Entre as incidências, seis casos ganharam destaque, envolvendo prisões, cumprimentos de mandados e medidas protetivas
Nos corredores da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Bento Gonçalves, os números contam uma história preocupante. Somente no mês de fevereiro passado, mais de 130 ocorrências foram registradas, lançando luz sobre uma realidade perturbadora que assola a sociedade local. Entre os registros, seis casos se destacaram pela sua gravidade. Prisões, mandados de busca e apreensão e medidas protetivas foram apenas algumas das ações tomadas pela polícia para enfrentar a situação.
De acordo com a delegada responsável pela Deam, Deise Salton Brancher Ruschel, desde o início da pandemia, observou-se crescimento significativo no número de registros de ocorrências. Este fenômeno pode ser atribuído, em parte, à crise sanitária que abalou a sociedade como um todo. No entanto, também é importante reconhecer o papel crucial que a facilitação do registro online desempenhou nesse aumento. “Antes, as mulheres estavam mais ainda submetidas à subjugação do acusado, do perpetrador da violência. Então, aumentaram os números de comunicações. Eu olho positivamente para isso. Quer dizer que elas mostram que não aceitam mais esse tipo de violência”, garante.
Entre os casos destaca-se também o aumento de registros de estupros. Esses atos de violência sexual não apenas deixam cicatrizes físicas e emocionais nas vítimas, mas também representam uma falha gritante no comportamento da sociedade como um todo. Segundo a delegada, o fato de que não há mais uma distinção clara de quais bairros são mais propensos a esses crimes em Bento Gonçalves, é um sinal preocupante de que a violência está se infiltrando em todos os cantos. “Culturalmente, os homens se sentem autorizados a subjugar as mulheres e as famílias se sentem autorizadas a disciplinar as crianças na base da violência. Nós atendemos um público vulnerável, que precisa de providências normalmente urgentes, de acolhimento e de atenção. Aquela mulher, criança, elas não precisam só de um boletim de ocorrência. Há necessidade de uma estrutura para poder superar aquele trauma, porque uma violência é um trauma. Hoje a nossa rede municipal de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes é muito estruturada, assim como é a da mulher. Eu afirmo que a rede que temos em Bento Gonçalves é modelo para todo o país”, pontua.
Caso Hellen Natália
Um dos casos que tem gerado comoção da sociedade e buscas por respostas é o desaparecimento de Hellen Natália de Freitas Lopes, de 24 anos, desde o início deste ano. Todos os olhos estão voltados para seu namorado, o principal suspeito nesse caso angustiante. Enquanto ele permanece sob custódia, as investigações avançam lentamente, deixando familiares e amigos desesperados por respostas. A delegada, por sua vez, assegura à comunidade que está fazendo todo o possível para resolver esse mistério e trazer justiça para a família. “Estamos com diligências bem importantes, pendentes, porque dependemos muito de instituições externas a prestarem dados e acredito que serão informações para clarear os fatos. Nós compreendemos que as pessoas querem respostas. Imagine eu como profissional, se eu não for querer dar uma resposta. Mas é uma investigação muito complexa”, explica.
Vítimas precisam denunciar
Se por um lado há diversos instrumentos que permitem vítimas de denunciarem seus agressores, por outro, é necessário que estas comuniquem às autoridades sobre atos de violência. Somente assim, segundo a delegada, a Deam poderá tomar medidas mais efetivas. “Ela (a mulher) não precisa se submeter a isso. Pode se reconhecer como alguém que merece exercer suas liberdades e ser tratada com dignidade. Aqui em Bento Gonçalves a gente tem uma rede bem estruturada. Nós temos atendimento psicológico, psiquiátrico, tem delegacia especializada”, aponta.
Segundo Deise, medidas de proteção precisam ser informadas às autoridades policiais, pois isso permite à delegacia, em alguns casos, inclusive, emitir pedidos de prisão preventiva para supostos agressores. Essas medidas, são consideradas por ela, cruciais para garantir a segurança das vítimas e evitar que mais mulheres se tornem alvos da violência. “Algumas apontam que a polícia não fez o trabalho que se esperava. Mas eu sempre argumento que nós trabalhamos com informação. Não adianta você estar passando por uma situação e não comunicar. Então, se está acontecendo alguma coisa, tem que ir até a delegacia e fazer o registro, senão não há como saber. Com isso, eu não vou poder lançar mão das ferramentas jurídicas que existem, como, por exemplo, pedir uma prisão, se aquele sujeito está representando um risco para a mulher”, explica.
Somente em fevereiro, Deam cumpriu seis mandados de prisão
Durante o mês passado, a Deam executou seis mandados de prisão. Entre eles, destacam-se as prisões preventivas do suspeito do desaparecimento da jovem Natália e de um indivíduo que esfaqueou sua esposa. “Apesar do registro inicial como lesão corporal, as circunstâncias indicavam uma tentativa de feminicídio, considerando as ameaças prévias e posteriores feitas pelo agressor”, revela a delegada. O outro caso foi de um homem que manteve sua companheira em situação de sequestro e cárcere privado por várias horas durante a madrugada. “Ele agrediu muito essa mulher. Chegou ao ponto de levar ela para um matagal perto de casa. Arrastou ela pra lá, agrediu com um cabo de vassoura, depois arrastou de volta pra casa, desferindo mais chutes, socos, até que ela conseguiu fugir e buscar ajuda”, conta.
Além disso, houve a prisão de um indivíduo que reiteradamente descumpriu medidas protetivas, demonstrando um comportamento de alto risco para a vítima, dada sua história de antecedentes policiais.
As duas prisões restantes foram realizadas mediante mandados de busca e apreensão, dentro do contexto de medidas protetivas. A ação foi motivada por informações de que o agressor possuía uma arma de fogo na casa de sua irmã, representando um perigo iminente para a segurança da vítima. “Nós fizemos a busca e a apreensão na casa dessa familiar e lá localizamos uma arma de fogo longa, munições de nove milímetros e dois indivíduos receberam voz de prisão em flagrante. Foi feito todo o procedimento lá no plantão policial”, observa.
Essas ações, segundo a delegada, demonstram o compromisso da Deam na aplicação rigorosa da lei e na proteção das vítimas de violência doméstica e de gênero. “Tivemos uma atividade bem grande em fevereiro. Nós fechamos 133 procedimentos policiais e aí nós vamos ter estupros, nós vamos ter violência doméstica e familiar contra a mulher. A polícia está atenta e trabalhando incansavelmente para garantir a segurança e o bem-estar das mulheres na comunidade”, finaliza.