Presidente da Cooperativa Vinícola Garibaldi aborda sua gestão, o mercado vitivinícola, avanços no setor, premiações e realiza um balanço de 2022 e as projeções para o próximo ano
Natural do interior de Garibaldi, da localidade de São José Real, Oscar Ló sempre ajudou na propriedade de sua família. Aos 12 anos saiu de casa e foi estudar no Seminário, em Farroupilha. No âmbito educacional, Ló é formado em Direito e Economia, e possui MBA em Gestão de Cooperativas. Sua trajetória profissional iniciou como office boy. Depois, na Cooperativa Vinícola Garibaldi, onde atua há mais de 30 anos, trabalhou na área financeira e no relacionamento com os associados. Em 2000, assumiu a presidência da cooperativa, cargo que ocupa até os dias atuais. Casado com Rosane Danieli Ló, é pai de Greice, de 13 anos.
Cooperativa
Estou como presidente da Cooperativa Vinícola Garibaldi há 22 anos. Nesse período tivemos muitas transformações e mudanças. No passado, a Cooperativa era muito focada em produtos a granel e de menor valor agregado, especialmente vinho de mesa. Uma das primeiras mudanças que estabelecemos foi a de agregar mais valor ao nosso produto. No primeiro momento, começamos a trabalhar com suco de uva, utilizando parte da matéria-prima que era destinada para vinho, que era comercializada a granel. Depois, seguimos com um projeto bastante audacioso com relação a espumantes, em 2005. De lá para cá, só temos crescido e investindo principalmente na ampliação da capacidade de elaboração. Também estamos com um trabalho muito forte junto ao associado para reconversão de vinhedos de uvas brancas para espumante. Antes, o associado tinha praticamente todas as uvas destinadas para vinho de mesa e suco de uva.
Avanços
Um dos principais avanços que a Cooperativa Vinícola Garibaldi teve na sua história recente foram os movimentos em busca de governança e profissionalização, deixando para trás um passado de dificuldades financeiras muito grandes. Houve todo um trabalho de reestruturação e de resgate da credibilidade voltado ao associado. Havia muita desconfiança com relação ao setor vitivinícola, de modo geral, e um descontentamento dos agricultores, principalmente os jovens, que que não tinham mais interesse em continuar nas atividades do pai. Era normal um filho de um associado com 18 anos sair da casa e trabalhar de empregado em uma empresa da cidade em vez de optar por ficar na propriedade. Um dos grandes méritos e ganhos que tivemos foi o de resgatar a alegria, o orgulho de ser agricultor. Prova disso é que estamos com cerca de 450 famílias associadas de 18 municípios aqui da região.
Hoje, a gente fala com orgulho que temos um grupo muito grande de filhos de associados que estavam trabalhando na cidade e voltaram a trabalhar com os pais e estão muito contentes, com remuneração justa e qualidade de vida muito boa. Todo o trabalho que a Cooperativa desenvolveu nesses anos, de aumento de produção, agregação de valor no seu produto, fez com que o associado também tivesse uma remuneração melhor por conta da sua matéria-prima, estimulando a sucessão rural. Muito se fala sobre isso, mas se o jovem não sente o ganho financeiro, não tem atrativo para ficar na atividade. Então temos que criar as condições para que ele permaneça no campo.
Produtos e mercado
No começo éramos muito focados em produtos de entrada, vinho de mesa, filtrado doce e muita venda a granel. Gradualmente, iniciamos um trabalho de lançamento de novos produtos, principalmente com espumantes. Para citar um exemplo, a sete anos atrás, o espumante representava 13% do nosso faturamento, e nesse ano, em 2022, deverá passar de 50%. Hoje, ele já é o carro chefe. Esse trabalho no conceito da imagem da marca do espumante da Cooperativa Vinícola Garibaldi se consolidou de uma forma que ano após ano vem trazendo resultados crescentes. Claro que não podemos ser reconhecidos por um produto único, e o nosso associado produz diversos tipos de variedades de uva. Continuamos trabalhando com os vinhos de mesa, com o suco de uva, que ainda tem uma participação muito grande do nosso negócio. E estamos investindo e lançando todos anos novos produtos no segmento dos espumantes, bem como na questão dos vinhos finos, principalmente.
Premiações
O reconhecimento expresso pelas premiações conquistadas por nossos rótulos é muito importante porque consolida nosso planejamento focado na elaboração e produção de espumantes de qualidade, bem como o trabalho que a gente fez com o associado de reconversão de vinhedos e classificação das uvas, da remuneração pela qualidade. O reconhecimento do mercado consolida tudo isso. Ficamos felizes em receber essas premiações, mas consideramos um desafio para continuar crescendo e evoluindo, porque cada vez mais o consumidor quer novidades e produtos diferenciados. Nunca podemos abrir mão da qualidade. Por mais que dentro da vinícola tenhamos equipamento e tecnologia, falamos para o nosso associado que 70 ou 80% da qualidade depende da uva. Se tivermos uma uva de boa qualidade, certamente vamos continuar crescendo e cada vez mais podendo remunerar melhor o nosso associado.
