Projetos Bewine Resort e Gramado Park não foram aprovados pelo Conselho de Planejamento Distrital, devido aos seus impactos sociais
A construção de dois empreendimentos de grande porte no Vale dos Vinhedos tem gerado discussões em Bento Gonçalves nos últimos dias. Os projetos BeWine Resort e Gramado Park (liderado pelo Grupo Salton) não foram aprovados pelo Conselho de Planejamento Distrital em razão dos impactos sociais que as instalações provocariam no roteiro turístico.
Os projetos haviam sido aprovados pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), que apontou que ambos estão de acordo com o que determina o Plano Diretor. No caso do BeWine, a liberação ocorreu em novembro do ano passado, e o projeto foi lançado oficialmente em dezembro. Composto por dez representantes da sociedade, o conselho vetou o projeto por oito votos a dois em reunião realizada no dia 21 de março.
Devido a isso, a Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento e Bem-estar da Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves solicitou ao Ipurb os áudios, documentos, atas, lista de presença e fotos das últimas seis reuniões do Conselho Distrital, bem como convocou o presidente do conselho e subprefeito do Vale, Marciano Batistelo, para dar explicações na Casa Legislativa nesta terça-feira, 29 de março. Batistelo não compareceu à reunião e não respondeu os questionamentos sobre os motivos da rejeição à reportagem do Jornal Semanário.
Durante a sessão, o parlamentar, Anderson Zanella, presidente da comissão, leu as atas da reunião do conselho realizada no dia 21 deste mês. Ele sugeriu alguns motivos para que a comissão anule as decisões da reunião em questão. “Primeiro, pela não convocação ou pedido para que os empreendimentos fizessem o seu devido contraponto, conforme o que determina a constituição federal e segundo as atas 7 e 8 referidas pelos próprios conselheiros. Segundo, pelo vício de interesses dos participantes da reunião, que tem empreendimento do setor hoteleiro no Vale. Terceiro, pelo não cumprimento do regimento interno do conselho, que se torne sem efeito e que se volte a discussão com a devida e justa participação de todos dentro do processo e, em quarto, que o município suspenda o alvará de construção da Castelos Resort, de forma urgente, porque se estes empreendimentos que não foram aprovados não podem construir dentro do que rege o Plano Diretor pelo conselho distrital e os mesmos dizendo que foram ludibriados em reuniões anteriores que aprova o Castelo Resort, que o mesmo seja suspendido o alvará de construção imediatamente”, sugere. Ao final da sessão, o presidente colocou em votação “o conteúdo extraído das atas, os quatro itens, para que encaminhe ao Prefeito e ao Ministério Público para que sejam tomadas as devidas providências”.
Na reunião, os representantes do Gramado Park (liderado pelo Grupo Salton), puderam se manifestar. Em quase meia hora de apresentação, Fábio Bordin, representando o grupo, expôs os objetivos da construção. “Se a gente está pensando em investir e tem outros com o mesmo pensamento, vamos sentar e negociar juntos. Tem o Castelos, o Bewine, o Gramado, tem outros que gente sabe que tem projetos e ideias, então, vamos sentar com os empreendimentos existentes. É hora de todo mundo olhar pra frente. O que a gente espera e quer do Vale dos Vinhedos é que ele cresça com sustentabilidade, preservando as raízes. A gente não está fazendo tudo isso aqui pra estragar nada, pois se não fosse para preservar a localidade e usar isso de forma positiva, nós não precisávamos estar indo para aquele espaço”, salienta Bordin.
Assim como o Gramado Park, a BeWine também foi convocada para na próxima terça-feira, 5 de abril, às 14h30min, fazer uma apresentação. “Para que exiba os objetivos quanto ao empreendimento, também reforçando a convocação ao subprefeito para que essa casa seja amplamente democrática e que todas as partes possam ser ouvidas”, reforça Zanella.
O que diz a Be Wine
Em nota, os responsáveis afirmaram que o projeto cumpre todas as normas estabelecidas e que o resort dará impulso ao desenvolvimento social e econômico da região. Confira na íntegra:
“O Bewine foi aprovado em novembro de 2021 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) de Bento Gonçalves e cumpre rigorosamente todas as normas estabelecidas. Para a sua aprovação, foram solicitadas algumas adequações no projeto, e todas, sem exceção, foram executadas. Queremos manter o diálogo aberto com o Conselho Distrital do Vale dos Vinhedos e estamos à disposição para prestar qualquer esclarecimento – inclusive reapresentando o projeto aos conselheiros. O Bewine dará ainda maior impulso ao desenvolvimento social e econômico da Serra Gaúcha, principalmente para Bento Gonçalves e o Vale dos Vinhedos, onde será construído – reduzindo o déficit da rede hoteleira, já que dividido entre 421 apartamentos e o maior parque temático do vinho do mundo, o complexo terá capacidade de receber 1,6 milhão de público passante. Serão gerados mais de 2,4 mil empregos diretos e indiretos, em um investimento que ultrapassa os R$ 300 milhões, sendo o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 1,3 bilhão”.
