Localidade fica próxima do distrito de São Pedro. Os moradores, bastante tradicionais, começaram a notar que muitos passaram a vender seus terrenos e novas pessoas se instalaram lá. Já com um condomínio de casas e mais loteamentos que estão para serem feitos, comunidade está bastante insegura sobre o futuro da colônia

A localidade de São Miguel foi iniciada por colonos, muitos deles que plantam para seu próprio sustento. Entretanto, estes mesmos moradores estão preocupados, pois notam que o lugar está cada vez menos sendo utilizado para a agricultura, e em contra partida, novos condomínios e loteamentos estão surgindo. Com a juventude indo embora, os donos das terras acabam vendendo seus extensos terrenos e construções maiores estão surgindo. Além disso, outra queixa é a promessa de asfalto que, segundo os moradores, existe há mais de 10 anos.

Encantos de São Miguel

Natural de Caibaté, Ivete Madalena Leal veio para Bento Gonçalves com o marido e o filho mais novo, após o mais velho vir primeiro. Como morava no interior, decidiu também viver na colônia na Capital Nacional do Vinho. Hoje em dia, tudo o que produz, como morangos, legumes e frutas, são para consumo próprio. “Vejo muitas verduras e parreiras, que são plantadas pelos vizinhos, e isso é o que mais produzem e comercializam. Alguns deles fazem feira três vezes por semana, é um povo muito dedicado, que trabalha dia e noite para abastecer as pessoas”, comenta.
Ela enfatiza que não se arrepende nenhum pouco de ter ido morar em São Miguel e elogia a localidade. “A comunidade é bastante unida, todo mundo se esforça, trabalha e, por enquanto, temos o sossego também. Tem muitos vizinhos novos vindo morar aqui, tem novas construções, chalés, então não dá para saber se esta calmaria irá se manter”, declara Ivete.


Márcio Longo é vitivinicultor, nascido e criado em São Miguel. Tem sua produção para renda e subsistência. “Tem pessoal que planta verdura, uva, há frutas também como ameixas e pêssego. Aqui em casa temos a uva para a comercialização e a renda, mas também temos animais e hortaliças para o consumo próprio”, explica e complementa. “A paz de viver aqui é muito boa, não sei quanto tempo iremos ter, mas termos essa tranquilidade e viver nessa calmaria não tem preço”, reflete Longo.
Eleciane Augusta de Cesar não é natural de São Miguel, mas vive lá há 23 anos. É casada e trabalha de caseira em uma propriedade. Ela e o marido cuidam das parreiras e da horta de produtos orgânicos que servem para consumo próprio. “Aqui é um lugar bom para viver, tem calma e sossego, por enquanto. Além do mais, gosto muito de mexer com terra e cuidar das plantações, sou fascinada pela horta e pelo orquidário que cuido”, salienta.


Entretanto, Eleciane sente falta de um local nas redondezas para que as mães possam deixar seus filhos, já que o mais próximo fica em Bento. “Vejo que as mães sentem muita falta de uma creche aqui. No Barracão, por exemplo, tem escola, é mais perto, mas a educação infantil é só na cidade, então dificulta muito, ainda mais para crianças pequenas que os pais tem que tomar mais cuidado. E farmácia também está em falta, só no Centro para encontrarmos, então, se estamos doentes ou com dor, precisamos ir para a cidade”, expõe.

“Hoje em dia tem mais famílias, mas todas vieram da cidade”

Um medo que vem assolando a população da localidade, é o fim da colônia e por sequência, da agricultura. Isso se dá, porque a partir do momento que virar loteamento e bairro, a produção terá que acabar. Longo tem visto sua comunidade mudar bastante, principalmente com a ida de muitas pessoas, seja porque faleceram ou foram embora da localidade, o que lhe deixa bastante apreensivo com o futuro do local. “Noto muitas pessoas abandonando a agricultura, o preço defasado, tanto que tem um crescimento muito grande de casas de gente de fora. Pessoal tem vendido a propriedade pois precisa sobreviver, precisa daquele dinheiro. Dentro de dez anos, acredito que São Miguel vai virar bairro. As colônias inteiras, como eram antigamente, não deve ter dez propriedades”, lamenta.
Ele considera que, apesar do aumento de pessoas na localidade, não significa que há aumento da produção, muito pelo contrário. “Há 30 anos tinham 27 famílias, hoje em dia tem mais de 90, mas de fora. A maioria não produz, tem condomínio com dez famílias, mais adiante tem construções novas, novos loteamentos. Pessoal quer sair do correria da cidade e aproveita que é fácil e rápido chegar até lá daqui”, salienta Longo.


