Os deslizamentos que atingiram Bento Gonçalves e região afetou diversos interiores, interrompendo diversas produções agrícolas, atingindo parreiras, e dificultando o escoamento de citrus e hortifruti. Cedenir Postal conta todas essas dificuldades, mas salienta que o sentimento dos trabalhadores é de reconstrução
Por conta da tragédia ocorrida no último mês no estado do Rio Grande do Sul, agricultores tiveram sua fonte de renda prejudicada, trazendo, no início, um desânimo total. Entretanto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza, Cedenir Postal, relata que, com o passar dos dias, os atingidos estão se sentindo mais fortalecidos e determinados a recomeçar.
Além de presidente do sindicato, Postal também é um agricultor de hortaliças em uma região que foi bastante afetada. Por conta disso, ele consegue compreender o sentimento que assola tantos trabalhadores rurais. “Como sigo tendo contato com a agricultura, sinto na pele as dificuldades do agricultor e do tempo. Uma coisa é as pessoas te contarem, outra é vivenciar no dia a dia. Nessa situação, mais do que nunca, estou realmente vivendo essa dificuldade, já que precisei sair de minha propriedade pois estava ilhado, sem luz e estrada. Assim como eles, também não consigo escoar a minha produção, e inclusive, já estou perdendo praticamente tudo que tenho pronto lá, assim como meus vizinhos”, conta.
Avaliação dos estragos
Os locais atingidos foram diversos, inclusive, todos os que o sindicato atende. Portanto, os estragos, sejam por terra ou por água, foram grandes, explica o presidente. “O sindicato atende os quatro municípios da região (Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza). A única atingida pelas enchentes foi Santa Tereza; nos outros, o problema foi a questão dos deslizamentos. Principalmente pelo fato de levar parreirais inteiros, bloquear estradas, danificar e condenar casas. Às vezes, a casa em si não foi atingida, mas na parte de cima está tudo comprometido, ou seja, mais uma chuva forte pode fazer tudo descer. Isso foi o que aconteceu de mais grave e que mais impactou”, ressalta.
Dados obtidos
Segundo Postal, os números oficiais ainda não foram contabilizados, até porque ainda não foi possível acessar todos os locais comprometidos, principalmente devido à destruição de estradas. “É difícil falarmos em quantidade, números e valores, porque há lugares que ainda não foram acessados. Em alguns casos, a perda foi total, não há mais recuperação porque ficou simplesmente na rocha, não sobrou terra nenhuma. Outros também sofreram deslizamentos, mas sobrou terra e será necessário um trabalho de recuperação dos parreirais. Em outros, foram as casas que foram atingidas. Existem propriedades que não perderam nada, mas tiveram danos próximos, então é muito difícil falar em números”, alega.
Nos estudos geológicos, que ainda não contemplou todos os locais, foi se definindo quais lugares poderiam ser acessados, e a sensação de alívio foi grande após muitos lugares serem liberados. “No início, estivemos junto aos geólogos, a preocupação dos agricultores de não poderem mais voltar para as casas era grande. Agora, estão aliviados, já que a maioria dos locais, pelo menos para trabalhar, será liberado. Claro que algumas casas, de repente, vão ter que ser realocadas, não vai poder mais haver moradias em determinados locais, porque é perigoso. Mas o primeiro momento foi de angústia por não poder voltar a trabalhar, e esse foi de alívio”, ressalta.
Atuação do Sindicato
O presidente conta que, primeiramente, o sindicato trabalhou acolhendo aqueles agricultores que se viam tão desesperados. “O que nós percebemos nestes praticamente 30 dias foi um desespero total no início, quando as pessoas estavam perdidas, sem saber que rumo tomar. Foi um primeiro momento para ouvir as pessoas e acolhê-las. Além disso, fiquei praticamente uma semana isolado, só tínhamos um contato precário por telefone, por mensagens, e às vezes ainda ficamos incomunicáveis. Mas, nesse neste momento, ouvimos e depois buscamos junto aos governos algum apoio”, conta.
