda este ano. Prorrogar mandatos, embora seja possível por meio de emenda constitucional, deve ser a última alternativa, pois os cidadãos elegeram esses representantes para um mandato apenas até 31 de dezembro de 2024. No entanto, municípios onde não seja viável por uma questão operacional, prejuízos ao trabalho de recuperação ou até mesmo por haver desequilíbrio eleitoral, devem pontualmente adiar o pleito. Gilson Rigo – Presidente do Novo
Visitei muitos municípios, como Santa Tereza, Muçum, Arroio do Meio, Lajeado, Cruzeiro do Sul. A devastação foi imensa, tragédia total. Em Bento Gonçalves tivemos um grande problema também, com mortes, inclusive. O cenário é assustador. Falar em eleição hoje, fica difícil. Acho que teria que prorrogar, dar mais um tempo para os municípios se reerguerem, Até Porto Alegre está embaixo d’água. Milhares de pessoas perderam tudo. Na minha opinião teria que adiar. Sérgio Luiz Panizzi – Presidente do União Brasil
Sabemos e entendemos que a catástrofe climática afetou de forma generalizada todo o Estado, mas ainda restam cinco meses para a data do pleito eleitoral. Acreditamos que neste período, muito será feito para devolver a ordem aos municípios e ao Estado como um todo. Desta forma, creio que não haja a necessidade de adiarmos as eleições. Aido José Bertuol – Presidente do PSDB
Não existe, no meu conhecimento, nenhuma indicação que as eleições possam ser adiadas. Foi uma tragédia o que aconteceu no nosso Estado, mas precisamos seguir em frente, reconstruir tudo, agradecer a solidariedade de todo o povo brasileiro, e, sobretudo, não abrir mão do andamento do processo democrático dentro da normalidade possível. Luiz Henrique Castro da Rocha – Presidente do PSD
Os presidentes dos partidos PCdoB, PSB e PRD também foram contatados, porém, até o fechamento da edição, não deram retorno.
Nas redes sociais, enquete mostra opinião dos eleitores
O Semanário, atento à gravidade da situação que assola os municípios gaúchos após a recente tragédia, decidiu consultar sua comunidade de seguidores sobre uma questão crucial: o adiamento das eleições municipais, previstas para 6 de outubro. Em uma enquete realizada nas redes sociais do veículo, os participantes foram convidados a expressar sua opinião sobre o assunto.
Esta não seria a primeira vez em que as eleições seriam postergadas em um curto período de tempo. No contexto da pandemia de COVID-19, o pleito originalmente marcado para 4 de outubro de 2020 foi adiado para 15 de novembro do mesmo ano.
Após a coleta e análise dos dados obtidos na enquete, foi possível constatar que a maioria dos participantes, representando 52% do total, se posicionou contra um eventual adiamento das eleições. Este grupo manifestou sua preferência pela manutenção da data original, argumentando a importância da democracia e da continuidade do processo eleitoral.
Por outro lado, 29% dos participantes defenderam a suspensão do pleito, expressando preocupações com a segurança sanitária e a capacidade dos municípios afetados pela tragédia de garantir a realização de uma eleição justa e segura
Por fim, 19% dos participantes da enquete não souberam ou preferiram não responder à questão, indicando talvez uma indecisão diante do cenário desafiador que se apresenta.
Diante da diversidade de opiniões expressas pelos seguidores do Semanário, fica evidente a complexidade da decisão sobre o adiamento das eleições municipais. A discussão sobre o tema certamente continuará, enquanto as autoridades competentes avaliam os próximos passos a serem tomados em meio à atual conjuntura de crise.