No município, aproximadamente 20 surdos dirigem diariamente. O profissional Rafael Faccin está fazendo aulas de Língua Brasileira de Sinais para diminuir as barreiras no diálogo entre surdos e ouvintes
Quem está ao volante sabe que os riscos são vários. Então, que tal dirigir sem ouvir absolutamente nada do que acontece ao redor? Essa é a realidade de cerca de 20 surdos que diariamente dirigem pelas ruas de Bento Gonçalves. Pensando nisso, o município vai contar com um agente de trânsito capacitado em Língua Brasileira de Sinais (Libras), modalidade onde é possível se comunicar por meio de gestos, expressões faciais e corporais.
O profissional em questão trata-se de Rafael Faccin, que atua há 21 anos, na área da educação e fiscalização. Ele conta que a ideia partiu, primeiramente, de um interesse pessoal em conhecer a linguagem de sinais. “Hoje, aprender Libras é fundamental para o desenvolvimento, nos aspectos social e emocional do deficiente auditivo e de todos que fazem parte do convívio”, destaca.
Posteriormente, Faccin foi convidado pela presidente da Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), Daniela Flamia, para conhecer a entidade. “A partir desta conversa, fui amadurecendo a ideia de que seria fundamental fazer a inclusão do ensino de Libras no currículo do agente de trânsito, para auxiliar no desenvolvimento, com habilidades de leitura e escrita”, conta.
Desde então, faz aproximadamente cinco meses que ele está realizando o curso. “O objetivo é ter um profissional com habilidade de leitura e escrita dentro da Secretaria de Segurança”, afirma.
Na prática
A ideia é que, ao realizar a abordagem de um condutor surdo, a comunicação entre o motorista e o profissional se torne possível. Atualmente, a cidade conta com cerca de 30 agentes. Hoje, Faccin é o único que está recebendo essa preparação. Contudo, deseja que os demais colegas também sigam o mesmo caminho. “Espero conseguir multiplicar isso, para os outros agentes terem o mesmo conhecimento, aprender pelo menos alguns sinais básicos para conseguir se comunicar com essas pessoas”, enfatiza.
Em 21 anos de carreira, o servidor já passou por situações difíceis ao abordar um surdo, no trânsito. “A gente tenta fazer a comunicação por mimicas, mas é muito complicado. Sem ter o conhecimento, não dá para entender o que eles estão querendo dizer e isso gera conflito de linguagem, justamente por eu não os entender. Eles estão dentro da sociedade, do nosso município, convivem conosco, mas infelizmente não conheço a linguagem deles, sou leigo”, afirma.
Faccin usa como exemplo uma situação em que é necessário pedir a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). “Peço um documento, mas a pessoa não escuta, então tenho que fazer gestos e assim tentar me comunicar da melhor forma possível, mas não é fácil. Então, estou buscando aprendizado para poder ter essa comunicação e desenvolver uma conversa”, ressalta.
Dirigir sem ouvir
O Instrutor de Libras, Leonardo Flamia, dirige desde os 21 anos. Por ser surdo, contou com o apoio de uma intérprete nas aulas e nas provas do Centro de Formação de Condutores (CFC). “Assim consegui passar na primeira tentativa”, orgulha-se.
Para Flamia, que diz amar a sensação de dirigir, estar ao volante é tranquilo. “É fácil, normal. Tem movimento, mas consigo me virar como qualquer outra pessoa”, afirma.
Ainda assim, ele destaca que considera importante ter um agente qualificado e preparado para atender quem não ouve. “Quando um policial aborda, como se comunicar? Principalmente agora, que estamos usando máscara, fica mais difícil, porque não dá nem para fazer a leitura labial. Libras é muito importante, porque muitos surdos não sabem nem oralizar”, finaliza.
Todos os dias para lutar, mas um para refletir
No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020 apontam que 5% da população é composta por pessoas surdas. Essa parcela corresponde a mais de 10 milhões de cidadãos, dos quais 2,7 milhões possuem surdez profunda, ou seja, não escutam absolutamente nada. É por eles que no próximo domingo, dia 26, comemora-se o Dia Nacional dos Surdos. Uma data que propõe reflexão e debate sobre os direitos e lutas pela inclusão na sociedade.
Apesar do número expressivo, muitos municípios do país ainda estão longe do ideal. De acordo com a presidente da Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), Daniela Flamia, em Bento Gonçalves não é diferente. “O município ainda precisa melhorar muito na acessibilidade, pois não existem intérpretes de Língua de Sinais em nenhuma área: educação, saúde, segurança, comércio, ou quaisquer serviços, impossibilitando a comunicação”, alerta.
Para Daniela, a principal barreira continua sendo o diálogo. “Pouquíssimos ouvintes sabem se comunicar com os surdos por meio da Libras. Falta mais comunicação visual, legendas em vídeos”, aponta.