Giovanni Batistta Barbieri morava na Itália e era criança no período em que ocorreu a 2ª Guerra Mundial. Veio para o Brasil com a família três anos após o fim do conflito. Desde então, mora em Monte Belo do Sul
Sentado na frente de casa, com o olhar sereno, ao som dos pássaros, apreciando a tranquilidade característica de Monte Belo do Sul, Giovanni Batistta Barbieri, 85 anos, carrega histórias de vida que atravessaram décadas, fronteiras e permanecem vivas em uma memória que traz relatos detalhados de uma infância vivida durante a 2° Guerra Mundial, onde o barulho ouvido diariamente era dos bombardeios.
Barbieri é italiano, nascido em Schiavon, região do Vêneto, província de Vicenza. Filho de Antônio e Caterina Barbieri, que tiveram cinco filhos. A família trabalhava com agricultura, tinham parreirais e cuidavam de alguns animais. “Era uma terra toda plana, com irrigação natural do rio, que passava do outro lado e distribuía água por tudo”, lembra.
Em 1939, quando estourou a 2ª Guerra, Barbieri era pequeno, tinha apenas três anos. Ao final do conflito, que se estendeu até 1945, ele já tinha completado nove anos, ou seja, boa parte da sua infância foi vivenciada em meio ao conflito. “Quando estava com essa idade, era período de guerra, com soldados, bombas, metralhadoras. Tinham aviões caça metralhando para derrubar ponte e não passar inimigos. A gente se salvou”, afirma.
Naquela época, continuou frequentando o colégio. As lembranças desse período também são fortes. “No pátio, antes de entrar, todos ficavam enfileirados e uniformizados para cantar o hino do Benito Mussolini (político italiano). Depois, íamos para a aula, mas de vez em quando, ouvíamos estrondos e bombardeiros, que aconteciam como se fosse ali em Cotiporã ou ali, ó (aponta para o lado)”, assegura.
Durante a noite também não era fácil, devido a tudo que acontecia do lado externo da casa. “Tinham soldados por fora e toda hora ouvíamos rajadas de metralhadora. Quem é que dormia? Era trãm (Barbieri imita o barulho de uma metralhadora) para cá, trãm para lá. Então, a gente mal conseguia dormir. Tempo de guerra era ruim”, salienta.
Outra lembrança que ficou marcada é sobre um pé de maçã, plantado na frente da casa da família. “De uma altura para baixo, estava todo moído das balas que passavam, todo furado. Imagina se estivéssemos ali fora naqueles momentos?”, questiona.
Durante aquele período, todos os dias, o ouvido estava sempre atento. Quando tocava o som de uma sirene, toda população sabia que significava mal sinal. “Era quando os aviões estavam vindo para metralhar, então a gente saia correndo. Ficamos mais de um ano assim, já pensou? Em casa era desse jeito, no colégio também”, afirma.
Como forma de proteção e sobrevivência, a família construiu um espaço subterrâneo, na área externa da residência. “Era um buraco na terra, fundo, mais ou menos da altura de uma pessoa. Em cima, era coberto por galhos e plantas. Fomos poucas vezes lá dentro, mas todo mundo fazia, cada propriedade tinha o seu refúgio para se esconder das balas. Era muito triste”, destaca.
Ao final da Guerra, a família decidiu vir para o Brasil, na expectativa de construir uma vida melhor
Em 1948, três anos após o fim do conflito, a família desejava reconstruir a vida longe das lembranças e das consequências dolorosas que ficaram. Antônio Barbieri tinha um irmão residindo em Monte Belo do Sul, por isso, começou a cogitar a ideia de vir para esse município.
A decisão foi confirmada quando conseguiu comunicação e teve certeza de que poderia vir para o Brasil. “Durante a guerra não tinha correspondência, estava tudo trancado, por isso, quando acabou o conflito, os dois começaram a se escrever. Meu pai perguntou ao meu tio se tinha algum terreno para comprar e viver aqui. Na Itália ele não queria mais ficar”, conta.
Quase um mês de viagem
Em 22 de maio a família chegou em Génova, cidade portuária da Itália, onde embarcaram no navio que os trouxe até o Brasil. Só em alto mar, foram 16 dias de viagem. Entretanto, apesar dos longos dias, Barbieri define a estrutura do transporte como espetacular. “Era grande, tinha sete andares. A gente dormia na terceira classe, mas era muito bom”, recorda.
Quando chegaram no destino de desembarque, em Santos, São Paulo, ainda não sabiam exatamente como fariam para prosseguir até o Rio Grande do Sul. “Falaram para irmos de trem até Porto Alegre, mas seria uma viagem muito comprida e o pessoal costumava passar mal. Um intérprete que estava por lá, fazendo a comunicação, disse que se a gente esperasse, poderíamos embarcar em um navio cargueiro que faria esse trajeto. Ficamos uma semana em uma pousada, esperando”, relata.
A viagem de Santos até o Rio Grande do Sul não foi tranquila como esperavam. “Em Florianópolis passamos por uma ressaca do mar, as ondas se juntavam e caia água em cima do navio. Foram dois dias assim. Passamos mal. A comida era sempre arroz e feijão, que não estávamos acostumados a comer, porque não tinha na Itália, era tudo diferente. O pão a gente dividia”, descreve.
Em Santa Catarina foram dois dias parados, esperando o transporte fazer a carga e descarga, para só então continuar o percurso. Em Pelotas, mais uma parada, também de dois dias, com o mesmo objetivo. Ao todo, de Santos até a capital gaúcha, foram oito longos dias. “Era comprida a viagem, ‘mamma mia’, que história”, comenta. Ao chegar em Porto Alegre, os parentes estavam todos no aguardo. Oito dias depois, foram para o interior da Serra Gaúcha.
Recomeço no Rio Grande do Sul
Depois de três anos residindo em Monte Belo do Sul, a família decidiu vender a propriedade que deixaram na Itália, para então comprar a casa própria na cidade onde moram até os dias de hoje.
Como o tio era marceneiro, Barbieri decidiu trabalhar em sociedade com ele. Foram 15 anos construindo móveis para toda população. “Até os bancos da Igreja fomos nós que fizemos. Essa mesa aqui fui eu que fiz”, orgulha-se.
Em 1964, Barbieri casou com Luci Simoneto Barbieri, com quem compartilha a vida até hoje. O casal teve quatro filhos: Adriano, Luciano, Gustavo e Fabiano. Esse último é o único que permanece na cidade natal, trabalhando na colônia. Os outros três estão residindo em Bento Gonçalves.
Desde que veio da Itália, Barbieri já teve a oportunidade de rever e renovar as memórias do país de origem por três vezes. Os amigos italianos também gostam de vir ao Brasil. “A primeira vez que eles vieram para cá, estavam caminhando pela estrada e cumprimentaram as pessoas que passavam com ‘Buongiorno’ e elas responderam em italiano, então eles perguntaram se estavam na Itália (risadas), porque não sabiam falar português e mesmo assim conseguiam se comunicar com o pessoal daqui. Depois, quando foram ao Rio de Janeiro, sofreram bastante, porque lá ninguém entende a língua (risada)”, conta.
O olhar sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia
Em 24 de fevereiro a Rússia invadiu a Ucrânia, dando o start para um novo conflito. Sobre o assunto, Barbieri diz que prefere nem ouvir as notícias. “Parece que estou lá. Quem não passou por uma guerra, não acredita como é, não imagina”, garante.
Embora prefira não acompanhar, confessa que teme por algo maior. “Não sei como vai ser, mas tenho medo que se torne mundial, se não se entenderem”, opina.