Realização da Entidade
A primeira vitória garantida foi a ajuda aos agricultores que perderam 30% de sua produção, conseguindo uma linha de financiamento flexível, revela o presidente. “Inicialmente, montamos uma pauta, já tínhamos programado uma ida à Brasília no 24º Grito da Terra Brasil, com os sindicatos, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag) junto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), para levar ao Governo Federal as demandas da agricultura familiar. Mas, com todo o cenário que se agravou, nós endossamos a pauta com a questão da calamidade, das enchentes, dos desastres que tivemos. Atuamos desta forma e tivemos um retorno positivo: um auxílio emergencial do Governo Federal, em uma linha de financiamento com 30% de desconto na linha do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), limitado a R$ 25 mil. Simplificando, se o agricultor buscar uma linha de financiamento de R$ 100 mil para reconstruir um parreiral, ele terá um desconto de 30%, mas o limite é R$ 25 mil. Assim, a dívida dele será de R$75 mil. Após isso, o agricultor tem 10 anos para pagar e três anos para começar, então isso foi uma conquista que tivemos para auxiliar quem teve as perdas”, declara.
Desempenho do Poder Público
Com a situação de calamidade em diversas cidades do estado, tendo sido 471 municípios atingidos, os poderes municipais, estadual e federal precisaram agir com rapidez para que os danos pudessem ser contornados. A partir disso, Postal avaliou o que achou das ações trazidas até agora. “A nível municipal, penso que a atuação foi muito positiva, com o engajamento das entidades através do CIC e do Todos por Bento, arrecadando recursos e coordenando os trabalhos de recuperação das estradas do interior. Praticamente, isso foi coordenado pela prefeitura, mas com recursos do Todos por Bento e doações da comunidade. O Sicredi dobrou o valor arrecadado e isso acho que foi positivo. Já o Governo Federal precisa agir mais. Diria que seria necessário o perdão da dívida daqueles agricultores atingidos que têm financiamentos. Ou, pelo menos, que as parcelas deste ano fossem anistiadas. Quem perdeu e não tem nenhuma linha de financiamento, deveria receber ajuda para reconstruir o que foi perdido. Os agricultores ficarão de dois a quatro anos sem ter renda nenhuma porque os parreirais se foram. Claro que, às vezes, uma parcela conseguirá produzir, mas será preciso redobrar o trabalho para recuperar o que já existe. Penso que precisamos de mais ajuda. O Auxílio Reconstrução de R$ 5.100,00, que nem todos os nossos trabalhadores vão se enquadrar para receber, é um valor baixo e não resolve o problema dos agricultores. Um parreiral custa mais de 100 mil reais, então esse valor não ajudaria na reconstrução de quem teve suas terras afetadas. Os agricultores precisam de condições para trabalhar”, destaca.
Planos a curto, médio e longo prazo
Neste momento, existem diversas ações prioritárias para auxiliar os atingidos pelas chuvas, que, no caso de Bento e região, são em sua maioria agricultores e moradores do interior. “Sabemos e entendemos que há muitas coisas a serem feitas, o estado praticamente todo foi destruído. Mas é a agricultura que move o nosso interior. São os agricultores, é a cultura da uva e muitos parreirais se foram. Infelizmente, temos também vários produtores de cítricos que estão em plena colheita e não conseguem escoar a produção. Sabemos das dificuldades para retomar os acessos, mas isso precisa ser feito com a maior brevidade possível”, explica o presidente.
Portanto, Postal avalia que existem ações emergenciais e outras que só serão possíveis após a finalização das primeiras. “A curto prazo, é crucial liberar os acessos o quanto antes, para que seja possível chegar nos locais e os agricultores consigam trabalhar e levar maquinário até as propriedades. Precisaremos de postes, mudas, adubo. Será necessário ter máquinas disponíveis, pois em alguns locais será preciso refazer o terreno”, constata.
