Seja a perda de um ente querido, divórcio dos pais, mudanças de escola ou cidade, tudo toma grandes proporções na infância, pois os pequenos ainda não sabem lidar com os sentimentos. Especialistas destacam que a dor é inevitável, mas que as emoções não podem ser reprimidas
O luto é um processo natural, que acontece após uma perda de grandes proporções na vida de um ser humano. Normalmente relacionado à morte de alguém próximo, é considerado uma fase difícil da vida. As dificuldades são ainda maiores para as crianças, que não são maduras emocionalmente para lidar com um turbilhão de sentimentos.
Segundo a psicóloga especialista em luto, Franciele Sassi, diante da perda de alguém importante, as crianças manifestam reações de luto, assim como os adultos fazem. “Contudo, em razão de estarem em desenvolvimento de recursos internos de enfrentamento de adversidades, ou seja, estarem aprendendo sobre como tolerar frustrações e manejar com situações difíceis, é natural que expressem o luto pela via do comportamento”, explica.
Conforme Franciele, é possível que as crianças não falem sobre sua dor e tristeza, principalmente quando não há autorização dos responsáveis para sua expressão, porque eles mesmos evitam demonstrar. Em alguns momentos, os pequenos também sentem que precisam cuidar dos adultos, e por isso bloqueiam seus sentimentos. “No comportamento, é possível que as crianças se mostrem mais apáticas, isoladas, voltem a ter alguns comportamentos que estariam superados em momentos anteriores, ou então fiquem mais agressivas, revoltadas, distraídas e apresentem dificuldades escolares”, exemplifica.
Para a psicóloga, é importante que a família converse sobre perdas e explique sobre mudanças. “Demonstrando sentimentos de forma verdadeira e sem esconder que também sentem, pois na tentativa de protegê-las do sofrimento, como muito se faz, as crianças são invalidadas dos seus sentimentos, como se fossem incapazes de dar conta dos eventos da vida”, enfatiza.
A profissional destaca que, diante de perdas e mudanças, a dor é inevitável. “Mas entender que ela pode ser suportada em conjunto, com as pessoas de referência, sentindo e permitindo que as tristezas, raivas ou mesmo dúvidas sejam trazidas em forma de palavras, além de ser organizado emocionalmente, torna a todos mais fortalecidos para enfrentar os momentos difíceis”, esclarece.
De acordo com Franciele, quando se trata de luto, é preciso ter em mente que não há uma receita sobre como fazer tudo de forma correta. Ela realça que é essencial sentir e falar sobre essas experiências que marcam intensamente a vida. “Independentemente da idade, as crianças sentem que algo na dinâmica familiar mudou, por mais que possam não entender exatamente o que é a morte ou então uma mudança importante. Então não adianta fingir viver como se nada tivesse acontecido. É preciso conversar sobre o que aconteceu de forma clara, objetiva, sem eufemismos que possam causar confusão”, aconselha.
Por fim, a psicóloga recomenda que cada família utilize suas crenças e valores para dar voz às crianças e também a si mesmos nesse processo. “Desde que os sentimentos não sejam reprimidos, pois geram complicadores futuros no desenvolvimento da criança como, por exemplo, medo, sintomas depressivos, dificuldade de estabelecer relacionamentos interpessoais, etc. Que a morte seja explicada como irreversível, mas que as memórias e boas lembranças permanecem para sempre, pois a experiência do amor vai além do tempo e espaço”, assegura.
Como as crianças lidam com a morte?
A mestre em literatura e pesquisadora-especialista em luto, do tema de morte e pós-morte analisa que o tema não deve ser um tabu. “Que conversemos em volta de uma mesa com as crianças, sobre finitude, o ciclo da vida e da natureza, e a respeito da importância de levar uma vida significativa, em todos os sentidos”, sugere.
Luciana frisa que a morte provoca temor, angústia, curiosidade, mas ainda é um assunto que costuma ser evitado na sociedade. “As crianças, em geral, são afastadas dessa realidade pela ideia de que assim estão protegidas ou porque ainda não têm cognição e idade suficiente para lidar com tal assunto. Os adultos projetam grande parte de suas incapacidades e temores nelas, deixando-as desprotegidas no enfrentamento das perdas e lutos”, aponta.
Ela reitera que é possível abordar o tema, conversar, esclarecer e cuidar, respeitando a idade, capacidade de compreensão, adequando a linguagem e buscando uma comunicação clara, afetuosa e honesta. “Embora os adultos achem o assunto muito difícil para conversar abertamente, isso frequentemente não acontece no mundo infantil. As crianças tendem a receber bem a oportunidade de dialogar abertamente sobre o tema, são curiosas, espontâneas e questionadoras. A morte está presente no cotidiano delas, nas histórias contadas, imaginadas, brincadas e vividas, nos desenhos, filmes, videogames, contos, livros, fotografias, situações de mortes e perdas, visitas a cemitérios, vivências de separações e despedidas”, exemplifica.
Para a especialista, quando os pequenos se deparam com a realidade, questionam e, muitas vezes, fazem uso de imaginação para obter uma resposta. “Por isso, esclarecer, de maneira franca, honesta e afetuosa, com base na linguagem adaptada, é um dever familiar, pois assim, diminuem-se fantasias infantis, impedindo que elas assumam uma atitude secreta e incorreta. Não se deve dar à criança explicações erradas e falsas, pois quando se mente, ela estrutura-se pela desconfiança e pelo medo”, argumenta.
Além disso, o uso de figuras de linguagem também não é o mais adequado. “Por exemplo, frases como: ‘vovô dormiu para sempre’, ‘sua cachorrinha virou uma estrelinha’, ‘papai do céu precisava dele lá em cima’. Nem sempre a criança entende uma metáfora, pois a compreensão racional só ocorre por meio do pensamento abstrato, necessitando de um desenvolvimento cognitivo. Quando isso não acontece, ela corre o risco de entender a situação ao pé da letra, podendo causar confusão, incompreensão, ansiedade e medo”, pondera Luciana.
Grandes complicações podem acontecer quando se utiliza metáforas para explicar a morte. “Um exemplo é quando a criança, ao ouvir que o avô dormiu para sempre, passar a ter medo dos pais dormirem, necessitando checar se estão vivos e ter receio em adormecer; ou então, após ouvirem que alguém virou estrelinha, ficarem com medo de entrar em aviões, ao entenderem que assim chegariam ao céu e poderiam se tornar estrelas também. Diante disso, é indicado tentar responder sobre a morte de forma mais objetiva e clara, usando conceitos concretos e expressões reais”, acrescenta.
No caso de ser da vontade da criança, a pesquisadora aconselha que ela participe de cerimônias, como velórios e enterros, pois isso pode auxiliar na construção do conceito de morte. “Os rituais, presentes em toda a história da humanidade, são poderosos atos simbólicos capazes de ofertar significado, ajudar na organização psíquica, concretizar a situação ao marcar no tempo e espaço a perda, além de ser um local onde o luto é autorizado, podendo ser expresso e acalentado”, expõe.
Outro fator importante é mostrar meios para que o vínculo amoroso com o falecido possa continuar. Conforme Luciana, para fazer isso de forma saudável, é possível reavivar memórias, por meio de fotos e objetos pessoais. “Nesse contexto, a criança pode querer desenhar, escrever sobre ou para o ente querido falecido, bem como, guardar objetos especiais e montar uma caixa das lembranças que represente um lugar seguro e de pertencimento dessa relação, honrando e dignificando a história com a pessoa”, sublinha.