Em meio a uma situação caótica, pessoas inescrupulosas geram e disseminam notícias falsas, afetando diretamente os auxílios e causando confusão entre atingidos, voluntários e população
Desde o dia 30 de abril o Rio Grande do Sul vive uma situação jamais imaginada, ocasionada por uma catástrofe climática que deixou milhares de desabrigados e desalojados, além de mais de uma centena de mortos. Dos 497 municípios que formam o Estado, 446 foram afetados pela tempestade, o que deverá ocasionar uma perda estimada em R$ 14 bilhões em arrecadação e R$ 40 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB).
Afora todos estes problemas, aliados à destruição de incontáveis residências, estabelecimentos comerciais, instituições públicas e privadas, estradas, linhas férreas e outros bens patrimoniais, há um fator complexo de ser administrado, pois, de alguma forma, acaba atrapalhando os trabalhos das equipes de resgate, gerando desconfiança e desconforto entre a população que quer ajudar e a que precisa ser auxiliada. São as Fake News (ou notícias falsas), que se disseminam como fumaça entre as redes sociais e causam um verdadeiro caos psicológico para concorrer com o estrutural e emocional a que estão sendo submetidas as vítimas.
Conforme o sociólogo, mestre e doutor em Ciência Política e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), João Ignacio Pires Lucas, as notícias falsas não são nenhuma novidade. “Em relação à própria história, nas questões políticas, que eram muito mais restritas no passado, apenas às elites, nobres, pessoas ricas, sempre se embalaram as lutas de bastidores, os corredores pouco visíveis das disputas palacianas. Entre países e regiões, também. Até alguns livros e filmes relacionados ao passado na Europa ou em outras regiões dão conta de que guerras eram travadas com base em notícias falsas. Com o avanço da modernidade e o desenvolvimento de meios de comunicação de massa, isso acabou assumindo proporções sociais mais amplas, especialmente porque a esmagadora maioria da sociedade consumidora, eleitora, usuária de direitos e políticas públicas, empregada e empregadora têm acesso às notícias, fazendo com que as falsas ganhassem um volume muito grande. Cerca de 70 a 80% de assuntos relacionados a diversos temas são baseados em fake news, o que afeta a vida das pessoas, das organizações. Isto foi muito forte na pandemia, agora no desastre, e já podemos verificar que existem notícias verdadeiras cuja repercussão das falsas tem atrapalhado. Muitas vezes elas são feitas até por especialistas, por pessoas na área da saúde, do direito, da política. Quanto à disseminação, há os que fazem por ingenuidade, mas também existem aqueles que têm um propósito”, afirma.
Conforme o sociólogo, a maior parte da sociedade não se envolve nos assuntos que são pertinentes às notícias falsas. “Há pessoas que vivem no dia a dia a vida delas, porém, também sofrem com relação às notícias falsas entre a vizinhança, no trabalho, dentro da própria família, sabem bem o estrago que estas notícias causam, o quão são prejudiciais. De outro lado, o ideal seria que as pessoas compartilhassem apenas notícias em que confiassem muito na procedência. O problema é que existem pessoas que confiam em órgãos, amigos, influencers, youtubers e acabam compartilhando informações oriundas destas instituições e pessoas que, muitas vezes, são informações falsas. Até as grandes redes podem disseminar notícias inverídicas, desencontradas. Não é um fenômeno que só acontece com as pessoas que estão com péssimas intenções, querem enganar. As notícias pela metade também podem ser tão prejudiciais quanto as inteiramente falsas. Desconfiem sempre, busquem fontes, não reproduzam sem ter certeza. É preciso perder a ansiedade, diminuir a velocidade de propagação na medida em que se tem certeza. Não reproduzam e procurem a veracidade da informação” alerta.
Lucas destaca, ainda, que existem vários motivos que levam a este processo. “Existe o crime organizado e desorganizado. No dia a dia são inúmeras as notícias falsas, as mentiras que acabam atrapalhando a vida de todos. Porém, nem sempre existe uma motivação por trás. O que se sabe é que se torna difícil o combate, mas o certo é que a desinformação só pode ser combatida com a informação. Hoje em dia não faltam mecanismos para que as pessoas possam estar bem-informadas. É sempre importante buscar os canais oficiais nas redes sociais, se certificar bem, e, por mais que o diálogo possa ser democrático, as pessoas devem falar com mais propriedade apenas sobre o que elas realmente sabem”, conclui.
Maioria dos entrevistados diz ter recebido Fake News durante período das enchentes, revela pesquisa
Durante o período mais crítico das enchentes no início de maio, uma enquete conduzida pelo Semanário revelou que mais da metade dos participantes, precisamente 60%, confirmaram ter recebido informações falsas. Dentre esses respondentes, a maioria esmagadora, equivalente a 74%, relatou que as fake news foram veiculadas principalmente através de grupos de mensagens, como WhatsApp e Telegram. Outras fontes de disseminação incluíram amigos, responsáveis por 17% das fake news, seguidos por familiares e colegas de trabalho, ambos com 4%.
Apesar do alto índice de recebimento de notícias falsas, a pesquisa mostrou que a maioria das pessoas, cerca de 54%, não acreditou nas informações recebidas. Enquanto isso, 36% dos entrevistados ficaram na dúvida e 11% acabaram acreditando nas fake news.
Quando confrontados com a necessidade de verificar a veracidade das informações, os participantes adotaram diferentes estratégias. A maioria esmagadora, totalizando 58%, recorreu ao Google para buscar respostas após receber notícias falsas. Enquanto isso, 23% optaram por conversar com pessoas entendidas do assunto, buscando esclarecimentos diretos. Surpreendentemente, 19% dos entrevistados admitiram não ter buscado informações adicionais, cientes de que a notícia recebida era falsa.