Produtos
O atual portfólio da Cooperativa Vinícola Garibaldi tem, atualmente, mais de 80 itens, compondo grande variedade de linhas e perfis de produto para atender diferentes públicos e segmentos. Ao longo dos últimos anos, houve um consistente movimento para trabalhar os produtos de melhor valor agregado, hoje expressos nas categorias super premium, que é a linha Acordes, e premium, com destaques como a linha VG, com espumantes e vinho. Essa proposta de entregar produtos de maior valor agregado segue também na linha Garibaldi, com rótulos nacional e internacionalmente reconhecidos pela qualidade. Desenvolvemos, ainda, produtos especiais comemorativos, como o vinho e o espumante elaborados para celebrar os 90 anos da marca (em 2021). O mix segue com outras linhas de produtos, para atender todos os públicos, paladares e poderes aquisitivos.
Mercado
Com relação ao mercado de vinho, precisamos separar em antes e depois da pandemia, que realmente trouxe uma experiência diferente para o setor. Antes tínhamos um mercado estabilizado, com crescimento, embora pequeno, todo ano. A pandemia fez com que esse mercado dobrasse de um ano para o outro e criou uma euforia muito grande no setor. Mas esse crescimento não se manteve. Realmente foi uma bolha nesse período, e agora o consumo voltou a estabilizar. O que tivemos de ganho, se é que com a pandemia podemos dizer que tivemos algum ganho, foi de que estabilizou em um consumo superior ao de 2019, antes da covid-19. No pós-pandemia houve uma perda desse volume, mas não aos patamares antigos, ou seja, o consumo que se estabilizou e ficou acima do anterior. Muitas pessoas que não tinham o hábito de consumir vinho acabaram, nesse período, experimentando e apreciando. Muitos consumidores de vinho importado provaram o vinho nacional e acabaram gostando. Isso é um grande legado que ficou. O consumo nosso per capita ainda é muito baixo e sabemos que temos espaço para crescer bastante. Além do vinho, temos a questão que o consumidor brasileiro realmente adotou o espumante brasileiro como sendo um produto seu e é preferência do consumo. Assim, se olharmos há dez anos atrás, evoluímos bastante. Se visualizarmos os próximos dez anos, sabemos que temos muito a fazer ainda.
Vitivinicultura nacional
Acredito que tem um potencial muito grande. Hoje temos projetos vinícolas e vitícolas em vários estados do Brasil e isso faz com que cada vez mais a gente tenha cultura, o hábito, a gente fale do produto e, consequentemente aumente o consumo. Se olharmos nossos países vizinhos, tanto Argentina, Uruguai ou Chile, o consumo per capita é muito superior ao nosso. Claro que temos algumas características diferenciadas, é um país mais quente, mais tropical, mas e por que não se pode tomar espumante em um ambiente mais quente? Então, sou uma pessoa por natureza muito otimista e acredito que crescemos bastante nos últimos tempos, mas temos espaço para avançar. E hoje o setor não explora muito, porque temos um mercado interno muito forte, mas temos um grande potencial também para trabalhar a exportação. E isso a gente só está engatinhando ainda. Pensando em futuro, acho que deve estar na visão de todas as vinícolas um planejamento para também trabalhar essa questão.
Enoturismo
A região tem um potencial fantástico para trabalhar em turismo. Quem viaja e conhece outras regiões vinícolas de outros países percebe que o enoturismo é muito forte, ele tem um grande apelo. E isso está se consolidando aqui na nossa região. Levou um tempo para criação dessa imagem, mas todo o trabalho que o setor fez nos últimos anos está sendo coroado agora. A gente percebe cada vez mais apelo, as agências de turismo focando em trazer público para nossa região. As vinícolas estão investindo muito em receptivos enoturísticos, principalmente para poder atender bem aos visitantes. A Cooperativa fez um investimento grande na requalificação do Complexo Enoturístico para poder ampliar o atendimento ao turista e dar condições melhores ao nosso visitante, que vem para a região em busca de experiências diferentes, então cabe a nós, do setor, surpreendê-los. Há outros projetos fantásticos na região. A rede hoteleira está crescendo bastante, temos uma estrutura muito boa para receber bem esse público. Existe todo um outro segmento atrelado ao do setor vitivinícola que também tem espaço para crescer.
