Casarão foi o segundo prédio de alvenaria erguido na cidade e já sediou a prefeitura, um hospital e diversos outros espaços
Na manhã de terça-feira, 15 de novembro, havia uma equipe contratada para derrubar a Casa Dal Bó, prédio histórico construído em 1895, no município de Garibaldi. Com isso, um grupo de moradores se mobilizou em frente ao imóvel para se manifestar contra a tentativa do apagamento de um pedaço da história da cidade. Às 13h, cerca de cinco horas após os trabalhadores retirarem as aberturas da residência e outras partes internas, a Justiça mandou suspender a demolição.
Nos tapumes que cercavam o prédio, havia um alvará de licença para a derrubada. Em nota postada por volta das 11h de terça-feira, o prefeito de Garibaldi, Sérgio Chesini, disse que o fato de o pedido de alvará ter passado pelas instâncias técnicas da prefeitura, não impede que a decisão seja revista. “A nossa equipe teve uma interpretação do processo judicial. Mas, com diálogo e bom senso, podemos revisá-la e chegar a uma outra solução. Temos um compromisso com o nosso patrimônio histórico, com a cultura de Garibaldi e, acima de tudo, com o que é justo, legal e transparente, sempre voltado para o bem comum”, anunciou.
Em reunião realizada na quarta-feira, 16, a prefeitura do município definiu que irá designar uma equipe isenta para realizar um novo laudo técnico referente à situação da Casa Dal Bó. Também suspendeu o alvará de demolição da construção. “Com transparência, estamos construindo a melhor solução para Garibaldi”, revelou Chesini.
O caso
Uma decisão judicial feita após laudo pericial, apontou a necessidade da demolição da casa por conta de danos estruturais, causados por obras executadas pela antiga gestão municipal. Em novembro de 2004, ocorreram os primeiros danos, após detonação de rochas realizada pela prefeitura em frente ao prédio histórico. Em 2013, serviços na rua Júlio de Castilhos agravaram a estrutura da edificação.
A partir desses prejuízos, a prefeitura teve que pagar R$2,8 milhões por danos morais, materiais e uma multa. Os valores foram quitados em agosto de 2021 pela gestão atual, assumindo a determinação judicial herdada pelas administrações anteriores.
A história da Casa Dal Bó
A edificação de estilo colonial construída em 1895 pelas mãos da próspera família Paganelli, que além de ter aberto o primeiro curtume da cidade, possuíam o maior atacado da região. Depois, a casa foi comprada por Miguel Nejar, de origem síria, que ali mantinha um armazém.
Quatro anos depois da construção, em 1899, cinco Irmãs francesas da congregação de São José de Chambéry chegaram à cidade, transformando o local em sua primeira moradia oficial no município. Ali também foi desenvolvido um trabalho na educação com a instituição da 1ª Escola do Município e onde as freiras começaram a lecionar. Através da obra caritativa das Irmãs de São José, ali se estabeleceu uma farmácia e o próprio hospital, conhecido na época como “Casa de Saúde”.
É considerada uma das casas de maior importância histórica de Garibaldi sendo que, até poucos anos atrás, eram visíveis as marcas, em suas paredes, de balas originárias dos confrontos da revolução de 1923. Os disparos foram feitos pelos Ximangos, conta o proprietário da residência na época e prefeito de 1935 a 1949, Vicente Dal Bó, que era Maragato. O local também abrigou a prefeitura, delegacia e cadeia, até 1939.
Foi, também, abrigo para o advogado Mincarone, que vinha sofrendo perseguição política por ser Maragato, ideia contraria aos Borgistas (de Borges de Medeiros), oferecendo resistência a movimentação de integrantes oposicionistas e refúgio para muitos correligionários que chegavam em Garibaldi a procura de apoio.
Atualmente, o prédio era habitado pelos herdeiros e, no térreo, funcionava um comércio da família.
Manifestação comunitária
Na manhã de terça-feira, 15 de novembro, um grupo de moradores se mobilizou em frente à Casa Dal Bó e ergueu papéis com frases em prol à preservação do prédio histórico. A arquiteta e urbanista especialista em Restauração e Reabilitação do Patrimônio Histórico Edificado, Patrícia Pasini, esteve presente no ato, juntamente com Natali Lazzari, Lucas Guarnieri e outros munícipes. “É uma casa de extrema importância para nossa cidade, nossa causa é voltada para a conservação dessa edificação que, visivelmente, tem condições de ser restaurada”, afirma.
Para Patrícia, é necessário entender que preservar a história é um dever de todos. “Estas edificações não devem ser mutiladas em obras de reformas. Os proprietários das mesmas possuem o dever de tutela. Elas representam muito para toda uma população e acabam sendo propriedade intelectual e cultural de toda uma região”, valoriza.
De acordo com a arquiteta, deveria ser feito uma vistoria na residência, para analisar se existe a necessidade de algum escoramento para que ela não caia. “Não entramos na casa, portanto não tenho conhecimento do que foi feito durante a prévia destruição de terça-feira. Nossa luta neste momento é para que, cessada as obras de demolição, a promotoria solicite um laudo técnico, indicado por algum órgão idóneo e isento das partes, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Um arquiteto com comprovada experiência na área de patrimônio e um engenheiro civil que atestem as condições da estrutura”, explica.
Diante disso, seriam feitas algumas etapas, como obras emergenciais de escoramento, processo e restauro. Após o prédio estar seguro, Patrícia conta que seria interessante a abertura de um museu, espaço de cultura ou local que a comunidade possa aproveitar. “Essa discussão é totalmente aberta para abordar com a família proprietária da casa ou no caso de ficar para o poder público. São inúmeras as possibilidades, pode até continuar sendo residência, como várias outras construções antigas na região”, menciona. A arquiteta destaca que o imóvel não pode ficar parado. “Ao ficar abandono, se deteriora em uma rapidez gigante e é muito prejudicial. É essencial o restauro e a utilização”, completa.
De acordo com o pesquisador e estudante de Engenharia Civil, Lucas Guarnieri, que também esteve em frente à edificação no ato de protesto, a situação da casa chegou nesse nível extremo devido à má condução de todo o processo no decorrer dos anos, e isso vitimou muitas pessoas, principalmente os proprietários. “A Casa Dal Bó tem uma importância insubstituível para a cidade. É muito importante que seja preservada como forma de honrar a família, seus antepassados e os cidadãos garibaldenses”, destaca.
Segundo o pesquisador, Garibaldi é um município que tem por diferencial a conservação de seu patrimônio histórico e deve honrar esse aspecto. “Ontem mesmo, ocorreu a festa ‘Garibaldi Vintage’, que recebeu milhares de turistas, celebando a história e a cultura. A cidade só pode ser verdadeiramente vintage se continuar preservando seus prédios históricos.
Muitas das importantes casas centenárias já foram salvas, mas muitas foram perdidas, principalmente na última década”, encerra.
Fotos: Arquivo Pessoal