Era quase meia-noite… Algumas mentes bizarras haviam previsto a abertura de um portal no Universo ou alguma fenda no espaço-tempo, naquela data… Especulações?
O que posso dizer com certeza é que eu estava agarrada ao volante de um fusquinha bege – que já fora azul – de 1300 cilindradas, acelerando adoidado… As imagens retorcidas pela velocidade me deixavam tonta, mas nem assim eu conseguia tirar o pé direito do pedal. E repentinamente o mundo foi engolido por um imenso buraco-negro…
Quando dei por mim, estava no Senado da Roma Antiga, olhando para um jovem esquisitão de 27 anos, que parecia ser o mandachuva. Embora calvo, pelos em revoada espiavam de dentro de sua túnica, sugerindo um corpo assustador. Os pés estavam atados nas cáligas que lembravam sandálias femininas com amarrações nas pernas. Mas foram os olhos que me impressionaram. Aquelas pupilas fincadas no rosto branco e rígido transpiravam maldade… Estaria eu diante do terceiro imperador romano, da era 41 a.C., o terrível Caio Júlio César Augusto Germânico, mais temido como Calígula? Estava!
Santo Calafrio! Prudentemente deslizei por baixo dos assentos dos senadores, que eram mantidos no cabresto como uma subespécie equina. A solenidade consistia na outorga do título de cônsul ao cavalo imperial Incitatus, este sim com o status de político, com quem o tirano costumava partilhar a mesa, nas refeições. Os senadores, tentando manter a cabeça presa ao pescoço, faziam vênia ao mais cruel e sanguinário imperador romano.
Andei no meio do povo, que me sussurrou que a paranoia do governante havia emergido após ele quase afundar no mundo dos mortos, durante uma pandemia de gripe. Cada vez mais insano, proclamava a própria divindade, exigindo adoração absoluta.
Então o pretenso deus me viu destoando da multidão e começou a me perseguir. Eu sabia que, em breve, uma conspiração entre a guarda pretoriana, os senadores e as cortesãs, acabaria com seu reinado. Mas restava uma fração de tempo suficiente para me riscar do passado… e do presente. Para meu alívio, surgiu uma biga, na qual peguei carona até próximo ao lago Nemi. Estarrecida diante de duas luxuosas barcaças, não hesitei em escalar uma delas. E depois de algum esforço, me perdi naquele palácio flutuante cravejado de pedras preciosas…
Não havia relógio nos Navios dos Prazeres, mas eu estava ciente de que o tempo se esgotava… Felizmente, meu 69 me esperava já soltando fagulhas… Me sentindo o próprio Marty McFly, voei para o presente no último minuto do dia 22/02/2022.