Posicionamento da Aprovale
Em carta aberta, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) se manifestou sobre o tema. Na nota, a associação defende o desenvolvimento sustentável do Vale dos Vinhedos e a preservação da atividade vitivinícola.
“É imperioso respeitar a vocação rural do Vale dos Vinhedos e refrear o adensamento dos aglomerados, que rapidamente podem se transformar em urbanização desordenada. Cada vez que um aglomerado se adensa, diminui a área que está (ou poderá ser) dedicada à atividade fim do Vale dos Vinhedos – o cultivo dos vinhedos e a produção de vinho de excelente qualidade, que projeta nossa região no Brasil e no exterior”.
Além disso, a carta ressalta a importância da proteção da área marcada da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos:
“É também nossa obrigação primordial proteger a área de marcada da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos de ver-se reduzida em prol de shopping centers, estacionamentos, parques temáticos e especulação imobiliária sob qualquer modalidade de venda. É nosso dever e obrigação apoiar a preservação e a expansão das áreas vitivinícolas, a continuidade dos nossos produtores em suas propriedades, o enoturismo inteligente e sustentável dentro da escala que nosso destino é capaz de sustentar”.
A entidade afirma a necessidade de reavaliação e adequação destes projetos:
“Rogamos aos empreendedores e poder público considerar uma nova localização para estes projetos – e quaisquer outros de mesmo porte e perfil imobiliário – em áreas fora do Vale dos Vinhedos e que possam se beneficiar do desenvolvimento que se propõem a trazer para nossa cidade, gerando empregos, incremento turístico e de infraestrutura onde haja verdadeiramente estas demandas”.
Moradores também se manifestam
Júlio Cesar Gobatto, de 41 anos, mora no Vale dos Vinhedos há mais de 10. Ele, que já trabalhou no ramo vitivinícola, é favorável à construção dos resorts, desde que sejam instalados com estudo técnico e fora da denominação de origem. “Imagina só a vergonha internacional que a gente teria se, daqui a pouco, ficarmos conhecidos no mundo todo como a região que colocou uma espécie de shopping center dentro de uma denominação de origem. É a mesma coisa que construir um shopping center dentro da região de Bordeaux, na França; da região de Champagne; do Napa Valley, nos Estados Unidos. Não sei se na configuração certa ou errada, mas acho que o conselho distrital, de certa forma, acertou em não aprovar. Só que a forma como está sendo conduzido está errada. Acho que deveria ser dada alternativa para esses empreendimentos, talvez até dentro da indicação geográfica, mas não dentro da denominação de origem, que são duas coisas completamente diferentes”, ressalta.
O morador abriu uma consulta para ouvir a opinião das pessoas sobre o assunto. “Não sou favorável e nem contra, sou daqueles que acredita que conversando a gente se entende e na verdade o que não está ocorrendo é diálogo. Muitas pessoas que estão opinando contra, não têm argumentos para defender o porquê, e outras que são a favor, não conhecem a legislação e tudo que a comunidade sofreu para conseguir o reconhecimento que eles têm hoje. Então a localidade, por sua vez, tem o receio de que se as coisas não forem controladas e for tudo liberado, todo progresso, todo o crescimento que demorou décadas para ser construído, pode se perder em poucos anos. O que o poder público deveria estar fazendo agora é disseminar o conhecimento. Explicar para as pessoas como funciona, porque o estabelecimento ‘A’ conseguiu e o ‘B’ não, o que é necessário para ter uma aprovação, que impactos positivos e negativos cada projeto pode trazer”, expõe.
Franciel Giordani, 42 anos, que também reside na localidade, destaca a falta de diálogo. “Moro no Vale e nunca fui consultado. Penso que o desenvolvimento deva seguir lado a lado com investimento em infraestrutura no local. O Vale dos Vinhedos já tem esta falta de infraestrutura, e porque não sentaram e decidiram com a contrapartida para que isso aconteça? O turismo, no futuro, trará maior rentabilidade pro município, e se não tiver investimento, estes, irão para outras cidades”, aponta.
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