Gean Paulo Michel diz que “sabendo que eventos como este se repetirão no futuro, é preciso não cometer os erros do passado”
O Engenheiro Sanitarista e Ambiental, com Doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em colaboração técnica com a Universidade Federal Fluminense (UFF), Gean Paulo Michel comenta que o fenômeno meteorológico que levou a ocorrência das fortes chuvas no Estado, inclusive na Serra Gaúcha, não é novo. “Foi a combinação de um sistema de alta pressão, com ar quente, no centro do país, que bloqueou a passagem das frentes frias que vêm do sul para o norte. É um fenômeno conhecido pelos meteorologistas. A questão é que as mudanças climáticas podem estar alterando a intensidade e a frequência deste e de outros destes fenômenos, porém ainda é muito difícil entender o mecanismo de aceleração destes processos. Entretanto, não é necessário recorrer às mudanças climáticas para explicar chuvas de tamanha intensidade e duração. As próprias chuvas que levaram a inundação de Porto Alegre em 1941 apresentaram totais acumulados da mesma ordem de magnitude desta que ocorreu nos últimos dias. Assim, do ponto de vista técnico, era de conhecimento que tempestades como essa poderiam ocorrer e continuarão a ocorrer ao longo do tempo”, expõe.
Para o professor, é imprescindível que se trabalhe com a ideia de prevenção em relação a estes desastres. “Sabendo que eventos como esse se repetirão no futuro, precisamos buscar não repetir os erros do passado. Do ponto de vista da população, é preciso que as pessoas entendam quais tipos de desastres podem ocorrer, para que situações de maior exposição e vulnerabilidade sejam evitadas. Por exemplo, inundações ocorrem a partir do transbordamento dos rios, por isso é importante respeitar a mata ciliar dos corpos d’água e evitar construir casas ou estruturas próximas dos rios. No caso dos movimentos de massa, eles ocorrem em áreas de mais alta declividade e tem a tendência de se propagar pelas áreas onde a encosta é côncava, assim esses locais devem ser evitados. Do ponto de vista do poder público, precisamos ter uma Defesa Civil bem-preparada, que trabalhe em todas as etapas de gestão de risco, sempre com enfoque em prevenção. Isso quer dizer que é preciso que a Defesa Civil esteja atuando junto às comunidades, informando sobre as melhores condutas perante o risco de desastres, tenha o mapeamento de áreas propensas a desastres, tenha sistemas de alertas e alarme, entre tantas outras atividades que o órgão conduz”, pondera.
Com relação às áreas que foram devastadas, Michel declara que está sendo feito um mapeamento nas centenas, talvez milhares de cicatrizes. Conforme ele, é importante frisar que os deslizamentos são processos normais de evolução da forma do terreno. “Antes destes deslizamentos ocorrerem, muitos outros ocorreram na mesma região, há décadas, talvez séculos atrás. Os deslizamentos têm seu início na parte mais declivosa das encostas e, nestes locais, que chamamos de cabeceira dos deslizamentos, haverá uma lenta reconstituição ao longo dos anos e, em algumas décadas, as cicatrizes das cabeceiras passarão a ficar imperceptíveis. Caso estes deslizamentos tenham ocorrido em áreas populosas, é preciso que seja feita uma vistoria, inclusive das áreas adjacentes, a fim de verificar rachaduras ou volumes de terra que estejam suscetíveis a deslizar em uma próxima chuva. Nestes casos é preciso manter a atenção para evacuar as áreas abaixo deste ponto e então conduzir obras de estabilização destas encostas no futuro. Nas áreas onde ocorreu a deposição do material vindo das encostas, no futuro será possível realizar uma limpeza para voltar a utilizar para outras atividades, porém sempre devem ser evitadas as construções de moradias e estruturas, pois no caso de novos deslizamentos, provavelmente o material voltará a se depositar. É importante mencionar que qualquer movimentação de material (terra, rochas, árvores, etc.) deve ser conduzida somente depois o mesmo se torne menos úmido, e sempre com acompanhamento de um profissional. Neste momento todo o material ainda se encontra altamente fluidificado e qualquer perturbação pode reativar o movimento”, informa.
Prevenção é essencial
Engenheiros ambientais, engenheiros civis e geólogos precisam realizar um extensivo trabalho de análise e reconhecimento do que deve ser feito nas áreas afetadas a partir da catástrofe. Embora muitos deslizamentos tenham ocorrido efetivamente, existe a possibilidade que exista uma significativa quantidade de outros iniciados, mas não completamente desenvolvidos.
De acordo com o professor, isso significa que rachaduras e fissuras podem ser observadas no solo, indicando que houve o início de alguma movimentação. “Estas regiões, a partir deste momento, são naturalmente instáveis. É importante ressaltar que os deslizamentos e essas rachaduras e fissuras podem estar, inclusive, em áreas com vegetação nativa. Por isso, nas encostas situadas próximas às regiões onde vivem pessoas, desde famílias isoladas até grandes comunidades, ou estruturas, como hospitais, centros comunitários, estradas, etc., deverão ser conduzidas vistorias a fim de identificar possíveis novos deslizamentos”, reitera.
