Diretor da Vinícola Aurora, Hermínio Ficagna, em entrevista, fala sobre o momento do vinho nacional, os projetos, lançamentos, a liderança da Cooperativa no mercado e o bom trabalho realizado junto aos associados, além de uma análise ampla do segmento.
Natural de São Roque, em Bento Gonçalves, Hermínio Ficagna tem origem italiana e toda sua família trabalhou na agricultura. Porém, as dificuldades da época fizeram com que ele fosse estudar. Primeiro, cursou Economia, por cinco anos. Percebeu que precisava de mais, e com isso, fez Direito, e se formou em 1993. Logo depois, duas pós graduações, em Direito Civil e Direito Civil Contemporâneo.
Seu primeiro trabalho foi no Sindicato dos Trabalhadores Rurais até 1988, quando ingressou na Cooperativa Vinícola Aurora, onde está até hoje. Ficagna é casado com Nádia Carraro, com quem tem dois filhos, os gêmeos Guilherme e Henrique, de 27 anos, ambos advogados. Desde 2014 ostenta o cargo de Diretor superintendente da Vinícola Aurora.
Sua trajetória
De 1981 até 1988 trabalhei no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves. Atendia os associados e era responsável pelo custo da produção de uva, até que em 1987 assumi como Assessor Econômico Interestadual da Uva, por dois anos, onde elaborávamos junto com os outros sindicatos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o preço mínimo da uva. Depois disso, fui trabalhar na Aurora.
O surgimento na Aurora
Comecei na Cooperativa em 1988 fazendo o atendimento do associado. Em 1995 a Aurora teve uma crise econômica muito grande e houve mudanças e demissões, e eu então mudei de função. Comecei a trabalhar na área jurídica interna até 2013, quando em 2014 me convidaram para assumir a Direção da Vinícola. Fiquei surpreso na época e o convite veio do então presidente, Itacir Pozza, e juntos tocamos a empresa.
Desafios na Vinícola Aurora
A primeira grande ação necessária foi determinar as pessoas com quem trabalhar, então foi formado um grupo de supervisores. Com isso, montamos uma equipe de gestão, com um responsável por cada área para descentralizar o processo. Depois, percebemos a necessidade de mudar o conceito dos produtos de mercado, faltava algo, e fomos atrás de buscar uva bordô para colocar mais cor e aroma nos vinhos de mesa e sucos. Começamos a olhar que possibilidades tínhamos no mercado interno e externo. Melhoramos o nosso desempenho no suco de uva, que foi um dos produtos que cresceu de forma significativa nos últimos 10 anos. Uma das determinações que passamos para área de marketing é que precisávamos todos os anos melhorar a apresentação do produto e lançar novos e, isso foi feito. A Aurora mudou positivamente nos últimos sete anos, tanto na apresentação dos produtos já existentes, como nos lançados todos os anos. São de três a quatro produtos novos no mercado. Conseguimos organizar, em termo de tabela, o preço de mercado para não ficar disparidade entre um cliente e outro. Para a Aurora todo consumidor, seja de uma garrafa, ou de um milhão, tem a mesma valorização, porque trabalhamos para o consumidor, então, precisamos entender o que ele quer e precisa, afinal de contas, é ele que nos paga.
Os projetos
Mudanças aconteceram e projetos foram realizados. A partir do momento que assumi em 2014, tivemos que comprar até duas linhas de produção, pois estávamos em um momento complicado, com máquinas em capacidade limitada e não conseguíamos acompanhar a velocidade com que a área comercial andava. O crescimento foi tanto, que não tivemos como atender o consumidor. Naquela época tínhamos produto e não tínhamos para quem vender, hoje temos consumidor e não temos produto. Isso acontece por falta de capacidade produtiva, falta de insumos secos como garrafas e rolhas, então muitas vezes se deixa de atender o cliente porque não temos capacidade de produzir. Com isso, tivemos que pensar em algo para melhorar a capacidade de produção e também a parte logística. Hoje, a Aurora tem 3 unidades: a matriz, a unidade dois e um início de projeto no Vale dos Vinhedos que é unidade três. Até 2005 tínhamos um posto de recebimento em cada município associado, mas todos foram desativados, em Pinto Bandeira temos uma área produtiva, além de três escritórios administrativos e comerciais em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo e também cinco gerentes em nível nacional.
Resolvemos preparar a desativação da unidade dois, para diminuir custos e ter uma melhor mobilidade, e para isso, investimos na ampliação da estação no Vale dos Vinhedos. Na unidade três há um cerne da cooperativa, que é a estação de tratamento de fluidos, que hoje tem uma capacidade para mais de 100 milhões de litros do produto. Como o território era pequeno, adquirimos áreas próximas, só que do outro lado da rodovia. A ideia é levarmos todo o envaze para a unidade dos Vinhedos, e já começamos a operar uma linha de suco lá. Aquela região facilita não só a produção, mas principalmente a questão logística, e se não fosse à unidade talvez não tivéssemos o faturamento que tivemos o ano passado.
