Outro dia uma estimada colega recordou o nome do Dr. Bernard Lown, um Lituano-Americano que integrou o grupo que recebeu o prêmio Nobel da paz, em 1985. Dentre sua obra, participou da criação de cardio-desfibriladores, que salvaram – e salvam – tantas vidas das arritmias. Esse colega já previa a hecatombe nuclear que é ser médico, especialmente nos tormentosos alvoreceres atuais. Ele já alertava que, apesar de todo o avassalador avanço tecnológico, seja nos diagnósticos ou tratamentos, o doente se tornaria ainda mais negligenciado. Citava que a prática médica presa a uma engrenagem complexa, empresarial, sobretudo no modelo norte-americano, subjugaria a atenção que deveria estar na promoção da saúde e do bem-estar. Em seu livro “A Arte Perdida de Curar”, encantou e cativou aos que (ainda) acreditam que a relação médico-paciente (e aqui me perdoem os insensatos administradores que denominam os pacientes de clientes) é, além do principal instrumento do labor médico, um verdadeiro antídoto que deleita os melhores desfechos. Ele compreendia que, muitas vezes a cura depende da empatia, e não do caro e amargo remédio que muitas vezes nem chega… Hoje, minados de protocolos, rotinas, quadros e fluxos, estamos ardendo em gastrite, azia e refluxo, simplesmente pelo fato de que somos “obrigados” a esquecer o paciente em detrimento aos papéis, telefonemas, autorizações ou tempos infames… Uma verdadeira via crucis para operar um paciente, e o pior, com o jogo já em 5×0 quando você põe a mão no bisturi. E aqui a taça em jogo não é o Brasileirão ou a Copa do Mundo, mas sim uma vida, que é a maior recompensa dos que estão em casa, ou agoniados na sala de espera de um centro cirúrgico. Não tratamos com madeira, pedra ou tijolos, mas nos dedicamos a vida. Simples assim. Talvez você possa esperar, e os fatos não mentem, a alta taxa de suicídios na nossa profissão… Por isso acredito (talvez utopicamente) nos valores, e não estou falando dos financeiros.
Sem estender-me demasiado, concluo que Bernard Lown deveria ter permanecido entre nós, ad eternum. Esse colega – se humildemente posso colocar-me nessa posição – dentre muitos outros, nos deixa um legado sugestivo e esclarecedor de que a putrefação da nossa medicina tão questionada e criticada, se acerca galopante. Doentes cada vez mais complexos, demandantes e caros, e médicos cada vez mais baratos, fazem a gangorra pender para sepultarem de vez, na argamassa dos administradores, a já citada e saudosa relação médico-paciente. Aquela do olho no olho, da confiança, do aperto de mão e do amor ao próximo. O elo-perdido temporal em que se preconizava a atenção e não o custo, em que a sustentabilidade se dava por si só, porque se confiava e não se gastava para se proteger das artimanhas de uma medicina judicializada. Infelizmente nós médicos, avassalados pelo corporativismo administrativo e obnubilados pela desunião da classe, só nos resta ver imperar o flagelo do suicídio psicológico, que não tem salvação e agoniza diariamente a beira de qualquer nosocômio que frequentamos. Como se atrás de qualquer porta fossem extraídos profissionais dedicados e sobreviventes ao naufrágio de um Titanic Sanitário, mesmo sem o colete salva-vidas que talvez merecêramos, mas que foi “cedido” gentilmente aos chefes, gerentes ou dirigentes das grandes corporações e hospitais…Isso sim não é utopia, mas sim a nossa realidade.