Sem receber o dinheiro pela produção entregue e com a alta dos insumos, produtores lutam para não desistir do trabalho rural
A safra da uva 2022 já começou na Serra Gaúcha. É tempo de colheita e entrega da fruta. Sinônimo de muito trabalho para os agricultores, que acordam antes do nascer do sol e não tem horário para finalizar o trabalho. Entretanto, muitos deles ainda não receberam o pagamento integral da safra passada. Com a alta dos insumos e a estiagem, produtores lutam para se manter no campo.
Vinicius Manfredini começou a trabalhar cedo na agricultura, aos 14 anos. Hoje, aos 26, conhece de perto a realidade e as dificuldades enfrentadas por quem vive desse segmento. Junto com o pai Nestor, têm parreiras na comunidade 15 da Graciema, localizada no Vale dos Vinhedos, interior de Bento Gonçalves. Eles são exemplo de quem ainda não recebeu o dinheiro pela uva entregue na safra anterior.
Toda produção da família é destinada, exclusivamente, para quatro vinícolas da região. O pagamento da safra inicia, sempre, após cinco meses da finalização da entrega da fruta. “A partir de setembro as vinícolas começam as parcelas dos pagamentos”, afirma.
A safra do ano passado foi considerada recorde em quantidade e excepcional em qualidade. Entretanto, Manfredini relata que só recebeu o equivalente a 40% das 200 toneladas que foram entregues. “Esses atrasos nos pagamentos acontecem há anos. Nesse meu tempo como agricultor, nunca recebi o valor a vista ou no máximo em 30/60 dias”, conta.
O jovem relata que a cada um ou dois meses entra em contato com as empresas para fazer a cobrança do que é devido, mas o retorno é sempre negativo. “A resposta é sempre que as vendas dos vinhos e sucos estão devagar e, com isso, adiam nosso pagamento”, afirma.
Sem outra fonte de renda para se manter e com a alta nos preços dos insumos, o agricultor conta como se organizam financeiramente diante dessa situação. “Vivemos sempre com o dinheiro de duas safras atrás, pois a do ano passado ainda não foi totalmente (paga) para produzir a seguinte. Esse é o ciclo”, relata.
O dinheiro faz falta para a família, que acaba tendo que fazer compras parceladas. “Muitas coisas que poderíamos comprar à vista, precisamos dividir em três ou quatro meses, assim como também sempre acontecem alguns imprevistos com maquinários que geram gastos extras”, pontua.
Por fim, o jovem pede que os agricultores sejam mais valorizados. “Acho um descaso o que as vinícolas fazem com o produtor rural, eles necessitam da matéria prima para produzir e esperam vender todo o produto para iniciar os pagamentos. Aposto que as empresas que fabricam as garrafas, rótulos, rolhas e demais produtos necessários para vinho e suco chegar à mesa do consumidor não esperam mais de 150 dias para receber. Nós deveríamos entrar na vinícola sabendo quanto vamos receber e sair dela com uma data aproximada para receber em no máximo 60 dias”, desabafa.
Márcio Macagnan, 38 anos, morador do município de Santa Tereza, também passa pela mesma situação. Embora tenha conseguido receber tudo que tinha direito ainda no final do ano passado, o agricultor relata que foi uma luta para conseguir o dinheiro.
Macagnan iniciou a vida na agricultura trabalhando como empregado ou agregado, como ele mesmo chamou. Hoje, a família tem a própria terra, mas as dificuldades ainda existem. “Cada ano que passa nas parreiras está mais difícil. Já ganhamos algum dinheiro com isso, compramos muitas coisas, investimos, mas de três anos para cá, o negócio só piorou”, afirma.
De acordo com o produtor as empresas exigem quantidade e qualidade, mas na hora do pagamento, nem sempre conseguem pagar. “Sempre tem problema, pois dizem que a uva é cara, que o valor é alto, que eles têm a empresa para manter, os impostos, as contas e os empregados para pagar, como se a gente, na roça, não tivesse”, desabafa.
Macagnan relata que o sentimento, na hora de fazer a cobrança é de humilhação. “A gente precisa do dinheiro, temos contas, empréstimo, peão, combustível, comida para pagar. Quando vamos pedir dinheiro, eles dizem que já deram mês passado. A sensação é de desprezo, me sinto humilhado tendo que ficar todo mês batendo na porta ou ligando para pedir dinheiro e ouvindo que agora não podem”, afirma.
O que diz o sindicato
Ciente da realidade, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Cedenir Postal, afirma que essa pratica não deveria ser comum. “No meu entendimento, os produtores deveriam receber imediatamente após a entrega da uva, como acontece com qualquer produto. Se a gente vai no mercado, compramos e pagamos. Se o agricultor vai nas revendas de insumos, tem que faze o pagamento imediatamente após a compra ou tem acréscimo, isso faz parte de qualquer negócio, se vamos em uma loja e não pagamos a vista, tem acréscimo e isso não acontece com a uva. O pior é que muitas empresas pagam ao longo do ano sem reajuste nenhum, isso é muito ruim para os produtores”, destaca
Para evitar esse tipo de situação, Postal deixa uma orientação para os agricultores. “O que nós, enquanto sindicato, fazemos é tentar intermediar junto as empresas, entrando em contato, tentando auxiliar os produtores para que recebam mais facilmente esses valores, mas como as empresas são privadas e não temos gerencias sobre as gestões delas, também cabe ao produtor, na hora da entrega, negociar o prazo de pagamento antes de entregar a uva, exigir o preço correto”, aconselha.