Me despedi do verão com um forte aceno feito com o leque e com um adeus poliglota, “Addio”, “Au revoir”, “Goodbye”, para dar mais solenidade ao ato. Enfim, ele “pegou a viola, botou na sacola e foi viajar”. Rumo ao hemisfério Sul.
Não gosto dessa estação líquida – me desmancho no calor de trinta graus – e meus cabelos ficam encharcados (justo o cabelo?!). Além disso, uma preguiça primitiva, herança do homem pré-histórico, que deixou no cérebro a ideia de que a atividade física representa desperdício de energia, me joga no sofá. Pra ver como a culpa não é da gente…
O inferno se foi, e o inverno chegou. Ventando, chovendo, nevando e congelando. Pra pinguim nenhum botar defeito. O varal, aqui de casa, assumiu ares fantasmagóricos. As peças que não voaram pra longe, acabaram enforcadas, enroladas ou redimensionadas, assim como aconteceu há algum tempo, com certa bermuda que, depois de uma semana sob as intempéries, ganhou status de pantalona.
O ambiente no interior, não fosse pelo ar-condicionado, seria tão ruim quanto o externo. Se bem que minha consciência financeira me obriga a usar a energia elétrica com alguma parcimônia. De qualquer forma, consegui me manter aquecida e capaz de viajar pelos arrabaldes, sem, sair de minha zona de conforto. Literalmente.
Na minha incursão, visualizei barracos agarrados em barrancos, onde o vento entra pelas frestas feito espadas… Visualizei pés desnudos, mãozinhas arroxeadas e narizes escorrendo em eternas gripes… Senti o frio sólido dos becos, ruas e vielas que servem de abrigo à pobreza extrema, numa afronta à dignidade humana.
E me percebi inútil. A compaixão precisa ser materializada em atos ou então ela é só uma forma de driblar a própria consciência. Estava assim me cobrando – não só a mim, mas de todas as criaturas pensantes – quando topei com mãos que costuram sonhos. Algumas tão próximas que jamais suspeitaria de sua generosidade, outras bem distantes, mas todas motivadas pelo desejo de partilha. Esse ato de amor que se transforma em gorros, meias, casaquinhos de lã, ponchos, colchas de retalhos…, aquece o corpo dos desalentados e a alma de quem doa. Estas mãos, unidas às que fazem a oferenda do pão e do vinho através de alimentos básicos à subsistência, formam uma corrente do bem, que pode ser ampliada com pequenas ações no dia a dia da gente, que vai do respeito ao donativo.