Jane Krüger
A vida se trata, indubitavelmente, em como nos comportamos e nos levantamos em tempos de dor. A pandemia tem provocado uma mudança radical no mundo. Muitos foram dilacerados pela dor oriunda dessa peste. Quantos perderam seus queridos, outros, o que tinham e o mundo todo está tendo que se adaptar ao “novo”, escolas, empresas, ninguém fica fora da confusão. Em meio a esse caos, uma palavra que por aí amam usar é a tal da resiliência. Bonita palavra. Mas, e daí?
O que é, de fato, resiliência? Qual é precisamente a sua definição? No âmbito das Ciências Sociais, existem várias definições de resiliência. Seguem algumas delas: A resiliência é uma habilidade para ressurgir diante das adversidades, adaptar-se, recuperar-se e ascender a uma vida significativa e produtiva (Kotliarenko, Fontecilla & Cáceres, 1997, p.5). Resiliência é o enfrentamento efetivo de circunstâncias e eventos de vida severamente estressantes e acumulativos (Kotliarenko et al., 1997, p.5). Resiliência pode ser definida como a capacidade de se adaptar às circunstâncias estressantes, sendo associada à diminuição da percepção do estresse. Níveis mais elevados de resiliência estão associados com maiores níveis de aceitação da dor e adaptação a esta, independente do tempo de sua duração. A resiliência previne o estresse emocional, sendo associada a menores níveis de depressão e ansiedade. Sintetizando, define-se aqui a resiliência como a capacidade de transformar uma situação de dor em possibilidade de crescimento, ou “capacidade humana para enfrentar, sobrepor-se e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade” (Grotberg, 2002, p.20). Para Melillo (2004b), é a “capacidade de enfrentar a adversidade e sair fortalecidos desta prova”.
Como mesmo vimos, a resiliência só pode ser desenvolvida através da vivência da dor. Mas como? Se no mundo em que vivemos é propagada a cultura de que uma vida feliz é uma vida sem dor. Evita-se a dor a todo custo. A indústria farmacêutica investe milhões em propaganda que mostra pessoas felizes, correndo ao ar livre, viajando, fazendo tudo que lhes dá prazer – sem dor. Infelizmente, até mesmo os pais tentam proteger seus filhos de experiências dolorosas, e às vezes, a qualquer custo. Tentam suprimi-los de experiências de falha, perdas, doenças e evitam falar da morte. O desejo da maioria dos pais é que seus filhos sejam felizes e não sofram dor. Contudo, esse sentimento de falha, ou de perda que tem sido evitada a todo custo, até mesmo no ambiente escolar, tem resultado, segundo o Dr. Brock Bastian, em um considerável aumento de personalidades narcisistas assim como uma crescente onda de transtornos depressivos e ansiosos. Expor nossos filhos à dor, à falha e às frustrações fortalece seu sistema imunológico emocional. As experiências negativas fortalecem nossa psique e a preparam para futuros eventos frustrantes. Ao proteger nossos filhos dessas experiências não permitimos que desenvolvam resiliência e assim tornam-se ainda mais vulneráveis emocionalmente. Inúmeras pesquisas têm demonstrado que pessoas que já passaram por diversas adversidades na vida são aquelas que, na média geral, suportam mais a dor e ainda não a sentem de forma tão intensa. Esse mesmo grupo também se mostra mais feliz e satisfeito na vida, apresentando um bem-estar maior que o grupo que não enfrentou tantas adversidades na vida. Sim, a dor pode aumentar o prazer na vida, ela faz sim, a vida ser melhor. Sabe por que? Pelo simples fato de que ela faz você ser mais presente. Por exemplo, você está preparando um prato especial, todo entusiasmado e quando menos percebe, corta o dedo. O que você faz? Continua cozinhando ou vai atender o dedo que está sangrando? É lógico que você para tudo e vai socorrer seu dedo. Esse é o propósito da dor: FOCO.
Quando você está sob o efeito da dor você foca naquilo que é realmente importante no momento. Você simplesmente pára de olhar para aquilo que estavas fazendo, sentindo ou pensando antes e volta seu foco completamente no que está acontecendo AQUI e AGORA! A Dor além de aumentar a Presença, também acrescenta sentido, valor e propósito à vida. Na história da humanidade, os grandes resilientes foram justamente aqueles homens e mulheres que se propuseram mudar a sociedade e a cultura em que viviam, assumindo em si mesmos a tarefa de plasmar na sociedade seus próprios valores e ambições de transformação. A resiliência está também intrinsecamente ligada com a transcendência. Faz parte da existência humana olhar para fora de si, olhar para o outro, ou para um trabalho a ser realizado no mundo (Frankl, 1989b). A partir disto, como consequência, surge a força para resistir às adversidades. Vanistendael e Lecomte (2004) afirmam que muitas pessoas, diante de um fato traumático, lançam-se para fora de si (transcendência) em direção ao altruísmo e ao testemunho. “O altruísmo não é só uma consequência, mas sim uma fonte de resiliência” (p.99). Diante disso, posso afirmar que a dor, o sofrimento e essa pandemia, definitivamente podem sim, nos tornar pessoas melhores e mais sensíveis, se de fato, decidirmos SER fortes, maduros e suportar a dor, isto é, ser, deveras, RESILIENTE.