Ficar em casa fez com que muitas pessoas engordassem. Profissionais recomendam mais cuidado com a alimentação
No início da pandemia, com o lockdown, mais pessoas tiveram que arrumar uma forma de passar o tempo em casa. Algumas, aderiram aos exercícios físicos sem o auxílio de aparelhos de academia, o que ficou mais fácil com as dicas encontradas na internet. Entretanto, a prática mais comum foi a ingestão de alimentos diferentes, pelo tempo que se tinha para cozinhar, além do sedentarismo.
Foi o que aconteceu com a estudante de direito, Cíntia Valduga Gasparetto que desde 2018 estava passando por um processo de mudança na alimentação. “Passei por momentos muito ruins, já que fiz vestibular e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) naquele ano. Acabei me estressando. Nesse período a minha ansiedade piorou. Comecei a comer muito, e consumir alimentos que, em grande quantidade, geram ganho de peso, como carboidratos. Com o tempo, percebi que tinha dificuldade de fazer coisas simples, como amarrar os tênis”, lembra.
Em 2020, a jovem conseguiu estabilizar a rotina. “Quando comecei a faculdade, o estresse baixou e a ansiedade estabilizou, consegui voltar à alimentação normal, sempre com acompanhamento nutricional. Infelizmente com a pandemia, um pouco dessa ansiedade e a falta de treinos motivaram um ganho de peso inesperado”, relata.
Como mora com duas pessoas do grupo de risco, a futura advogada optou por permanecer em casa, e assim, deixou de se exercitar e passou a ter uma má alimentação, voltando à estaca zero, como estava dois anos antes. “Ficar em casa para mim era um tédio, tu acaba comendo mais, sempre beliscando alguma coisa”, explica.
Contudo, com as atividades voltando à normalidade, Cíntia também resolveu readaptar a rotina nutricional e de treinos, novamente. “A partir de junho de 2020, as coisas voltaram ao normal. É necessário ter persistência, foco no objetivo e não desistir”, garante.
Bem-estar requer rotina de exercícios físicos
O sócio-proprietário e professor de educação física da academia Pró Vitta, Edemar Trentin, acredita que não tem como recuperar o tempo perdido sem a prática de exercícios físicos. “Dar aquela parada nos treinos por algum motivo é até aceitável, mas para reverter a situação após meses de pandemia e quarentena, temos que ver o histórico de treinos de cada um. As pessoas que praticavam exercícios há mais tempo perdem menos, e aquelas pessoas que praticavam há pouco tempo, perdem mais”, afirma.
A redução da quantidade de praticantes de exercícios físicos na academia reduziu drasticamente após o período de isolamento social. “O número de alunos ativos em academia diminuiu 60%, mas os praticantes de atividades físicas começaram a se adaptar a novas rotinas e criar novos hábitos. Com o passar dos meses, o número de alunos ativos veio crescendo gradativamente, de novo”, esclarece.
Trentin revela que, as estatísticas de alunos que buscaram auxílio nas academias após a quarentena e os estudos divulgados sobre o assunto, mostram que houve a influência de fatores como ansiedade, incerteza do momento, em relação a emprego e vacina no processo de volta ao sedentarismo. “Vários estudos e dados mostram que 50% das pessoas que ficaram confinadas aumentaram o peso. Entre elas, a faixa etária dos 45 a 55 anos são as que mais engordaram, enquanto pessoas com mais de 60 foram que menos ganharam peso”, conta.
Porém, é preciso ressaltar que se exercitar e manter uma dieta saudável não ajuda apenas na aparência física, mas contribui também para o bem-estar. “Podemos ver que pessoas que treinam algumas horas na semana evitam ter doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade e tem mostrado melhora da resposta imunológica a vacinações, diminuição do estado inflamatório crônico e mostrando melhora dos diversos marcadores imunológicos de doenças, como o câncer”, salienta.
Comida em excesso: a saída errada para solucionar problemas
Segundo a psicóloga, Vanessa Miotto, existem condições psicológicas que podem causar ou potencializar o comportamento de comer em excesso. “Ansiedade, preocupação excessiva, estresse, tristeza, etc. Descontar problemas no consumo dos alimentos pode ser visto como uma estratégia não funcional de lidar com estes problemas. Ainda, a relação que a pessoa tem com a comida pode influenciar nesse tipo de comportamento. Ver a comida como o único ‘conforto’ ou ‘recompensa’ é um exemplo”, constata.
A profissional percebeu que muitas pessoas observaram que a pandemia as levou a comer mais do que em outros momentos. “Nós passamos por mudanças significativas em várias áreas. Elas incluíram a necessidade do distanciamento social, da reclusão ao espaço da moradia, trabalhar e estudar em casa, a diminuição da possibilidade de realizar exercícios físicos, redução das opções de lazer e por aí vai. Sendo assim, esse período acarretou impactos variados nas pessoas”, explica.
As experiências, porém, são diferentes para cada uma delas. “Como o indivíduo vivencia esse período de forma particular e subjetiva, são diversas as causas que podem ter gerado o comportamento de comer mais. Algumas das causas podem ser sintomas associados a essas mudanças, como estresse, preocupação excessiva, medo, pensamentos ruminativos, ansiedade, além do agravamento de algum sintoma psicológico pré-existente”, ressalta.
Mesmo com todas as dificuldades, há possibilidade de manter o controle para que corpo e mente fiquem saudáveis. “O descontrole alimentar pode estar associado a outras condições psicológicas que provocam dificuldades e sofrimento. Nesse sentido, é importante buscar identificar as raízes desses sintomas. Buscando e identificando a raiz do descontrole alimentar, fica evidenciado o que precisa ser trabalhado para alcançar um equilíbrio. A comida não pode ser o único recurso de bem-estar psicológico. Procurar auxílio profissional pode ser uma alternativa para identificar os sintomas e gerar recursos para lidar melhor com essas questões”, recomenda.
Obesidade: resultado de hábitos alimentares ruins
O endocrinologista do Hospital Tacchini, Alexandre Pasquali Paggi, afirma que as intervenções sociais necessárias para o controle da pandemia certamente resultaram em aumento de peso, de um modo geral, na população. “A necessidade de manter-se em casa e o acesso fácil a alimentos altamente processados e muito calóricos faz com que as pessoas ganhem peso com facilidade” observa.
Entretanto, o médico explica que antes mesmo da Covid-19, o mundo já estava sendo assolado pela pandemia de obesidade, que, segundo ele é “decorrente de hábitos de vida que incluem cada vez menos ‘comida de verdade’ e mais alimentos processados, associados a um padrão de sedentarismo cada vez maior na nossa sociedade moderna”, aponta.
É preciso atenção na ingestão de qualquer tipo de comida, de acordo com o endocrinologista, pois a obesidade pode causar doenças crônicas como diabetes mellitus, hipertensão, além de neoplasias.
O médico esclarece que ter bons hábitos alimentares deve fazer parte da rotina das pessoas, da mesma maneira que a higiene pessoal. Porém, abandonar o que já está no cotidiano não é fácil. “Existe encadeamento de estímulos cerebrais que nos levam a buscar alimentos que nos dão mais prazer”, assegura.
Paggi faz um alerta sobre os perigos da má alimentação. “Alimentos ricos em gordura e carboidratos são prejudiciais à saúde. Além disso, dentro do possível, o açúcar comum deve ser abolido, seja na sua forma simples de uso, para adoçar café, leites e chás, ou o que vem em refrigerantes, sucos processados e até mesmo nas frutas. Apesar de elas serem alimentos naturais, se consumidas em excesso, nos levam à obesidade”, recomenda.