A pontuação do país chegou a 66,4 e fica atrás do Paraguai, Argentina e Uruguai. Sociólogo destaca que um dos principais fatores em que falta igualdade é no meio político
Nesta semana, foi divulgado o Índice de Gênero dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2022, desenvolvido pela Equal Measures 2030, relatório global que avalia a evolução dos países em metas e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). No ranking, o Brasil alcançou a 78ª posição entre 144 países, no quesito igualdade de gênero. A pontuação do país chegou a 66,4 e fica atrás do Paraguai, Argentina e Uruguai. Na última edição, que ocorreu em 2019, a posição ocupada era a 77ª.
O documento aponta que a pandemia destacou mais a desigualdade de gênero no mundo e que poucos países estão fazendo progressos rápidos. De acordo com a pesquisa, um em cada três países não está progredindo e, alguns, estão até regredindo.
O índice é calculado a partir de 56 indicadores-chave em 14 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Dos países pesquisados, 135 têm estatísticas de pelo menos dois anos e, conforme o relatório, não é possível voltar ao normal em relação à igualdade de gênero em um cenário pós-pandemia.
Além disso, os indicadores apontam que nenhuma das 144 nações alcançou a igualdade e não tem o melhor desempenho do mundo, e nem está entre os dez melhores em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por outro lado, o índice mostra que mais da metade dos países em todo o mundo estão se movendo na direção certa em relação à igualdade de gênero.
Mulheres em cargos políticos
O sociólogo e cientista político da Universidade de Caxias do Sul (UCS), João Ignácio Pires Lucas, afirma que, em primeiro lugar, é importante destacar os dados da ONU sobre desenvolvimento humano e, especialmente, o índice de igualdade de gênero. “É baseado nas chances, oportunidades no mundo do trabalho, na política e também tem a ver com informações na área da saúde e educação. Com certeza o Brasil, comparativamente, está em uma situação ruim, especialmente para um país com a nossa história, localização geográfica, herdeiro da cultura ocidental”, explica.
O docente destaca que a desigualdade no âmbito da política e suas variáveis ainda é pior do que na economia. “Num país que também tem contornos de problemas nas demais dimensões das variáveis de gênero, como nas questões das desigualdades das mulheres, mas também, entre as negras, temos uma situação muito complicada que ainda demanda uma série de ações, especialmente dentro das políticas públicas”, realça.
Além disso, o professor afirma que o Brasil é um dos países que tem o menor percentual de ocupação feminina em cargos políticos. “Se pegarmos os dados comparativos de 2019, tínhamos em torno de 15% de mulheres ocupando assentos do parlamento, enquanto a média de outros países é quase de 30% e, mesmo os árabes ou com menos desenvolvimento humano que o Brasil tinha índices maiores, 18%. Essa é uma questão histórica, já que nós temos eleições rotinizadas para todos os cargos desde o início dos anos 1990”, pondera.
Outros locais em que se vê participação pequena na política, de acordo com Lucas, são órgãos públicos, cargos de confianças, ministérios e secretarias de estado. Isso ocorre mesmo com a existência de regras, como a das cotas. “Ainda verificamos um problema sério que implica não apenas na falta de confiança que o homem tem na mulher, mas no próprio processo eleitoral muitas mulheres relatam que não têm confiança de votar em outras. Uma parte delas reforça essa cultura machista que desconsidera ou desqualifica pessoas do sexo feminino para ocuparem postos na esfera pública”, salienta.
No mercado de trabalho
Para Lucas, no âmbito econômico ainda há uma defasagem significativa. Ele afirma que países latino-americanos têm uma quantidade pequena de mulheres na chefia das grandes empresas, nos conselhos de administração em comparação a outras regiões do mundo, especialmente com a Europa, que já tem maior igualdade. “No Brasil e na América Latina não chega nem na metade de mulheres ocupando esses postos, comparativamente, em relação aos homens. Eles têm mais que o dobro de percentual”, destaca.
Isso acontece, segundo o sociólogo, porque há uma desconfiança em relação à qualidade de trabalho das mulheres, além de tradição das empresas que, pelas culturas paternalistas, ficam como herança na mão dos homens, eles costumam controlar e dar sequência aos negócios. “Em aspectos eminentemente econômicos, se as mulheres ganham menos do que os homens há uma precarização e uma distribuição baixa de salários. Por um lado, até compensa tê-las trabalhando na medida em que elas recebem menos”, realça.
Lucas garante que isso pode até abrir espaço do mercado de trabalho para a mulher e faz com que, no geral, a remuneração seja baixa. “Um efeito disso é que, se formos verificar o perfil das famílias que estão cadastradas no Cadastro Único, vamos ver que a esmagadora maioria são chefiadas por mulheres. Quando analisamos o perfil sociodemográfico dos cadastrados, são de pessoas do sexo feminino que desenvolvem atividade remunerativa e, mesmo assim, por elas serem as chefas da família, precisarem sustentar filhos e, muitas vezes, estarem presentes também pessoas aposentadas e idosas, há necessidade de complementar seus rendimentos com algum tipo de benefício, incentivo que esteja baseado em uma política pública”, esclarece.
Igualdade em ascensão
O professor afirma que a diferença entre gêneros na sociedade não tem ligação com a natureza humana, já que existem países que têm igualdade. “Se formos ver o norte da Europa, em média, há uma relação entre maior desenvolvimento e mais espaço para as mulheres. Já temos países em que não há mais desigualdade. Se verificarmos, a cultura é um dos principais elementos”, sublinha.
A mudança, entretanto, já começa a ser vista por meio de movimentos e tendências que, nas últimas décadas, têm apontado para futuras alterações. Um exemplo significativo, conforme Lucas, é a quantidade de alunas do ensino superior. “No conjunto dos estudantes do Brasil, a maior parte é de mulheres. Alguns cursos que outrora eram majoritariamente masculinos já estão tendo maior participação de feminina, como é o caso do Direito. Se formos ver, as pessoas que tem passado no exame da OAB, desde as últimas ocorrências, em sua maioria são mulheres, fazendo com que entre os advogados registrados haja um equilíbrio de gênero”, menciona.