Após esse momento inicial, o presidente compreende que será necessária ajuda aos atingidos a longo prazo. “Acredito que deveríamos pensar em um fundo que fosse financiado por um percentual das vendas da produção. Nossa maior produção é de uva, mas poderia incluir outros produtos também, onde cada quilo de uva comercializado destinaria alguns centavos a esse fundo. Poderia ser gerido por uma fundação ou uma entidade privada, para auxiliar em catástrofes como um seguro, para que aqueles que tiveram perdas possam recompor seus vinhedos. Seria algo imediato, sem depender tanto do poder público, que sabemos ser burocrático às vezes”, conclui.
Mudanças na rotina
O Sindicato se viu em um momento bastante diferente, já que antes, suas ações eram diversas, buscando mais direitos dos trabalhadores rurais e realizando palestras e cursos. No entanto, com tantas perdas, muitos dos projetos tiveram que ser adiados. “Neste último mês, acabamos mudando nossas áreas de atuação. O que estávamos fazendo no dia a dia precisou ser alterado, focando especificamente em auxiliar os agricultores. Claro que não vamos abandonar nossas outras ações. Estávamos realizando cursos de qualificação para os agricultores que precisaram ser cancelados ou adiados para o futuro. Algumas iniciativas do sindicato, que estavam previstas para agora, também foram adiadas”, explica.
Agora a meta é tentar recuperar o que foi perdido, ou pelo menos buscar uma vida mais digna para estes trabalhadores. “Nosso foco é realmente ajudar os agricultores que estão necessitando. Estamos auxiliando aqueles que precisam encaminhar documentos aos bancos para solicitar auxílio emergencial. Nosso engenheiro agrônomo que elabora projetos e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que antes focava na qualificação, agora estão concentrados em ajudar os agricultores com doações de equipamentos, tentando também atuar na reconstrução das casas daqueles que perderam tudo”, declara.
Vítimas da Catástrofe
Sua primeira avaliação do sentimento daqueles que foram atingidos é de muita tristeza, mas, ao longo deste mês, ele pôde notar que a resiliência estava tomando conta. “No primeiro momento, os agricultores estavam desolados. Não que agora estejam animados, mas o início foi muito difícil. Sentiram medo e angústia, mas, com o passar do tempo, observamos mudanças. Notamos uma vontade de quererem reconstruir, porque os que mais sofreram foram os que perderam suas terras, que são sua ferramenta de trabalho. E agora vemos essa vontade deles de reconstruírem”, realça.
Logo nos primeiros dias, quando os deslizamentos foram intensos e muitos se viram obrigados a abandonar suas terras, a vontade de desistir era grande. Entretanto, o presidente entende que a dificuldade é ainda maior entre os mais velhos. “Nos primeiros dias, muitos diziam que não sabiam o que fazer, que iriam abandonar tudo. Mas, depois de quase um mês, eles já estão pensando na próxima safra. A grande maioria não conseguirá recuperar o tempo perdido, mas vão cuidar do que restou para garantir o que podem. Claro que há aquelas pessoas mais idosas, para quem é mais difícil se reerguer, pois é o trabalho de uma vida”, traz.
Considerações finais
Por fim, Postal compartilha uma mensagem como presidente, mas também como um agricultor orgulhoso de seu trabalho. “A agricultura não vai acabar, os agricultores não vão desistir dessa atividade. Aqueles que chegaram aqui há 150 anos enfrentaram dificuldades muito maiores do que as atuais. Vamos superar tudo isso e incentivar que não desistam, que continuem com suas atividades, apesar das dificuldades. A agricultura da uva é nossa principal atividade agrícola, é nossa vocação regional e turística. Ela desenvolveu nossa cidade ao longo desses 150 anos desde a chegada dos primeiros imigrantes. Vamos superar isso, seguir em frente com determinação, erguendo a cabeça diante de mais um desafio que vamos vencer”, finaliza.
O Sindicato, situado em Bento Gonçalves, atende também outros três municípios, sendo: Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza