Seja por hobby ou meio de transporte, o fato é que as vendas de bicicletas explodiram em todo país, desde o ano passado. Contudo, só não foram ainda maiores pela falta de insumos para a montagem do produto
O isolamento social, imposto pelo coronavírus, impactou diretamente o mercado de bicicletas. Durante a pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou trocar o transporte público pelo de duas rodas, para evitar aglomeração. Além disso, as bikes são uma alternativa de lazer, podendo ser praticada de forma individual.
Com esses fatores, o resultado não poderia ser diferente. Desde então, o país vivencia uma explosão nas vendas. De acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), que ouviu lojistas, fabricantes e montadores de todo o Brasil, o ano de 2020 apresentou crescimento de 50% na comercialização de bikes em comparação com 2019.
Em Bento Gonçalves o cenário não foi diferente. O proprietário da Schenato Bicicletas, Gelson Schenato, confirma que percebeu essa maior demanda. “Aqui, sentimos consideravelmente este crescimento. Durante a pandemia, registramos aumento em torno de 40% nas vendas”, revela.
Questionado se a situação foi inesperada, ele afirma que sim. “No início, todos foram pegos de surpresa. Ninguém imaginou que o segmento fosse crescer tanto. Muitos pontos foram analisados, positivos e negativos, a fim de passar por uma possível crise em cadeia. Porém, o que vimos, foram pessoas querendo ficar saudáveis, outras querendo continuar a praticar exercícios e não conseguindo, devido aos fechamentos. Isso fez com que as atividades ao ar livre se sobressaíssem cada vez mais”, pontua.
Sobre os meses em que registraram maior pico nas vendas, o empresário explica que durante a estação do verão a procura sempre é maior. “O nosso inverno, que é rigoroso, contribui muito para a queda desse número. Contudo, nestes dois últimos anos, a redução foi cada vez menor”, comemora.
Em outra loja, na Jamar Cia do Esporte, a proprietária Lúcia Moro relata que quando a pandemia começou, sentiu o mercado sendo afetado. Porém, a situação foi revertida e melhorou no final do ano passado.
A empresária percebe que esse ano está sendo ainda mais positivo para o setor. “A venda e a procura estão muito maiores. Diria que dobrou: 50%. Além disso, o mercado já está conseguindo normalizar aos poucos a entrega”, observa.
Falta de insumos gera desabastecimento
Se por um lado os últimos meses tem sido muito positivo para quem atua no segmento, por outro, também foram recheados de desafios. É que as vendas só não foram ainda maiores pela escassez de componentes para a montagem dos produtos, também causada pela pandemia. Isso impactou diretamente no volume produtivo e, consequentemente, na oferta de modelos aos consumidores.
Schenato relata que para lidar com o problema, foi necessário adotar algumas estratégias na loja, para continuar atendendo os clientes. “Entre as quais, a lista de espera e também a comercialização de bikes seminovas”, revela.
Na Jamar, Lucia conta como a situação era antes da pandemia. “Se um cliente chegasse e pedisse um modelo de bicicleta, podíamos prometer, pois o mercado teria para entregar. Isso afetou nós e os clientes, pois além de ter um aumento muito grande, não temos muitas opções de compra, pois ainda não normalizou”, esclarece.
Como exemplo, ela cita a Caloi (marca brasileira que produz bicicletas e equipamentos). “Vai começar a atender os pedidos somente a partir de junho, a fabricar para entregar em julho ou até mais, conforme os modelos”, revela.
Por que tanta procura?
As medidas de prevenção do coronavírus fecharam as academias de todo país por diversas semanas. Para não abandonar as atividades físicas, muitas pessoas resolveram aderir ao ciclismo. É o que observa a empresária Lúcia. “O maior fluxo de vendas decorreu do pessoal procurar a bike para cuidar da saúde, adquirir mais resistência e ocupar a cabeça”, pontua.
Outro fator observado na loja que levou a maior venda do produto, foi a possibilidade das famílias pedalarem juntas. “Percebi que tinham crianças com bicicleta e os pais diziam que decidiram comprar para poder pedalar junto com os filhos, para sair de dentro de casa e ocupar a mente deles”, relata.
O aumento grande fluxo de pessoas dentro dos ônibus também para muitos trabalhadores. “Notei que muita gente adquiriu o transporte para o trabalho, para não ficar dentro de um ônibus com muita gente, para se precaver da doença, então resolveram ir de bicicleta”, afirma Lucia.
Mais que uma fonte de renda, um legado de amor
Para Gelson Schenato, 76 anos, as bikes representam muito mais do que uma fonte de renda, mas uma história de amor. Anos antes de se tornar empresário, já era ciclista e competidor. “Iniciei nas competições de ciclismo em 1963, aos 16 anos”, lembra. Hoje, continua firme no pedal. “De duas a três vezes por semana. Tento manter uma média de 150 quilômetros semanais”, afirma.