Michel diz, ainda, que as áreas de deslizamentos não são áreas degradadas propriamente ditas. “Durante o processo de recuperação o foco deve ser evitar a reconstrução de antigos riscos ou a construção de novos. As áreas afetadas pelos deslizamentos que se encontram próximas à população devem ser avaliadas da perspectiva da possibilidade de ocorrência de novos movimentos de massa, e, caso esta possibilidade exista, devem ser conduzidas medidas de redução de risco”, finaliza.
“A população precisa estar preparada”, afirma professora
A professora da Universidade do Vale do Taquari (Univates), engenheira Ambiental, mestre em Sensoriamento Remoto e doutoranda em Recursos Hídricos pelo IPH da UFRGS, Sofia Royer Moraes, destaca que o não atendimento aos sistemas de alerta é preocupante. “Sempre que há um alerta, há um nível de risco. Quem emite os alertas, de forma oficial, é a Defesa Civil, com base nos dados que recebe da Sala de Situação situada na Secretaria Estadual de Meio Ambiente. As pessoas podem ter acesso através de mensagens de texto no celular, bastando cadastrar o CEP da residência através do 40199, ou também por intermédio dos agentes da Defesa Civil de cada Município. Temos ciência de que estes sistemas precisam ser melhorados, à medida em que hoje eles são muito abrangentes em termos de área. Precisamos evoluir, principalmente na questão da cultura de prevenção e conhecimento acerca da região e dinâmica natural do lugar onde vivemos. Ampliar o monitoramento de variáveis físicas importantes, como precipitação e nível de nossos recursos hídricos. Simulados e preparo da população para situações de crise, são essenciais. Com maior domínio do tema e dos fatores de risco, a sociedade estará mais segura”, enfatiza.
A partir de agora, Sofia acredita que a curto prazo, é preciso trabalhar para salvar vidas, garantir água potável e alimentos para subsistência às pessoas que foram afetadas, buscando amparo e máximo conforto para esse momento tão frágil. Já num intervalo de curto a médio prazo, a professora afirma que precisa ser feito um grande diagnóstico pontual para cada município, além de um regional, que aponte em conjunto as áreas de risco, o que tem no entorno de cada uma delas para que, a médio e longo prazo, as famílias e estruturas sejam realocadas para áreas seguras. “No contexto da Serra Gaúcha, a sugestão é de que sejam feitos mapeamentos com grandes diagnósticos, apontando áreas suscetíveis a inundações, a alagamentos e principalmente, à movimentos de massa. É preciso incorporar esse diagnóstico e (re)avaliar o Plano Diretor de cada município, as áreas de ocupação e, ainda, realizar simulados com a população das áreas de risco, vinculados a sistemas de alerta, instalados das zonas de risco onde, em situação eminente, sejam emitidos para que a população evacue em tempo ágil”, atenta.
Conforme a professora, os prognósticos de mudanças climáticas indicam um aumento na frequência e na intensidade de extremos climáticos para toda a Região Sul do Brasil, o que inclui secas e inundações, que tendem a se intensificar em nossa região. “Eu dividiria o que precisa ser feito em dois níveis: a nível municipal, é necessário, importante e fundamental o mapeamento, com classificação de níveis de risco (baixo, médio e alto), vinculados a tempos de retorno dos diferentes fenômenos naturais observados. A partir disso, deve-se repensar a forma de expansão urbana, a realocação de famílias, a estrutura das cidades. Isso leva tempo, mas precisa ser feito; já em nível regional, é preciso ter uma boa articulação para saber o que está ocorrendo na volta, principalmente nos municípios de montante, a fim de avançar em estudos que possam ajudar ainda mais no que diz respeito a prevenções e ação conjunta em situação de crise climática. O conjunto envolve uma conexão entre os municípios, lideranças e comunidade. Seria muito efetivo, em termos hídricos, por exemplo, instalarmos réguas espelhadas, em mais pontos dos municípios, como também termos times de voluntários treinados para executar as leituras, entender o que esta acontecendo no seu município e ainda, compartilhar as informações de um município para o outro, de forma engajada”, conclui.
A mobilização do IPURB
Equipes técnicas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Bento Gonçalves (IPURB) têm sido mobilizadas para avaliar as áreas afetadas por enchentes e deslizamentos. “Levantamentos detalhados estão sendo realizados, com análises individuais de cada caso. Quando sinais de instabilidade são detectados, os moradores são prontamente notificados para evacuar, visando garantir suas seguranças”, afirma a diretora do órgão, arquiteta Melissa Bertoletti Gauer.
Conforme ela, é cedo para projetar de forma abrangente o que fazer para evitar novos episódios. “Cada região afetada requer avaliações detalhadas do solo por meio de sondagens e estudos geotécnicos. Medidas como cortinas de contenção e sistemas de drenagem podem ser necessárias para estabilizar o terreno e facilitar a reconstrução das vias. Essas ações serão priorizadas após a recuperação dos danos imediatos. Estamos elaborando laudos técnicos com base nas vistorias realizadas. Assim que houver autorização do sistema federal, esses laudos serão incluídos com os orçamentos necessários para as ações de recuperação e intervenções imediatas em áreas públicas afetadas. Isso engloba reparos em tubulações pluviais, reconstrução de vias e implementação de medidas de contenção no perímetro urbano”, frisa.
Fotos: Vinicius Titton + Os Veios Quadri e UTV, Arquivo Pessoal