A ASBG atende surdos, suas famílias e cuidadores, a fim de apoiar e promover seus direitos na sociedade
Dia 26 de setembro é muito mais do que o Dia Nacional do Surdo, é a data de fundação da primeira escola de surdos no Brasil em 1957, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Foi quando iniciou a cultura e comunidade surdas, as línguas gestuais começaram a ser melhor estudadas e com isso, as lutas pelos direitos dos surdos foram cada vez mais sendo compartilhadas.
O Setembro Azul é divulgado neste período, e nele destacam-se histórias de lutas por uma sociedade mais justa e inclusiva, além de celebrar os direitos conquistados pela comunidade surda. “A cor possui um significado que, para muitos, pode ser triste, mas também pode ser encarada como um símbolo de orgulho e resistência da Comunidade Surda. A simbologia vem da Segunda Guerra Mundial quando, durante a tentativa dos nazistas de livrar o mundo daqueles considerados ‘inferiores’, todas as pessoas com deficiência eram identificadas por uma faixa azul no braço – o que incluía a população surda”, explica a presidente da Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), Daniela Flamia.
A presidente ressalta que os intérpretes de Libras têm um papel fundamental na promoção da inclusão e do acesso à informação de milhões de pessoas surdas. “A principal atribuição é garantir a intermediação comunitária entre os usuários da Língua Brasileira de Sinais, por meio da interpretação da língua oral-auditiva para a visuoespacial, e vice-versa”, salienta.
Durante a pandemia de coronavírus, a crise na indústria cultural fez os artistas se abrirem para um novo mercado, as lives. Mas não são só os cantores famosos que fizeram sucesso com os shows on-line, intérpretes se destacaram durante as apresentações, embalados pelos mais diversos ritmos ao traduzirem as canções para a comunidade surda. Daniela valoriza o resultado do trabalho desses profissionais. “Após isso, o êxito dos tradutores-intérpretes de Libras (TILS) foi tamanho que, em meio a performance de ídolos nacionais como Marília Mendonça, Gustavo Lima e Bell Marques, eles dominaram a lista de assuntos mais comentados das redes sociais”, informa.
Segundo Daniela, o intérprete pode atuar em diferentes contextos e ambientes, como escolas, universidades, repartições públicas, órgãos administrativos, congressos, empresas privadas, seminários e programas de televisão. “Dessa forma, é possível proporcionar uma comunicação mais inclusiva e garantir a integração da comunidade surda na sociedade”, fala.
A presidente informa que, quem tem problemas auditivos, apresenta algumas dificuldades para realizar atividades rotineiras. Portanto, com o objetivo de melhorar a situação, foram definidos alguns projetos de lei e decretos que garantem os direitos dos surdos em diversos aspectos, como a prioridade de atendimento, acesso à informação, direito à escola bilíngue, à educação, ao trabalho e à saúde, além da obrigatoriedade do Teste da Orelhinha. “Como a surdez é uma deficiência que não deixa qualquer tipo de marca física nos bebês, o exame de Emissões Otoacústicas Evocadas consta como um dos procedimentos obrigatórios do SUS desde 2010 e é totalmente gratuito. O exame é simples e pode ser feito até mesmo com o bebê dormindo. Um fone é colocado no ouvido para que emissões otoacústicas possam ser medidas”, menciona.
A associação
Foto: Cláudia Debona
Fundada em 20 de outubro de 2006, a Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), surgiu da batalha de uma mãe pelo cumprimento dos direitos constitucionais da pessoa surda, melhores condições de ensino, atendimento especializado e integração com a sociedade.
O objetivo da associação, que é assistencial e sem fins lucrativos, é atender a população de surdos, suas famílias e cuidadores, a fim de apoiar e promover seu acesso aos direitos que garantem a inclusão da pessoa com deficiência auditiva na sociedade. Para isso, a disseminação da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como ferramenta principal de instrução e desenvolvimento é fundamental, uma vez que a facilita a comunicação e traz autonomia ao indivíduo. “Visa conscientizar que pessoas surdas e deficientes auditivas fazem parte da sociedade, sem distinção, com direitos garantidos e preservados, e que, assim sendo, também podem conquistar sua independência, trabalhar, estudar, fazer uma graduação e se relacionar normalmente com a comunidade”, diz a presidente.
A ASBG dá aulas de Libras nas quartas-feiras, das 19h às 21h, em sua sede, localizada na rua General Vitorino, nº 173, bairro São Francisco. Segundo Daniela, aprender a língua de sinais é evoluir pessoal e profissionalmente, além de incluir e fazer com que a sociedade seja mais receptiva e dê acesso e oportunidades aos surdos. “Hoje, aprender Libras é fundamental para o desenvolvimento nos aspectos social e emocional, não apenas do deficiente auditivo, mas também de todos que fazem parte do seu convívio”, ressalta.
