A cena de alguém ligando para o consultório médico e agendando uma sessão de tatuagem, até pode parecer um roteiro de ficção científica, mas não é. De acordo com a proposta do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 350/ 2014, da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), as coisas passariam a funcionar assim no Brasil: somente médicos poderiam tatuar, o que tem causado revolta não só na categoria dos tatuadores profissionais, mas também na de body piercers, enfermeiros, dentistas, acupunturistas, fisioterapeutas, odontólogos e profissionais de estética.
De acordo com o texto do projeto de lei, conhecido como Ato Médico, “a invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos seria atribuída somente aos médicos”. Aí que entra o questionamento de como será suprida a demanda de trabalho de profissionais que, atualmente, praticam a “invasão” na pele de seus pacientes e clientes.
O Semanário conversou com alguns profissionais para entender como cada categoria está reagindo a essas possíveis mudanças. Os trio de amigos e tatuadores da 182 Tattoo, Japa, Jeanzito Hernandez e Jeh garatem que se sentem lesados com o projeto, e que, caso seja aprovado, os prejudicará diretamente. “Lutamos diariamente para que nossa área seja reconhecida e regulamentada, para que os preconceitos sejam quebrados, estudamos muito para o aprimoramento, sempre procuramos oferecer aos nossos clientes toda a qualidade e segurança possível”, garantem.
Para manter um estúdio de tatuagem, é preciso seguir normas exigidas pela Anvisa, que consistem em condições de privacidade, limpeza, higienização e conservação geral. O alvará é renovado anualmente. Entretanto, a profissão de tatuador e body piercer não é regulamentada. Eles ainda são tidos como profissionais autônomos ou liberais. Entretanto, profissionais da área salientam a importância do tatuador ser regulamentado, pois para exercerem a profissão precisam estar de acordo com as normas exigidas, além de pagarem impostos dos materiais usados e tributos do espaço utilizado.
Profissionais da saúde não aceitam proposta
Os profissionais do estúdio de Bento, enfatizam que como o Projeto de Lei 350/2014, ainda não foi votado, seria possível uma mudança que demandasse uma regulação que mantivesse os tatuadores de fora, como já é feito com outras atividades de saúde. “Tatuagem é arte e não uma função médica, por conta disso não podemos fazer parte desse projeto”, comentam os proprietários da 182 Tattoo.
Mas outros profissionais também não aceitam a Lei que está em votação no Senado. a Fisoterapeuta Fabiula Fabbris Meotti, especialista em acupuntura, garante que há muitas rixas entre acupunturistas e médicos. “Eles querem que as aplicações sejam feitas só por profissionais formados em medicina. Existem diversas resoluções dentro da fisioterapia que nos dão o direito de fazermos esse tratamento”, comenta Fabiula. Além disso, a fisioterapeuta salienta que com a mudança eles perderão autonomia, pois toda e qualquer atividade terapêutica deverá ser prescrita pelo profissional da medicina. “Hoje ainda tenho independência, na faculdade aprendi a ler um raio X, então faço uma avaliação do paciente e posso tratá-lo. Mas caso essa lei inicie eu só poderei atuar depois que um médico permitir”, comenta.
Para o odontólogo Ricardo Hoffmeister, a possível mudança não entrará em vigor. “Os enfermeiros não conseguirão trabalhar, isso é um fato. Os farmacêuticos já não aplicam mais injeções nas drogarias. E na minha área, que atinge principalmente cabeça e pescoço, a lei está querendo limitar a algumas atividades. Além do que há um conflito entre a medicina e a odontologia. É uma questão sensível de ser tratada, mas que eu ainda não consigo saber se estou à favor ou contra, preciso ler mais e me inteirar mais do assunto, além de ouvir ambas as partes, para conseguir chegar a uma conclusão”, observa Hoffmeister.
Já a biomédica, Raquel Sandrin Weber, garante que na área da saúde a maioria dos profissionais estão preocupados com a Proposta de Lei da Senadora Lúcia Vânia. “A nossa classe, e também os outros profissionais que podem ser afetados pela possível modificação, estão debatendo sobre o assunto e todos com quem converso, sem exceção, questionam a dificuldade da demanda. Como ficará caso isso vire lei? Terá profissional suficiente pra suprir as exigências?”, questiona Raquel.
Leia mais na edição impressa do Jornal Semanário deste sábado, 30 de julho de 2016.