A partir disso, dois planejamentos, um com prazo para 2025 e outro para o centenário da cooperativa, daqui 10 anos. A ideia é dar continuidade de investimentos com tanques para adicionar o produto, e já estamos trabalhando para que no dia 15 de dezembro deste ano seja instalando mais 20 taques de 500 mil litros cada um, naquela unidade. É a primeira perna do segundo projeto.
Em 2025 queremos chegar no faturamento de R$ 1 bilhão, também dar início ao projeto da rotatória, em razão do fluxo de veículos, e para termos uma operação melhor de carga e descarga. Queremos desativar a unidade dois, ter uma loja no Vale dos Vinhedos, onde no mês que vem colocaremos uma provisória. A ideia é também explorar Pinto Bandeira, que é uma das melhores áreas que se tem na região, com 24 hectares que a Aurora está verificando. Desejamos tornar a área rentável gastronomicamente e com visitação, sem contar todo o trabalho da área agrícola que está sendo feito para aumentar a capacidade produtiva. Além de comprar uva, a Aurora adquire produtos semielaborados, a granel, como suco e vinho de mesa. Desde 2014 a cooperativa deixou de ser vendedora de vinho a granel para ser compradora, e com isso, ajudou a regular o preço de mercado e talvez hoje, sejamos uma das maiores compradoras. Para o centenário, montamos comitês, e cada um vai trabalhar em um determinado assunto.
Nos últimos anos também demos uma atenção especial ao suco, que representa até mais de 50% de todo movimento. A Aurora conta com mais de 200 itens no seu portfólio. São vinhos diferenciados, de extrema qualidade.
Relacionamento das Entidades
Assumi o ano passado a presidência da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (FECOVINHO) e represento as cinco cooperativas que fazem parte dela. O trabalho da Federação é muito importante, e vem sendo referência para muitos segmentos em termo de produção, tecnologias e organização. As discussões entre as entidades existem, o importante é que se consiga, no final, chegar em um denominador comum para que todas possam olhar na mesma direção. O setor se fortaleceu com essas entidades nos últimos anos, dado uma união entre as empresas. Temos carência de políticas públicas, aquilo que se lança no mercado nem sempre são acessíveis e a cada momento nos deparamos com um cenário diferente. O produto internacional já entra no Brasil hoje com um preço muito mais acessível do que o nosso. Aqui na Serra, por exemplo, a topografia é muito acidentada, o nosso trabalho no campo é em regime de agricultura familiar, de média de 2,5 hectares por família, enquanto a Europa, Argentina e Chile são grandes extensões de área, onde a tecnologia prevalece. E outra, não temos incentivo fiscal, temos é uma grande carga tributária para ser paga, enquanto a Europa trabalha com incentivo. O aporte que a União Europeia dá ao setor vinícola é algo fantástico, por isso não conseguimos concorrer em igualdade de condições, nosso custo de produção é muito elevado, e temos dificuldade de exportação, porque o nosso preço acaba não sendo competitivo lá fora. Felizmente esse ano a Aurora está crescendo muito, já exportamos 65% a mais do que todo o ano de 2020, mas ainda carecemos de políticas públicas.
Relação com o Associado
A Aurora tem hoje 1100 associados, de onze municípios da Serra Gaúcha, e se tivesse oportunidade de mais entrarem, com certeza isso aconteceria. O produtor associado não tem preocupação de colocar safra, porque a Aurora, pelo seu estatuto, tem obrigação de receber toda a produção, e nós quem temos que achar alternativas para vender esse produto. A Aurora tem hoje um setor técnico agrícola que dá suporte para o produtor, onde cerca de sete agrônomos atendem determinado número de famílias, com assistência diária, desde a preparação do solo até a colheita. A função dele é estar na propriedade com o associado. Temos um departamento social, que tem um cuidado todo especial com o associado. Além disso, proporcionamos o repasse do insumo agrícola, onde adquirimos e repassamos para os produtores com um preço menor do que de mercado. A Aurora oferece também um preço diferenciado, com possibilidade de, fechando do ano de forma positiva, de ter mais um ganho, como um plus a mais que o associado recebe, onde parte do retorno ele pode deixar pra investimento, e parte levar em dinheiro para poder melhorarem a vida na propriedade. A Aurora dá todo o suporte técnico- agrícola para o produtor.