Além disso, os surdos que participam dos projetos desenvolvidos pela associação, compreendem sua identidade e a importância de estarem inseridos na comunidade surda. “Os atendimentos que eles e suas famílias têm aqui de forma individual ou em grupo, possui uma melhora na qualidade de vida e na sua autonomia. Atualmente, auxiliamos 12 crianças e aproximadamente 50 adultos que participam do futebol, jantares e eventos de nossa entidade”, conta.
Apelo por melhorias
A estudante de Pedagogia Larissa Silveira, é voluntária na ASBG, onde dá aula de Libras para as crianças e ajuda na coordenação. Ela conta que ela e outras pessoas da comunidade surda têm várias barreiras no dia-a-dia. “Quando estamos doentes e precisamos ir ao hospital, não tem como se comunicar com o médico, enfermeiros, precisamos de intérprete de libras e não tem. Assim como em farmácias, na polícia, em eventos, entre outras situações”, aponta. Além disso, ela destaca que teve pouca evolução nas causas para os surdos em Bento Gonçalves. “Ainda falta muito para nós termos acessibilidade”, completa
Para ela, a comunicação por Libras é muito importante em sua vida, pois foi sua primeira língua. “Como os ouvintes têm o português, para me emocionar e me comunicar, as pessoas precisam falar em sinais comigo. E é óbvio que eles precisam saber a linguagem, vou citar um exemplo: se eu me acidentar, me machucar, como um ouvinte vai me ajudar? Como vai me explicar, no caso de eu não poder me mexer, porque posso ter uma lesão de coluna ou algo assim? É um direito nosso de ter acessibilidade, mas infelizmente isso ainda não acontece na prática”, lamenta.
O apoio primordial
Grasiela Alves da Rosa descobriu a condição do filho, Wendel Junior da Rosa de Carvalho, por acaso e antes mesmo do menino fazer o Teste de Orelhinha. “Nos mudamos e, ao ajeitar as coisas no lugar, deixei a gaveta dos talheres cair no chão. Meu filho estava dormindo junto com a irmã gêmea. Ela chorou muito, mas ele não teve nenhuma reação. Achei estranho, quando ele acordou comecei a chamá-lo junto com outras pessoas, mas não tivemos respostas. Até tampa de panela bati ao lado dele. Uma semana depois, fiz o teste e tivemos a confirmação da minha suspeita”, recorda.
Wendel tem perda total nos dois ouvidos, a mãe conta que foram feitos diversos exames, consultas e teste de DNA, com isso, informaram à família que aconteceu uma má formação durante a gestação. “Durante dois longos anos, fomos muitas vezes a Porto Alegre, várias audiometrias e consultas com fonoaudiólogas. Foi feito todo o possível para ter 100% de certeza que não teria nada que pudéssemos fazer pra reverter o caso”, afirma.
De acordo com Grasiela, a maior dificuldade dele é o aprendizado escolar e a comunicação com outras crianças. “Após o diagnóstico, fomos orientados a agir com ele normalmente, levando-o ao colégio. Dos seis meses até a primeira série ele frequentou o ensino tradicional, tentei por diversas vezes uma monitora escolar para ele, mas nunca tive sucesso. A escola alegava que, apesar da surdez, ele sempre se virou muito bem”, relata.
O menino está aprendendo Libras, o que é essencial para auxiliar nas preocupações da mãe em relação à comunicação e ao aprendizado. “É importante, pois está estudando na escola Caminhos do Aprender há um ano e meio, além de frequentar a Associação dos Surdos desde os dois anos. Na escola anterior não tinha nenhuma estrutura, havia uma única educadora que sabia a língua de sinais e que ajudou muito o Wendel, mas ela não era professora fixa dele”, enfatiza.
Para ela, a ASBG foi e é seu porto seguro, portanto, agradece aos profissionais que compõem a instituição. “Se não fossem todos os seus integrantes, sinceramente, não sei se hoje teria estrutura psicológica para ver a deficiência do meu filho da maneira que vejo hoje, pois no início foi muito difícil para me adaptar. Mas foi graças a Daniela Flamia, todas as mães que frequentam a Associação e alunos, que hoje tenho a certeza que meu filho pode, deve e terá uma vida normal”, declara.
Em janeiro de 2022, Grasiela descobriu que a filha Helidy também tem perda auditiva. “Ela foi perdendo aos poucos e agora só escuta com o ouvido esquerdo. Hoje frequenta a Associação e aprende Libras junto ao irmão, sou duplamente bem atendida por lá. A ABSG, com certeza, faz toda a diferença em nossas vidas”, conclui.
Fotos: Arquivo Pessoal