Eleciane sempre foi agricultora, mas sente como se os dias de sua profissão estivessem contados no local. Assim como tantos moradores, ela nota o movimento por conta das rotas próximas da região, como o Caminhos de Pedra, e apesar São Miguel não ser um local turístico, o movimento respinga. “O turismo vem vindo e a colônia vai apertando, e aí as plantações vão ter que ir embora. São Miguel está virando cidade, em dez anos isso aqui já virou um bairro. Muitas pessoas estão vendendo terrenos para loteamento, e quando viver muitas pessoas aqui, não será mais possível plantar”, declara.
Para Ivete, o aumento de pessoas vindo morar no interior tem a ver com o cansaço em relação a cidade e os benefícios que existem por lá. “Acredito que muitos estão fugindo do barulho da cidade, mas vários compram e revendem. E é aquilo, quem tem sítio tem muito trabalho, é terreno para limpar, é horta para cuidar, pomar para podar, mas sempre morei na colônia, desde que nasci e amo demais”, relata.


E as incertezas que passam pela cabeça de Elenice, passa na de todos que moram por lá, afinal, a maioria sempre trabalhou com agricultora, e aparentemente seus trabalhos estão em risco. “Nós já pensamos em ir embora, porque não poderemos mais fazer a nossa função, o que sabemos fazer, então isso nos preocupa muito, porque não sabemos o que vai ser do futuro da região e nem do nosso”, calcula.
E além disso tudo, há as novas leis dos trabalhos na agricultura da colheita que ainda não estão claras para todos e que geram um pouco de apreensão de como será, e se terá mão de obra. “Nem sabemos ainda como vai ser com as novas leis de trabalho na agricultura, a estrutura até temos e eles vem e vão, não passam a noite, mas o problema é assinar a carteira. Muitos que vem não querem assinar a carteira, porque prejudica eles”, expõe Eleciane.


Maria Ferrari já tem 85 anos, nasceu em São Miguel e passou toda a vida por lá. Sua função sempre foi a agricultura, que fazia junto do marido, antes dele falecer. “Sempre trabalhei na roça, nas parreiras, com as vacas, com a horta, fazia queijo, e meu marido vendia na feira, foi o primeiro feirante de São Miguel a vender na feira. Mas, agora, na idade que estou tive que parar, estou com muita dor por causa da osteoporose”, frisa.
Assim como todos, quase que em uma opinião unanime, ela não vê a colônia permanecendo entre tantas novas casas e moradias. “O futuro é que São Miguel vai se tornar bairro, tem muita casa, condomínio surgindo e muitas pessoas vendendo terreno para loteamento. Acredito que vá mudar muito o futuro, muitas pessoas se obrigam a viver porque os filhos que ficaram não dão conta”, pondera Maria.

“Acredito que, nossa agricultura, em alguns anos, irá decair muito”

Uma das grandes preocupações dos moradores é a falta de juventude na colônia, a maioria não tem vontade de seguir os passos dos pais. “Os jovens estão indo embora, muitos dos vizinhos contam que eles estão indo para a cidade. Acredito que a nossa agricultura vai decair bastante, as pessoas mais velhas que trabalham com isso, amanhã ou depois, não vão existir mais. E quem vai fazer esta tarefa? Os mais novos não querem, porque é um trabalho pesado e trabalhoso. Hoje ouvi no rádio que não tem pessoas para amarrar e podar as parreiras, mas e aí, o que será da agricultura?”, questiona Ivete.