Se não tivesse o produtor, a cooperativa não existiria. O produtor se sente bem na Aurora, Não é só a entrega da uva, é a segunda casa, eles se sentem valorizados e apoiados. A Cooperativa sabe da responsabilidade que tem com os associados, são 1100 famílias e mais de 500 famílias de funcionários, então se você tomar uma decisão, e cometer algum deslize, compromete a sobrevivência de mais de seis mil pessoas. Temos os agrônomos que estão com os produtores todo o tempo, do plantio à colheita.
Importância da Aurora
A Aurora em algum momento lá atrás chegou no auge, depois com a crise de 95, praticamente perdeu a identidade e aos poucos foi trabalhando para resgatar isso. Hoje para Bento, se olharmos de forma individual, a Cooperativa é a maior geradora de renda, de ICMS e impostos, além de ser uma das grandes geradoras de emprego. Com o resgate da sua identidade, a Aurora recuperou o conceito e o respeito no mercado, e para o nosso associado é um orgulho, as pessoas se sentem valorizadas e respeitadas. Hoje ser agricultor é uma virtude, um ato de nobreza e trabalhamos muito fortemente na sucessão familiar. Foi realizado um levantamento em 2015 e percebeu-se que quase 50% das famílias não teriam sucessão na produção nos próximos anos, então se fez um trabalho voltado para os jovens, o Jovem aprendiz do Campo, com uma grade curricular, mostrando que eles tem um empreendimento em casa e o quanto seria importante a continuidade do trabalho. Já formamos três turmas e mais de 90% vão dar seguimento na propriedade, e isso é fantástico. A Aurora preza pala qualidade do produto, para levar o que tem de melhor para seu consumidor.
Visão do Município
Infelizmente nos últimos 25 anos Bento Gonçalves careceu de representação política. Falta união, quem sabe reunir as empresas e lideranças para que pudessem pensar um pouco mais sobre o município. Na questão de emprego hoje, a Aurora tem dificuldade de contratar mão de obra e dependemos de pessoas mais simples, até sem muita qualificação e não conseguimos encontrar, fica ainda mais difícil quando se fala em qualificação e não haverá espaço para todo mundo no mercado, os tempos mudaram e temos que acompanhar as mudanças tecnológicas. As pessoas precisam ter iniciativa e poder de mudança.
Consumo do vinho no Brasil
Com o início da pandemia no ano passado tivemos que fechar por 18 dias e quando voltamos, diminuíamos a produção, que ainda não se regularizou, pois cresceu tanto o consumo que não conseguimos colocar em dia nossos estoques. Os bares e restaurantes fecharam e as pessoas não puderam mais sair para jantar, e começaram a consumir bebida em casa e , com o valor gasto nos estabelecimentos perceberam que poderiam comprar mais bebidas nos mercados. O que também contribuiu para o aumento do consumo foram as lives que começaram a levar informações do produto para o consumidor. Houve uma campanha muito forte na valorização do produto nacional, onde a safra do ano passado, ao meu ver, foi a melhor e maior da história do setor, sendo quase considerada a safra das safras. Consumindo em casa, o brasileiro começou a experimentar o vinho nacional e os sucos, principalmente da Serra Gaúcha, e entender que aqui se elabora produtos de qualidade muito maiores do que os importados, que também tiveram um aumento nos preços em função do dólar. O vinho nacional caiu no gosto e o consumo não vai mudar, a tendência ainda é de um consumo maior, pois os jovens aprenderam a gostar de vinho, espumante e sucos. Apesar das dificuldades, o setor vinícola está em um momento excepcional. Aprendeu-se a produzir bons vinhos no Brasil, tanto é verdade que a Aurora investiu muito nos últimos anos, além do projeto do Vale dos Vinhedos, em equipamentos internos e de precisão para melhorar cada vez mais o nosso produto.
Crescimento da Vitivinicultura
A cultura da uva está sendo cada vez mais pulverizada e hoje se produz no Brasil inteiro. É uma cultura onde as pessoas foram pegando gosto, perceberam que é rentável e tem um futuro promissor, isso se olhadas com políticas públicas e atenção do governo. A Vitivinicultura está em expansão, mas está atrelada ainda a agricultura familiar e consegue ser produzida a nível de Brasil, mas agora, temos que convir que, na Serra Gaúcha, pelo terroir que temos, o suco que se produz aqui é o melhor e não há lugar no mundo que se produza com a mesma qualidade.
Do que a Vitivinicultura precisa
Bento precisa resgatar a identidade da Capital brasileira da Uva e do Vinho, precisa voltar na década de 70 e colocar vinho e suco encanado na rua, como na época em que o vinho jorrava nas ruas, era fantástico. Resgatar o desfile de carros alegóricos, mostrar a história do italiano, porque o nosso visitante quer entender a nossa história e a cooperativa é solidária e partidária nesse sentido.
