No dia 8 de julho de 2020, o interior de Bento Gonçalves e municípios do Vale do Taquari sofreram os danos causados pelas fortes chuvas. Famílias viram suas casas sendo alagadas e bens perdidos
Na madrugada do dia 8 de julho de 2020, famílias do interior de Bento Gonçalves e de municípios localizados à margem do Rio Taquari, como Santa Tereza, passaram por uns dos piores momentos, desde a última enchente, em 2001. De acordo com a Somar Meteorologia, foram cerca de 300 milímetros de precipitação em dez dias. Quase a metade caiu entre o domingo, 5, e quarta-feira, 8.
Um ano depois, famílias ainda lutam para reconstruir o que foi levado pela força da água e o medo ainda está presente. A aposentada de 68 anos, Eva Maria Bordignon, que mora em uma das primeiras casas no acesso a Cotiporã, conta que ouviu um barulho muito forte naquele dia. “Foi tudo muito rápido. Quando a água começou a subir, o que tínhamos no porão foi levado embora, guarda-roupa, mesa, televisão, roupas. Algumas coisas conseguimos recolher a tempo. Não gosto nem de lembrar. Foi muito triste”, lamenta.
A água não atingiu a parte superior da casa. “A gente tem muita fé, se apega em Deus e agradece que Ele nos guardou. Que não se repita nunca mais. Na minha casa não aconteceu muita coisa, mas em outras, foi feia a situação”, lembra.
A casa a que Eva se refere é a de Rosália Alves da Rosa, 57 anos, que há 16 mora na localidade. A residência foi invadida pela água. Ela comenta que enchentes são comuns na região, mas como a do ano passado, jamais tinha presenciado. Rosália trabalha com a filha em Santa Bárbara, a cerca de 16 quilômetros, e percebeu que o rio estava subindo. “Era por volta das 17h quando fui para casa, jamais imaginava que iria subir tanto. Ficamos até as 2h cuidando. Foi tudo rápido, quando notei, a água tinha entrado. Nunca chegou até a parte superior da casa, desta vez veio até a metade. Perdi muita coisa. Foi terrível, muito difícil. Quando o rio começa a subir a gente não pode dormir. Agora, chove dois dias e já ficamos em pânico”, destaca.
Toda vez que o rio enche, famílias perdem bens. Rosália sublinha que desde a última cheia, não comprou nada novo. A casa continua da mesma forma. Na parte inferior da residência, restaram apenas os pilares.
O desespero tomou conta da moradora, quando ela viu a residência ao lado sendo arrastada pelo rio. Pertencente a Fernando Mascarello, que mora em Farroupilha, a moradia de alvenaria servia como descanso e veraneio. Na época, em entrevista ao Jornal Semanário, o jovem estimou um prejuízo de R$ 150 mil, valor que pediria se fosse vender.
Dois quilômetros a frente, com uma tenda, onde vende principalmente frutas da região, Paulo José Felippe, 67 anos, viu a água subir rapidamente e invadir o estabelecimento e a casa que pertencia à sua mãe. Ainda é possível ver as marcas de lama nas paredes.
Ele menciona que estava em casa no momento da enchente. “Começou a vir a água, chuva e medo. Muito medo. Cresceu rápido demais, dava umas pegadas, depois veio sem parar. A gente nunca espera. Pela quantidade de chuva, o rio devia subir na metade, mas subiu mais. Nunca vi tanta água e barro na minha vida. Até a minha garagem deu uns 80 centímetros, foi maior do que a enchente de 2001. Hoje, quando chove, o cara sente, ‘será que vem de novo?’ É muito medo”, sustenta.
Nenhuma das famílias entrevistadas tem pretensão em sair do interior de Bento Gonçalves, uma vez que, segundo os relatos, o valor da venda não é o suficiente para comprar uma casa na cidade.
Calor da solidariedade em Santa Tereza
Um município com cerca de 1.726 habitantes amanheceu alagado naquela quarta-feira. A destruição material e emocional abalou a todos, mas reuniu a sociedade em um sentimento de solidariedade para auxiliar na reconstituição do município.
Conforme o relatório da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COMPDEC), a adversidade culminou na maior cota de inundação do município, cerca de 18 metros. Foram 95 casas atingidas, sendo que cerca de 25 tiveram perda total. Além disso, 320 pessoas ficaram sem energia elétrica e água potável por mais de 24h e 210 tiveram que sair de suas residências.
O então coordenador, Jader Becker, lembra que a cidade contou com auxílio do Exército e do Corpo de Bombeiros de Bento Gonçalves para remoção dos entulhos. “Esses restos foram destinados a um terreno da prefeitura (de Bento) e destinado corretamente, posteriormente. Conseguimos recursos da Defesa Civil Federal para reconstrução de partes da estrada danificada, um deque próximo à praça norte (perto do rio) e o valor de R$130.248,27 para remover os resíduos”, pontua. Ele relata que muitas roupas, móveis e alimentos foram doados por moradores da cidade e de outros municípios da região.
A atual prefeita de Santa Tereza, Gisele Caumo, lembra que muitos prejuízos foram registrados na agricultura, no comércio, nas edificações privadas e na infraestrutura pública. “Não há como contestar sobre as ruínas deixadas pelas cheias de 2020, porém, afirmo que foi um momento, também, em que a solidariedade e a empatia foram demonstradas intensamente. A ajuda surgiu de todos os cantos do Estado, por meio de doações de móveis, roupas, alimentos, eletrodomésticos, evidenciando, com destaque, o auxílio propiciado por meio das mãos humanas, onde bombeiros e voluntários colocavam-se à disposição para amparar os que naquele momento necessitavam”, pondera.
Hoje, conforme a gestora, os danos de responsabilidade pública foram praticamente reestruturados em sua totalidade. “Os abalos emocionais ainda são expressados em muitos santa-terezenses, quando lembram ou falam sobre a avassaladora enchente do dia 8 de julho de 2020. Precisamos e devemos, contudo, seguir com planejamento, para que desta forma, sendo novamente acometidos com cheias, estejamos preparados para reduzir as perdas que estão ao alcance da mão humana. Afinal, além de estarmos lidando com fatores naturais, a nossa localização geográfica nos predispõe à vivência destas deficitárias situações”, lamenta.
Foto capa: Franciele Zanon