Era sua primeira vez em Florença. Ele e o colega de trabalho, recepcionados por um italiano da gema e seu cão dinamarquês, sentaram à mesa, que fazia jus ao título gastronômico de mais opulenta do mundo.
O sacrifício começou com uma carrada de bruschettas com burrata de búfala. O brasileiro, desconfiando tratar-se do almoço, comeu pra valer. Mas aí o anfitrião serviu enormes bisteccas alla Fiorentina, que foram mastigadas até o último fio de sangue. Já mais que satisfeito, o conviva depôs os talheres no prato, ação que foi ignorada pelo dono da casa, que lhe depositou generosa porção de fettuccine a carbonara. Tudo regado ao melhor vinho da região. O cara suspirou. Não podia fazer uma desfeita a quem os recebera como se eles fossem reis da Prússia, deixando sobras daquela pasta divina. Até se lembrou da propaganda em que Cristo advertia Cornélio: “Padre, Olha a gula”; a que o religioso respondia: “Senhor, olha a massa!”. No caso, com uma adaptação: “Senhor, olha a pança!” Com esforço, acabou deglutindo até a última garfada. Aí ele quis ser educado e teceu um elogio ao almoço. Por pouco, não teve que encarar nova rodada. “Ufa!”, pensou com seus botões abertos na cintura, “salvo por um triz!”
Salvo? Não na Itália, onde a sobremesa tarda, mas não falha. E a torta de maçã veio com reforço: uma artilharia de biscoitos champanhe camuflados no creme de chocolate com mascarpone. Nada menos do que a famosa Tiramisù. Na verdade, era o que ele precisava, literalmente: alguém que o puxasse para cima.
O licor ajudou a acomodar as coisas nas entranhas, onde um motim começava a se armar. E quando o anfitrião pediu licença, um calafrio perpassou o corpo do conviva, que visualizou a primeira cena do filme “Seven” (Os Sete Crimes Capitais). Suspeita confirmada. O italiano reapareceu com um enorme formaggio na mão direita. Dinamite pura.
O queijo foi cortado e servido. O cara suspirou fundo. Aproveitando uma breve distração do italiano, o brasileiro escondeu um pedaço no bolso da calça. A partir daí, a coisa ficou feia, com o assédio do dogue gigante. O demônio babava adoidado enquanto o cercava fungando. Irritado, o dono da casa ordenou que o cão sentasse no sofá. O bicho obedeceu prontamente, mas sem parar de fazer “slap, slap” com a língua. Então o homem, num gesto inusitado, agarrou os testículos do animal que fechou a bocarra de imediato.
Minutos depois, a dupla despediu-se. Vá que o anfitrião não gostasse de alguma atitude deles…