Dezenas de imóveis levados pelas águas, ocasionaram déficit habitacional em Bento Gonçalves, São Valentim do Sul, e Santa Tereza que chega próximo a 68%
Em 2023, nos meses de setembro e novembro, as regiões da Serra e do Vale do Taquari sofreram com as chuvas que atingiram centenas de cidades no Rio Grande do Sul. Os níveis dos Rios das Antas e Taquari chegaram próximos dos 30 metros acima de seus leitos normais, trazendo inúmeros prejuízos. Além da dor, pela morte de mais de 50 pessoas, municípios ainda esperam auxílio do governo para se reerguer. Drama é ainda maior, já que menos de 35% dos imóveis levados pelas águas nas cidades de Bento Gonçalves, São Valentim do Sul e Santa Tereza, deverão ser construídos com recursos dos governos estadual e federal, elevando, consideravelmente, o déficit habitacional em cidades que precisam reunir recursos para manter em funcionamento os serviços básicos e a economia em movimento.
Em Santa Tereza, mais de 60 casas foram destruídas em setembro
De acordo com os dados encaminhados pelas prefeituras municipais das três cidades da Serra, o número de casas consideradas de moradia fixa, destruídas pelas enchentes chega próximo de 90. Os dados mais que dobram, se colocados também os imóveis considerados de veraneio ou que foram parcialmente danificados e impossibilitados de serem recuperados por estarem em áreas de risco após as cheias.
Conforme as informações, até o momento, a previsão é de que o número de casas reconstruídas com recursos oriundos de programas como o Minha Casa, Minha Vida, A casa é Sua – Calamidades e da Cooperativa Habitacional da Agricultura Familiar (COHAAF), chegue a 28. Apenas São Valentim do Sul e Santa Tereza tiveram anúncios de repasse de verbas feitos pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e governador Eduardo Leite. Bento Gonçalves, até o momento, não recebeu nenhum valor para a reconstrução das moradias localizadas no distrito de Faria Lemos e na localidade de Santa Bárbara.
Déficit habitacional é decorrente de diversos fatores, explica a socióloga Carina Kunze Rosa explica que a situação que envolve a habitação é um problema bastante comum no Brasil, cuja consequência é vivida pelas classes baixas sem acesso a moradias adequadas, mas também em relação a pessoas que estão em uma situação de vulnerabilidade após perdas. “O déficit habitacional é a carência de moradia digna para a população. É difícil imaginar a quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade em relação à quantidade de imóveis desocupados. Quase não há moradia social ou habitação popular para a população de baixa renda, mesmo com programas como o Minha Casa Minha Vida. São poucos os que têm acesso”, aponta.
Ela ainda demonstra a correlação entre residências em locais de risco e a situação das enchentes no último ano. “Ao longo dos anos, vimos diversas moradias irregulares surgirem devido à força e às condições da própria população, sem apoio ou atendimento do Estado. Isso se relaciona diretamente com as tragédias, quando eventos climáticos de grande magnitude, cada vez mais frequentes, destroem casas e bairros inteiros. Não é exatamente o caso das cidades afetadas, pois nem todas as residências atingidas se encontravam em situação de vulnerabilidade, mas não deixa de ser algo preocupante. Sabemos que as condições climáticas estão apenas piorando, e sabemos que o governo estadual possui estudos ambientais de anos sobre isso, comprovando que reconhecidamente têm negligenciado a população ao não realocar aqueles que hoje são afetados antes da tragédia”, conclui.
Cidades Afetadas
Bento Gonçalves
Em Bento Gonçalves, o número de casas atingidas foi de 251, sendo 84 residências fixas e 167 de veraneio. Das residências fixas, 14 foram totalmente destruídas e 70 parcialmente. Pelo departamento de habitação, nenhuma casa foi reconstruída, pois as solicitações que a prefeitura recebeu eram referentes a moradias localizadas em áreas de risco, onde a legislação municipal não permite a concessão de materiais de construção para estas áreas. Na época, foi feito acompanhamento pelas equipes da prefeitura e encaminhamentos para programas sociais. Vinte e três famílias tiveram acesso ao Programa Volta por Cima do Governo do Estado. Além disso, os moradores receberam apoio com doações de móveis e alimentação. Atualmente, 14 famílias tiveram seu pedido de reconstrução enviado ao governo, porém, sem respostas até o momento.
São Valentim do Sul
Em São Valentim do Sul os estragos resultaram em 62 casas destruídas. A cidade ainda não contabiliza nenhuma moradia reconstruída, e o governo municipal alega que ainda não foram depositados nas contas quaisquer recursos para a reconstrução. Atualmente, a prefeitura está pagando aluguel social para 10 famílias. Além disso, seis famílias na zona rural foram indicadas no programa federal Minha Casa Minha Vida Calamidade, recurso federal que também ainda não chegou.
Santa Tereza
Em Santa Tereza, entre residências urbanas e rurais, o número de perdas foi de 63, sendo considerado um dos municípios mais atingidos. Por meio da Cooperativa Habitacional da Agricultura Familiar (COOHAF), serão 10 beneficiários através de recursos federais, ainda sem previsão do calendário de execução. Já na área urbana, 12 foram os beneficiários de casas que serão construídas através do projeto do Estado, com a doação de terrenos feita pelo município. A previsão de conclusão dessas 12 residências é para o mês de dezembro deste ano.
Programas para auxílio
Após as tragédias, o Governo Federal lançou o Programa Minha Casa, Minha Vida Rural Calamidades. No total, serão disponibilizadas 600 unidades habitacionais em 39 municípios do RS, com um investimento que ultrapassa os R$ 44 milhões. O prazo para entrega das unidades varia de quatro a 18 meses (sendo que o prazo de quatro meses se refere apenas às reformas). As famílias estão dispensadas do pagamento de parcelas. O MCMV Rural é dividido em três faixas de renda bruta familiar anual, variando de R$ 31.680 até R$ 96 mil. As famílias que se enquadram nas duas faixas superiores de renda têm a opção de utilizar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para facilitar a aquisição das moradias.
Já o Governo Estadual lançou o Programa Volta Por Cima, no ano passado, em resposta às calamidades ocorridas no estado. O recebimento do auxílio financeiro do Programa Volta Por Cima ocorre exclusivamente por meio do Cartão Cidadão. As pessoas impactadas pelas enchentes estão sendo cadastradas pelo Estado por intermédio das equipes municipais de Assistência Social para receberem auxílio financeiro de R$ 2,5 mil para famílias desalojadas ou desabrigadas e R$ 700 para famílias atingidas, ou seja, aquelas que tiveram danos parciais na residência, mas permanecem nela. Além disso, é necessário atender a outros requisitos, como: o município ter sido incluído no Decreto Estadual nº 57.197, que declara calamidade ou emergência, ou ter emitido decreto próprio e obtido homologação pelo Estado, e também, a família estar registrada no Cadastro Único (CadÚnico) na condição de pobre ou extremamente pobre.
Ponte de Santa Bárbara
Além dos estragos das casas, São Valentim do Sul perdeu também a ponte localizada na ERS-431, na comunidade de Santa Bárbara, responsável pela ligação entre o município e Santa Tereza, Bento Gonçalves, Guaporé, Dois Lajeados, Cotiporã e Monte Belo do Sul.
Atualmente, o trecho conta com a presença de uma balsa, alternativa considerada paliativa até a construção da nova ponte, que ainda não tem data para início das obras. Antes da devastação, em média, dois mil veículos transitavam diariamente no local. Com o novo meio de locomoção, em um mês, o fluxo chegou a 20 mil, segundo o governo do Estado.