O Vinho estrangeiro
A entrada do vinho estrangeiro existe devido aos acordos bilaterais. Por exemplo, o maior exportador do Brasil é o Chile, e ele tem um acordo com o governo e entra no país com alíquota zero, sem impostos. Outra, o custo de produção é infinitamente menor que o nosso da Serra Gaúcha, porque no exterior se produz em grande quantidade e com incentivos governamentais, aí chegam ao Brasil com o preço mais barato do que o produto nacional. Até um tempo atrás as pessoas achavam que beber vinho importado dava mais status, agora a realidade mudou um pouco, pois perceberam que temos vinhos nacionais superiores.
A política Governamental
Ela é muito incipiente, é muito pequeno o que os governos dedicam para o setor da vitivinicultura e o imposto é muito agressivo. Por exemplo, um produto essencial como o suco de uva não está na cesta básica. As políticas públicas praticamente não existem, e as poucas que têm são confusas, de difícil acesso, e com excesso de burocracia. Não há uma preocupação pontual do governo, muito embora se fala em agricultura familiar, mas na prática não acontece nada. O governo vai ter que pensar melhor sobre isso, para que realmente os produtores possam continuar com seus trabalhos.
Os lançamentos da Aurora
Preparamos para os 90 anos, no dia 14 de fevereiro, um produto diferenciado que foi o Vinho dos 90 anos, com 36 mil unidades que já estão no mercado. Gostaríamos de ter lançado ele em um grande evento, reunindo as famílias associadas, funcionários, fornecedores e colocar cerca de quatro mil pessoas na Fundaparque, porém, em razão da pandemia, não foi possível. Então, foi celebrada uma missa, já que a fé é um dos pilares da Vinícola. Recentemente tivemos o lançamento de um vinho Premiun, com uma marca nova de denominação Gioia, em parceria com uma empresa do Vale dos Vinhedos. Lançamos também a espumante Sur Lie, um produto diferenciado que não passa por filtração, de Pinto Bandeira, com mil unidades apenas. Ainda tivemos nesse ano os vinhos Gran Reserva, em parceria com a Campanha, na versão do Cabernet Suvion e Tannat. Na linha do Marcus James estamos preparando para lançar o Rosé, que é uma demanda muito grade. E a novidade desse ano é o Colheita Tardia no tinto, onde já temos o branco com uma grande saída. Em 2021 ainda tivemos as mudanças de rotulagem, buscando sempre com um novo visual, afinal, temos que acompanhar a evolução e todos os anos teremos lançamento. No mês que vem também teremos o lançamento do Millesime 2018, com a nona edição.
O Futuro
Já estou no caminho de encaminhar a aposentadoria para encerrar as atividades. Estou na Aurora há 33 anos, e o que podia contribuir, eu já dei para a empresa, por mais que alguns achem que eu poderia ter dado mais. O mercado não é fácil e ter a responsabilidade que eu tenho para conduzir um negócio desses, realmente exige um comprometimento e esforço muito grandes, e preciso descansar, pensar em viver um pouco mais e família sempre me cobra isso. A vida é uma régua, a expectativa média é 76 anos, um pouco mais, e eu só tenho mais um pedacinho para seguir e não vou querer trabalhar até o último dia. Minha expectativa é ficar na Aurora até o ano que vem, o mês de março, e depois parar realmente. Não existe uma ciência matemática para esse cargo de diretor, cada dia é um desafio, não tem uma fórmula pronta e hoje não temos ninguém realmente preparado, mas temos tempo para isso.
Conselho de Ficagna:
Jovens
O mundo vai precisar muito do trabalho da juventude, pela nova visão e uma boa preparação é fundamental. O mundo é cada vez mais desafiador, aquilo que a vinte anos se pensava em fazer, agora não se pensa mais. A tecnologia tomou conta do mundo, as pessoas tem que ter disposição para enfrentar desafios, estar dispostos a mudança, porque elas vão correr em espaços curtos e, os jovens que não estiverem preparados para isso, infelizmente terão dificuldades de sobreviver
Comunidade
A Aurora é uma referência hoje, por mais que as vezes ouvimos reclamações que a cooperativa dificulta o trânsito, mas é a evolução, o crescimento econômico que leva para este caminho. Gostaria que Bento tivesse mais umas 15 Auroras, tenho certeza que o cenário seria totalmente diferente, com oportunidade de trabalho para todos, produção de renda para a sociedade e geração de impostos para o município.
Lideranças
Falta um pouco de diálogo para que se possa buscar um foco único. O município é rico em todos os sentidos, mas pecamos pelo individualismo. Se tivéssemos mais capacidade de dividir, poderíamos estar em um cenário muito melhor, e tem muitas lideranças inteligentes em todos os setores.