Fenachamp
A Fenachamp é um apelo diferente, pois procuramos fazer uma festa alusiva ao espumante brasileiro. Ela teve sua primeira edição em 1981 e segue viva até hoje. Acho que o objetivo principal dela é comemorar o produto ícone do nosso setor vitivinícola. A gente fala dos vinhos e do suco, mas sem dúvida, na minha visão, o produto emblemático do nosso setor no Brasil, e principalmente na nossa região, é o espumante. E a Fenachamp vem a coroar todo esse trabalho do setor. Temos a participação de todas as vinícolas, as principais elaboradoras de espumante, do turista e do visitante. As pessoas vêm a para festa sabendo que vão encontrar um produto de qualidade. O objetivo desse tipo de evento, que também acontece em outros municípios, é para consolidarmos cada vez mais o conceito e a imagem do produto, associado ao bem-estar e a qualidade de vida, e sabendo que a base de tudo isso é um grande número de pequenos produtores que dependem desse segmento.
Garibaldi
Particularmente, olho para Garibaldi com um pouco de saudosismo, porque ainda somos uma cidade pequena, temos essa característica de andar na rua, pelo nosso centro histórico, que é fantástico, e conhecer as pessoas. Torcemos para que a gente nunca perca isso. Por outro lado, temos cada vez mais forte o apelo do turismo, com vários novos empreendimentos voltados tanto ao ramo da gastronomia, como a hotelaria, vinícolas com projetos novos. Sabemos que isso vai crescer bastante. Acho que Garibaldi conseguirá associar o crescimento econômico e a tecnologia e, ao mesmo tempo, mantendo as características de uma cidade pequena, aconchegante.
Serra Gaúcha
Quando a gente olha a região, as dificuldades que nossos antepassados passaram, em um local montanhoso, de difícil acesso, sem dúvida eles foram os desbravadores. Talvez por esse fator é que uma das principais queixas do empresariado, hoje, é com relação a infraestrutura, principalmente a logística, rodovias e transporte. Isso é o diferencial para ser competitivo, pois os principais mercados consumidores não estão próximos. Então, temos um custo logístico grande por conta disso. E o que precisamos é ter a infraestrutura mínima para poder diluir parte desse custo que estamos tendo hoje.
Pedágios
Tenho uma posição bem clara com relação aos pedágios: o mundo todo paga pedágio hoje, o que podemos discutir é o valor. Infraestrutura, boas rodovias, com segurança, transporte seguro, isso tem um custo. Então não sou contra os pedágios, pelo contrário, acho que são necessários, desde que seja dentro de um valor aceitável, que acabe não inviabilizando a economia da região. Infelizmente é um mal necessário. Você circula na rodovia, principalmente na nossa região montanhosa, no inverno, frio, chuvoso com rodovias esburacadas, quanto você não gasta a mais de combustível, de manutenção, de troca de pneu e oficina? Quanto pedágio você não paga com esses valores? Prefiro pagar pedágio e ter segurança, uma rodovia em condições para trafegar.
Setor vinícola está unido?
Acredito que sim. O setor vinícola amadureceu muito nos últimos anos. O que era um negócio de ocasião, há muito tempo atrás, com pequenas empresas e negócios familiares, passou por uma grande profissionalização, tanto é que já temos história. Nesse processo, muitas vinícolas e produtores ficaram pelo caminho. As vinícolas e as cooperativas que se profissionalizaram, se modernizaram com gestão e governança, estão firmes, fortes e crescendo. Outras, que não tiveram essa visão estratégica, hoje não existem mais. Como em todo setor ou segmento, temos que ser cada vez mais profissionais.
Situação política e econômica
Esperamos que política e governo interfiram o mínimo possível na questão econômica. Precisamos de um governo focado em questões essenciais básicas, que a sociedade necessita, e de uma economia com liberdade para poder trabalhar e continuar crescendo. Independentemente de governo, é isso que a gente espera. Claro que cada um tem suas preferências políticas partidárias, mas nesse momento precisamos nos envolver em políticas públicas, sociais e econômicas. Esperamos que o governo tenha muito controle e firmeza no que o país precisa. Há muito tempo falamos que somos o país do futuro, mas parece que esse futuro nunca chega. Precisamos de alguns alinhamentos, mas é fato que o Brasil tem condições fantásticas de crescer e ser uma potência mundial, que é o que já devia ser.
Balanço e projeções
O ano de 2022 foi um ano desafiador, tivemos altos e baixos. Tivemos um primeiro semestre muito positivo. Por questões econômicas, políticas, inflação e perda do poder aquisitivo, tivemos um período do ano que tivemos mais dificuldades, mas o que podemos dizer é que está se finalizando de forma bastante positiva. Estamos agora encerrando as nossas atividades, a previsão é de terminarmos o ano com crescimento comparado a 2021. Então, isso é sinal que estamos conseguindo crescer e esperamos que a gente continue avançando. O nosso setor, esse ano, teve falta de alguns insumos, principalmente a questão de vidros, mas a nossa impressão é que está começando a normalizar um pouco o fornecimento. Então, se em 2023 não tivermos falta de insumos e uma economia um pouco mais estável do país, certamente vamos ter também um ano promissor.
Fotos: Augusto Tomasi – Foto em destaque: Dandy Marchetti