Já Longo, compreende a motivação da juventude, mas ainda assim, acredita que isso pode gerar algumas crises no futuro. “Eles, hoje em dia, tem recursos melhores. Podem estudar e querer fazer outras coisas, claro que no futuro isso vai fazer muita falta, porque quem vai cultivar nossos produtos? Para ter comida no mercado precisa ter pessoas plantando, a tecnologia ajuda, mas ela não substitui um agricultor”, esclarece.
E percebe que justamente o motivo de muitas pessoas estarem se mudando para lá, também, é porque há muitos terrenos a venda que, muitas vezes, acabam ficando ociosos sem ter quem os manuseie. “Muitas das terras vendidas são pelos filhos que ganharam elas de heraça, e também por pessoas mais velhas que não tem ninguém para dar continuidade com a produção, sem recursos precisam sobreviver. Só que vender uma propriedade inteira é difícil e vai se vendendo pedacinhos, e as pessoas vão comprando e vai crescendo”, constata.

O que Eleciane percebe que por conta da evasão dos jovens, não tem quem leve o trabalho da agricultura adiante, que foi iniciado pelos primeiros moradores dali. Ao mesmo tempo que compreende que trabalhar com produção é complexo, visto que até o tempo acaba tendo influência na colheita. “A juventude está indo para a cidade, a colônia está para terminar, só vai ficar os mais velhos e olhe lá. Após os pais falecerem, eles vendem tudo. Mas também é uma falta de incentivo muito grande, fora que o mal tempo prejudica muito. Nós pegamos quatro anos de seca, esse ano teve geada. E aí não tem o que fazer, se espera para o próximo ano”, lamenta.


Sobre a evasão dos mais jovens, Maria vê pelos próprios filhos que, acabaram preferindo o caminho do estudo ao invés da plantação. “É difícil eles ficarem aqui, meus filhos por exemplo: o mais velho teve problemas com o sol, e não podia mais trabalhar com isso e ele decidiu estudar. O segundo decidiu ir para a Bahia trabalhar com calçados e a minha filha também preferiu estudar e hoje em dia mora em Bento”, e complementa. “O trabalho da colônia é difícil, muitos acabam não aguentando e vão embora. Sem falar que eles têm mais chances através dos estudos, tem mais recursos e decidem ter uma vida diferente da que a gente teve”, acrescenta.

Falta do asfalto gera indignação

O fator que entristece todos os moradores é a falta de asfalto, em alguns locais, alguns metros já foram feitos, entretanto, a comunidade já pede por ele há 13 anos. No caso de Eleciane, a falta dele prejudica até mesmo sua saúde. “A poeira que vem pela falta do asfalto é um terror, imagina para mim que tenho asma. Mas é uma polêmica, falam que vão colocar na nossa rua, e acabam colocando em outras. Prejudica para tudo, sobe ônibus com crianças aqui, é poeira, é bairro. Dizem que veio dinheiro para fazer aqui embaixo, que vão dividir em quatro etapas, agora é esperar para ver. O piso de casa todo branco, imagina como fica”, enumera.


Longo, que é viticultor desde sempre, sente as dificuldades de trabalhar com o chão de terra. “A nossa demanda aqui é o asfaltamento dessas estradas, porque não precisamos de mais nada, temos água, luz, nossas produções. Só que a falta dele faz é sentida por todos os moradores do interior, no inverno é barro e no verão é pó. Para mim, que sou produtor, prejudica muito, pagamos todos os impostos em dia, e muitas vezes não vemos o retorno dele, é algo que a comunidade espera há 13 anos. A promessa existe, então iremos aguardar”, reforça.
Para Ivete, uma das únicas reclamações sobre a localidade é a falta do olhar público em relação ao asfalto. Principalmente por morar em uma rua movimentada, e que por muitas vezes, torna-se perigosa. “Aqui nós temos um pedido de calçamento há anos, na nossa rua tivemos que levantar um pouco o chão, para os motoristas não correm muito, pois acaba acontecendo muito acidente por aqui. Mas nós torcemos para que um dia ouçam os nossos pedidos e coloquem o asfalto que nos prometem há tantos anos”, explana.