Em Bento Gonçalves, de janeiro a julho, o produto com maior acréscimo foi o leite, com o percentual de 128,5%. Economista explica fatores internos e externos que influenciam no preço dos alimentos no Brasil
O aumento de preço na cesta básica, ao longo dos últimos anos, vem sendo sentido pelo consumidor brasileiro. Em Bento Gonçalves não é diferente, pois os valores nas prateleiras dos supermercados chegam a assustar.
O produto que, de longe, mais aumentou neste ano foi o leite. De acordo com pesquisa realizada pelo Procon-BG, em janeiro de 2022, o menor valor do litro era R$ 2,49. Em julho, o aumento foi de 128,5%, chegando ao preço mínimo de R$ 5,69 e máximo de R$ 7,99.
O economista e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Mosar Ness, explica que há fatores que influenciam nos preços dos alimentos no país, de ordem interna e externa. Visando a economia de dentro do Brasil, ele salienta que a maior parte dos itens são produtos agrícolas e o primeiro fator é o climático, como secas ou enchentes, que acabam impactando na oferta. “O segundo ponto é que você precisa manter uma certa política agrícola, um plano-safra bem definido, para os agricultores produzirem suas culturas com regularidade e que apostem no aumento da produtividade. Além disso, existe a sazonalidade dos bens, porque temos itens que são colhidos e ofertados em maior quantidade uma vez ao ano”, aponta.
Ele explica que o envio dos alimentos produzidos no Brasil para outros estados aumentou de preço. “Se você traz tomate de Goiás, aí tem o componente frete, com o valor dos combustíveis influenciando no preço final”, realça.
Ele também explica o porquê do aumento de 128,5% no valor do leite. “Tem a elevação do em função da entressafra e, também, por conta do custo do aumento da embalagem no mercado nacional. Todos esses fatores acabam causando essa situação de variabilidade no preço da cesta básica”, esclarece Ness.
Entre os fatores externos, o docente destaca o dólar. “Há pouco tivemos uma aceleração no câmbio e uma desvalorização forte do real. Isso fez com que tivéssemos um estímulo muito grande do mercado internacional sobre os nossos produtos, então o arroz teve uma variação extremamente elevada, as carnes bovinas, suínas e o próprio frango também sofreram com isso. Os grãos, como milho e trigo, que temos que importar, acabam tendo valor final impactado. É algo que acontece sazonalmente ou, de tempos em tempos, quando você tem o desequilíbrio”, expõe.
Qual a tendência para os próximos meses?
Conforme Ness, ainda existe espaço para uma aceleração nos preços de alguns itens que estão defasados. “O impacto pior que tivemos foi decorrente da guerra na Ucrânia junto ao fim da pandemia, foram eventos que desequilibraram muito o mercado produtor. As pessoas, no período de isolamento, passaram a consumir mais produtos in natura e, depois, com o final dela, voltaram a trabalhar, a fazer refeições fora de casa, então isso diminuiu um pouco a demanda, mas aumentou o consumo por parte dos restaurantes”, comenta.
O desequilíbrio causado pela guerra foi no preço do petróleo, o que influencia no custo da agricultura e do fornecimento de fertilizantes. “Isso pôs em cheque a nossa capacidade de manter a produção de forma estável. Esse impacto já está se diluindo, estamos indo para o sexto mês de guerra, pois o abalo maior é no começo, quando nem as pessoas e nem o mercado estão preparados”, acredita.
O economista diz que o Brasil está ampliando a sua área plantada, justamente para preencher a lacuna dos produtos da Ucrânia, que parou sua produção. “O país em guerra está vendendo seu estoque e, depois, vai parar totalmente. Já era para estarmos em tendência de queda no preço da cesta básica. A gente acreditava que esse efeito deveria se dissipar entre abril e março, mas ele persistiu”, acrescenta.
Ness evidencia que o declínio dos preços deve se intensificar a partir de outubro ou novembro. “Mesmo porque os trabalhadores não receberam aumentos reais de salário, então isso esgota a capacidade de consumo das pessoas. Vamos visualizar isso claramente a partir do ano que vem. Este ano, temos que apenas contingenciar e não deixar essa inflação ultrapassar para janeiro e fevereiro”, menciona.
Por que o preço da cesta básica varia nos municípios?
Segundo o professor, cada cidade tem o seu próprio padrão de consumo. A cesta básica da Serra Gaúcha, por exemplo, espelha o que as pessoas consomem nas proximidades. “Aqui na nossa região a gente tem a compra de capeletti, pão caseiro e salame. Até o popular cacetinho tem um peso muito maior na nossa alimentação, então, qualquer variação nesses itens acaba impactando na cesta básica”, exemplifica.
Ele destaca que no próprio Rio Grande do Sul há diferenciais de consumo de vários itens. “As regiões têm padrões diferentes e também apresentam distâncias distintas em relação à origem e produção, e isso vai impactar tanto na oferta, como no frete”, aponta.
O que deve acontecer para queda nos preços?
De acordo com o economista, primeiro é preciso ter estabilidade no cenário econômico. “Se não houver, precisamos saber que isso vai permanecer e temos que aumentar os níveis de produção para suprir tanto a demanda interna, quanto externa”, sustenta.
O professor da UCS também frisa que vai ser preciso ter uma estabilização em termos de renda dos trabalhadores. “Para que a cesta e os alimentos sejam consumidos, eles vão necessitar que novas safras sejam plantadas e colhidas. Esse aumento de oferta vai recuar o preço. Por exemplo, no forte da desvalorização, um pacote de arroz de 5kg chegou a custar R$ 40. Hoje se compra o mesmo por R$ 15. Houve uma variação de R$ 25 a menos, então a queda dos valores demanda essa estabilização na oferta”, garante.
Para Ness, também seria necessário que o país investisse principalmente nos grãos, além de aumentar a estocagem deste produto. “Os Estados Unidos têm cinco safras estocadas, ele sempre faz o descarte de uma e compra outra. O governo mantém estoques regulares, que são utilizados para estabilizar os preços no período de entressafra. É feita essa política agrícola que traz estabilização para os consumidores e também para os produtores”, descreve.
Em relação à produção de carne, leite e ovos, o economista assegura que depende de ter ração de boa qualidade e no momento do inverno poder suprir o rebanho com uma quantidade de alimento suficiente. “Para que você não tenha uma queda na produção leiteira tão intensa, além de manter regularidade na produção de ovos, de carnes de frango, suína e também bovina”, finaliza.