Pouca chuva deste verão está fazendo uvas secarem e, até mesmo, parreiras morrerem. Culturas de subsistência, como milho, feijão, batata e aipim também foram extremamente prejudicadas
No início do verão, uma previsão que os agricultores temiam se concretizou: por conta do fenômeno climático La Niña, a região deve ter uma estação com temperaturas altas e pouca chuva. Em Bento Gonçalves, conhecida como Capital Nacional da Uva e do Vinho, os parreirais estão comprometidos devido à estiagem.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves (STR), Cedenir Postal, afirma que os prejuízos são grandes. “Desde as culturas de subsistência, tem muitas propriedades que plantam milho, feijão, batata, aipim, para o consumo da família e praticamente não vão colher nada. Tivemos bastante problemas nas frutas de caroço, que não atingiram calibre adequado, então a fruta ficou menor e o agricultor não recebe o que realmente almeja. A questão da uva, que é a principal cultura, a cada dia estão se intensificando as perdas, ela está murchando, tem parreiras que estão até morrendo”, relata.
O viticultor e enólogo da Emater, além de chefe do escritório da empresa no município, Thompsson Didoné, concorda com o presidente da STR sobre o plantio de grãos. “Como milho e feijão, que são plantados basicamente para consumo na propriedade e alguma coisa é vendido. As outras culturas, principalmente as frutas, agora que a seca atingiu a pior época, praticamente estão todas colhidas. Tivemos alguma redução no calibre do pêssego, aquele que não é regado, mas a nossa área é pouca. Temos um espaço considerável de citros, que está em enchimento de frutas, então ele deu uma parada. Mas eles continuam crescendo até março, em abril começa a safra. Não dá para avaliar se vai ter prejuízo ou não”, sublinha.
Sobre as perdas nos parreirais, Postal pontua que em 2021 a safra foi grande. “Se em um ano ela produz bastante, no outro, geralmente, rende menos. Como tivemos uma super safra, neste ano já era esperado uma menor. Junto à estiagem, nós estimamos diminuição de até 40%”, estima.
Didoné explica que para cada lugar, existem situações bem específicas. “Por exemplo, Linha Ferri, De Mari, Vale Aurora e 40 da Graciema, são locais que sofreram mais com a seca, ou algum vinhedo que é plantado em solo raso, que tem rochedo. Dentre esses, os maiores prejuízos são nas variedades precoces, essas que estão sendo colhidas essa semana, principalmente bordô, niágara e concord. Há alguns agricultores na Linha Ferri, por exemplo, que têm videiras nas quais está ocorrendo a queda de folhas e algumas uvas até, ao invés de amadurecer, murcham. Mas são casos isolados, onde tem famílias com essas variedades precoces”, cita.
De mãos atadas
Postal explica também que, neste momento, é difícil tomar alguma atitude. “Poucos agricultores têm sistema de irrigação, e para isso a gente precisa avançar muito no sistema de armazenamento de água. Não adianta na hora da estiagem querer instalar, se não tem água para irrigar. Os equipamentos são caros e se não tiver água, não vai funcionar. Tem que ter uma previsão e isso depende muito da facilitação dos órgãos ambientais para a construção de reserva”, menciona.
O presidente do STR cita que os agricultores têm pedido auxílio do sindicado. “O que a gente pode fazer é, principalmente, lutar e ir em busca de apoio junto aos governantes para que sejam sensíveis às nossas reinvindicações para melhor atender os produtores”, frisa.
O enólogo faz um apelo para que seja feito um armazenamento de água pelos agricultores. “Só que são investimentos a longo prazo, então tem que ser bem pensado e planejado. Para quem tem condições de fazer, que seja com coleta da chuva para depois utilizar por irrigação, tem que pensar e fazer. Justamente no nosso estado, a cada cinco anos, pelo menos um tem seca. Nem todos conseguem fazer estoque, mas para quem pode são investimentos financiáveis pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)”, aconselha.
