A história abaixo é pré-pandêmica, de um tempo longínquo e saudoso em que a aglomeração e a confraternização eram tudo de bom. Talvez eu já tenha contado – o CPU de quem está no grupo preferencial da vacina pode ter dificuldade no armazenamento dos dados… Enfim, vamos aos fatos:

Manhã festiva num município próximo, próspero, de nome bonito e com gente hospitaleira – segundo eles mesmos, um pedaço da Itália. Os foguetes avisam que o churrasco arde na brasa, e o badalar sonoro de Belina, Becker e Scalabrina anuncia que o padre está pronto para a celebração. Mas os apreciadores de água benta, daquela que passarinho não bebe, se fingem de surdos, enrolados pela fumaça dos próprios cigarros (vícios dificilmente andam sozinhos), coisa que obriga o coroinha a tocar a sineta manual na porta da Igreja.
A missa tem início. A maioria das pessoas participa dos ritos, cantando, respondendo, levantando, ajoelhando, sentando, bocejando, até que o novo ajudante do sacerdote, que é membro respeitável da comunidade, apanha o microfone para anunciar:
-E agora vamos ouvir a leitura da e…
O homem faz uma pausa. Parece em dúvida… A mão esquerda mantém a Bíblia aberta, enquanto a direita afasta os óculos, confere as lentes e os recoloca no lugar.
O padre ensaia uma tossidela, meio preocupado. Estaria seu assistente passando mal?
O silêncio atrai olhares, e os fiéis, ávidos por surpresas, ficam mais atentos do que nunca.
O homem, com o semblante carregado, decide continuar.
-E agora vamos ouvir a e… pistola de São Paulo aos coríntios.
Gargalhada geral. Nem o sacerdote consegue engolir o riso, apesar do esforço hercúleo, visível em suas bochechas vermelhas. Do alto do púlpito, ele tenta acalmar o rebanho alvoroçado.
-Queridos irmãos, ouçamos a EPÍSTOLA de hoje, que é a carta de São Paulo aos coríntios – explica o reverendo, acentuando a palavra que gerou o tumulto.
No final, tudo termina bem, desconsiderando-se o pedido de demissão do ajudante do padre, em caráter irrevogável.
O ex-ministro sai do templo resmungando entredentes:
-Não tenho culpa se escreveram palavrão na Bíblia, seus merda!

É o poder dos acentos! Quase tanto quanto o poder dos “assentos”, especialmente dos que sustentam togados. Se ignorarmos os primeiros, estaremos cometendo crimes ortográficos que geralmente fazem rir, mas nada que nos bote na cadeia. Já em relação aos segundos… Bom, aí é outro papo.