Nessa vasta trajetória, alegra-se em contar que já participou de centenas de competições. Várias delas, saiu campeão. “Ganhei mais de 100 provas. Destaco as 200 milhas internacionais em São Paulo, três etapas nas 200 milhas internacionais no Uruguai, 13 vezes campeão estadual e na Master, fui campeão Sul brasileiro. Além de ter participado da copa do Mundo de Ciclismo em 1992 na Áustria”, orgulha-se.
Sobre a longa relação com a bike, o Schenato descreve de forma simples, mas recheada de sentimento, demonstrando a importância que tem na vida dele. “O esporte me desenhou, escreveu a minha história, e é esse meu legado”, conclui.
“Pedalar é um estilo de vida”
A paixão por bicicletas começou muito cedo, ainda na infância do radialista Oziel Castro, quando, na época, pedalava com bikes emprestadas dos amigos. Porém, ele brinca que foi “depois de velho” que o esporte se tornou uma realidade.
Há dois meses, Castro se rendeu a velha paixão. A pandemia do coronavírus foi um fator fundamental para isso acontecer. “Não queria ficar parado, precisava me movimentar. Também decidi porque sempre gostei de bicicleta e queria achar uma alternativa aos esportes que já pratico há mais tempo, como o futebol e o jiu-jitsu”, conta
Desde então, as vantagens que ele percebe nessa prática, são várias. “Além da parte física, que é muito importante, creio que a saúde mental nessa época tão difícil para todos, onde entramos em um ‘novo normal’ é o principal benefício. Mente e corpo em sintonia”, defende.
Hoje a “magrela” significa muito além de um esporte, na vida dele. “Pedalar é um estilo de vida, um sentimento único”, frisa. Inclusive, ele destaca que já virou um caso de amor. “Trato ela com todo carinho e tento deixar ao máximo, preparada para os desafios de um pedal”, pontua.
O sentimento se tornou tão grande, que o radialista está influenciando os filhos a seguirem os mesmos passos. “O mais velho, Gianluca, 14 anos, pratica jiu-jitsu desde cedo e hoje e a bike não chama atenção ainda. Já o meu pequeno, Davi, de 10 anos, tem bike e pedala uma vez por semana comigo e também com um amigo. Acredito que está criando um laço apaixonante pelo ciclismo”, conta.
Uma curiosidade é sobre como Castro montou a estratégia da turma de pedal. “Fui conversando com vários amigos que estavam parados, que pedalavam pouco, que estavam recomeçando ou começando agora. Então, estou criando um laço de amizade entre eles”, explica.
Com essa ideia, Castro percebe que está fazendo muita gente se conhecer. “É uma pessoa que não conhecia a outra, que futuramente vão pedalar juntas, quando não posso. A gente vai formando grupos, de quatro, cinco ciclistas no máximo”, conta.
Com vários várias turmas formadas, a chance de o pedal não acontecer, se torna muito menor. “Pedalando só com uma pessoa sempre, a chance de não acontecer ou ir sozinho é grande. Pensei também nessa questão de outras pessoas se conhecerem por meio da bike, de aumentar o raio de amizade. Em vários casos aconteceu isso: o pessoal nunca tinha se visto e viraram amigos, que vão ser amigos de outros. Sempre há possibilidade das amizades serem ampliadas. É legal. Acho isso muito bacana”, conclui.
Juntos no amor e no pedal
O casal de empresários, Mariana Carvalho e Adriano Dall Agnese, pedalam desde 2016. Inicialmente, como uma forma de lazer nos finais de semana e como alternativa de reforço das atividades físicas. “No começo, não tínhamos noção do quanto esse esporte é viciante, pois nos mantêm com a mente muito relaxada e nos ajuda no condicionamento físico”, afirma Mariana.
Entretanto, foi ano passado, com a chegada da pandemia do coronavírus, que o pedal se tornou ainda mais essencial na vida deles. “Foi uma espécie de refúgio para nós, de esquecermos um pouco todo o pânico e medo da doença. Com o pedal, conseguimos manter nossa mente arejada e nossa saúde protegida com a prática regular da atividade ao ar livre, longe das concentrações de pessoas”, defende.
Esse ano, a frequência do uso da bike caiu um pouco, mas o casal já está retomando. “Uma vez por semana ou a cada duas a gente faz um passeio de bicicleta”. Entre os locais que o casal escolhe para a prática, estão os municípios vizinhos. “As estradas do interior da nossa região. Garibaldi, Carlos Barbosa, Nova Roma do Sul, Salvador do Sul”, conta.
Sobre o esporte, Mariana afirma que além de maravilhoso, também é viciante e desafiador. “A gente sempre quer superar a distância entre um pedal e outro. Queremos mais, melhorar a performance e até cria-se uma divertida competição entre o casal”, conta.