União em prol do agricultor
Conforme Postal, está sendo construída uma pauta junto à Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul para beneficiar os agricultores neste momento. “Inclusive, nesta semana nos reunimos com todos os sindicatos por videoconferência, para construirmos, em conjunto de todos os setores, não só o da uva, porque temos na nossa região também as frutas, hortaliças, leite e grãos. Então estamos fazendo uma pauta para levar às autoridades”, conta.
Além disso, em Bento, Didoné realça que estão sendo feitas reuniões com Conselho Municipal da Agricultura, por intermédio da Secretaria da Agricultura, com o secretário e presidente do conselho, Volnei Cristofoli. “Ele reuniu todas as entidades na segunda, provavelmente na próxima semana teremos outra reunião, para avaliar semanalmente a situação da uva no nosso município”, salienta.
As reuniões semanais, de acordo com o enólogo, são para munir a prefeitura sobre um possível decreto de emergência. “Por enquanto, é de consenso das entidades envolvidas que ainda não dá para ter uma avaliação precisa de índices de perda, principalmente porque as variedades mais cultivadas, como isabel, moscato, carbenet e merlot, são colhidas em fevereiro. Temos todo mês de janeiro e mais um pouco do próximo para ver se vai ter mais um pouco de chuva. De maneira geral o município tem problemas de estiagem, mas por enquanto, está sendo avaliado”, conclui.
Realidade do produtor
A agricultora Diva Flâmia e sua família têm propriedade na Linha Ferri, em Faria Lemos. Na localidade, segundo ela, há bastante prejuízo em algumas variedades de uva. “As que mais estão sofrendo são as precoces: bordô, violeta, magna e a concord. Há vários parreirais em que já morreram muitos pés de parreira. Teve um pouco de chuva essa semana, uns 30 milímetros, que até ajudou um pouquinho, mas tem algumas partes que não recupera mais, chegou a morrer até as parreiras”, lamenta.
Segundo Diva, não há nada para fazer, a não ser aguardar a natureza seguir seu curso. “Para salvar as parreiras precisa de muita chuva. Tem umas que já melhoraram um pouco, mesmo que não se recupere mais a uva, mas tiveram uma reação. Outras partes, só plantando novamente. Claro, os lugares que mais morreram são onde a terra é mais arenosa, mais seca. Não é toda parreira que vai morrer. A gente também teve perda de bastante mudas e de uva”, ressalta.
A perspectiva de colheita não é das mais otimistas. “Tem variedades que a gente vai colher 20 ou 30%, das mais precoces. Claro, as mais tardias, se chover mais, vão se recuperar e a perda vai ser bem menor. O seguro só cobre chuva de pedra, questões de seca a gente não recebe nada”, pondera.
O agricultor com propriedade na Linha De Mari, em Tuiuty, Sidnei Tadeu Marin, afirma que com a irregularidade da chuva, já houve perda de uvas. “As precoces estão quase maduras, precisaria chuva farta para pegarem um pouco mais de cor, de sabor, e invés de ela fazer isso, está enxugando. O bordô, por exemplo, está começando a murchar a uva, aí perde o suco dentro”, esclarece.
Ele também sofre com o problema do solo mais arenoso. “Tem variedade que tem uns seis mil quilos que estão em cima de onde tem mais pedra, ali secou parreiras. No máximo, vamos colher uns dois mil quilos. Agora a gente não tem muito o que fazer, porque não tinha reservatórios grandes. Temos que esperar chuva”, destaca.
O resultado final da colheita não vai ser conforme o esperado. “No total geral da nossa propriedade inteira, tínhamos planos de colher 100 mil quilos. Agora devemos ter cerca de 70 a 80 mil quilos. Vão ser ganhos menores, porque fazendo 100 ou 70 mil quilos, é a mesa quantidade de adubo que vai. Se tivesse chovido, eu poderia lucrar mais”, analisa.
Apesar de ter seguro, a cobertura não abrange os danos da seca. “O tradicional é o de granizo, geada e queda de galho por vento. Mas de estiagem ainda não estou informado de nenhuma seguradora que cubra isso”, finaliza.
Fotos: Suellen Krieger