Os tipos de materiais citados em falta para o setor produtivo foram MDF/MDP, papelão, plástico, vidro e acessórios. Impacto chegou a 74% na indústria de vestuário
Em processo de retomada das atividades, após o auge da crise econômica causada pela Covid-19, o setor industrial brasileiro enfrenta a falta de matéria-prima e o aumento de preço dos produtos necessários para a produção. Todas as cadeias produtivas, indistintamente, têm sido atingidas por esse problema. Isso porque grande parte das esferas foi obrigada a diminuir jornada de trabalho, afastar grupos de risco comprometendo, como consequência, a fabricação e estoques de produtos
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que em outubro a falta de insumos atingiu os maiores níveis desde 2001: em 14 dos 19 segmentos da indústria. Contudo, os atrasos iniciaram no mês de julho. “A área da metalúrgica, por exemplo, em média, teve por volta de 30% de redução no mesmo período que o ano passado. A falta de matérias-primas atinge outros setores como o da indústria química (30%), indústria de produtos plásticos (50%), vestuário (74%), entre outros”, menciona o vice-presidente do Centro da Indústria e Comércio de Bento Gonçalves (CIC-BG) para assuntos da Indústria e integrante da Comissão da Indústria, Francisco Bertolini
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 68% das empresas relatam problemas para encontrar matérias-primas dentro do mercado doméstico. Para os insumos importados, a pesquisa mostra que 56% das empresas que utilizam do exterior, também sofrem com o mesmo problema. As principais faltas são de aço e MDF. “Há também materiais diversos, desde matérias-primas base para os produtos como para embalagem. Papelão, plástico e vidro são os produtos mais relatados pelas empresas e entidades de classe”, afirma Bertolini
Conforme o diretor tesoureiro e integrante da Comissão do CIC-BG, Willian Rizzi, a queda da produção acumulada até setembro foi de aproximadamente 8,4%, em comparação com o ano anterior. “Em contrapartida ao aquecimento da economia, a falta de matéria-prima causa enormes prejuízos, com ineficiência, quebra de contratos e perda de oportunidades”, lamenta
Apesar da inflação nos preços, em decorrência da escassez, “há um movimento de estabilização com a retomada da produção das usinas, porém com o câmbio ainda elevado, a previsão é que normalize o atendimento no final do primeiro trimestre de 2021”, pondera Rizzi.
Mobiliário deve finalizar ano com retração de -1,6%
No setor moveleiro não é diferente. Mais de 90% das empresas brasileiras relatam algum tipo de dificuldades com falta de matéria-prima e, em decorrência, com problemas de abastecimento junto aos clientes e consumidores. “Com o recrudescimento da pandemia da Covid, houve uma disruptura em todos os processos produtivos e nas cadeias de fornecedores, o que fez com que a grande maioria das empresas fosse obrigada a parar seus parques fabris por conta dos decretos impostos. Isso aliada a uma explosão na venda de móveis, acabou canalizando parte dos gastos das famílias comprometidos com viagens e lazer para o consumo de móveis”, esclarece a presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Maristela Cusin Longhi.
De janeiro a setembro, comparado ao mesmo período de 2019, houve uma queda de 8,4% na produção, enquanto no acumulado dos últimos 12 meses o índice foi de 5,8%. Já nas exportações a queda deverá ficar entorno de -4%. Por outro lado, segundo dados da Abimóvel de setembro deste ano, o volume do emprego na indústria de móveis apresentou aumento de 5,6%, quando comparado ao mês anterior.
De acordo com Maristela, com a retomada das atividades do setor, desde junho, o ano deve finalizar com uma retração em torno de -1,6 %. “As empresas foram se reorganizando, voltando a trabalhar com capacidade plena e contratando mais pessoas. A desorganização entre oferta e demanda, provocou aumentos significativos nos preços das matérias primas e nos nossos produtos. Com abastecimento limitado, os estoques caíram muito e o mercado está tentando se regular”, aponta.
Apesar disso, a expectativa é positiva. “Creio que teremos um ano bom para a cadeia produtiva de madeira e móveis. Os estudos apontam um crescimento no varejo de 3,5% (em volume), 8,9% para a indústria, 6,3% nas exportações, acompanhando a previsão de crescimento do PIB em torno de 3,4 %”, conclui.
Com o câmbio ainda elevado, a previsão é que normalize o atendimento no final do primeiro trimestre de 2021. Willian Rizzi, diretor tesoureiro do CIC-BG
Mercado vinícola aquecido
De maneira oposta, o consumo de vinhos no Brasil teve um salto surpreendente no segundo trimestre: aumento de 72%. As informações são da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul (ABS-RS).
O resultado foi notório na Vinícola Aurora. Até outubro, o empreendimento apresentou um crescimento físico de 38% em relação ao ano passado, ou seja, 17 milhões de litros a mais de todas as bebidas que a empresa produz, entre sucos, espumantes, vinhos e cooler. “Com a situação atípica e essa ampliação repentina no consumo, algo que nunca tínhamos vivenciado em quase 90 anos de empresa, a matéria-prima que tínhamos na empresa não foi o suficiente para engarrafar todos os produtos demandados pelo consumidor. Por isso, não tivemos como nos preparar para essa procura inimaginável, que fugiu a qualquer planejamento que havíamos definido para o ano de 2020”, explica o diretor superintendente, Hermínio Ficagna.
Esse aumento de todo o setor fez com que as vidrarias não conseguissem absorver o volume necessário para atender toda a demanda. “Sofremos apenas com falta pontual das garrafas, especificamente para linha de suco, em dois dias no mês de novembro, porém, conseguimos resolver o problema com outros fornecedores dos itens e manter a produção”, salienta Ficagna. “Hoje temos estoque de garrafas para finalizar o ano. A indústria não vai parar. Teríamos potencial para fechar o ano, ampliando entre 45% e 50% a venda para o mercado interno, especialmente na linha de espumantes moscateis, este em razão do volume significativo de vendas. Porém, as mesmas foram suspensas por término do produto, razão pelo qual necessitamos aguardar a próxima safra para dar continuidade”, expõe
A cautela é necessária e poder agir rápido, de acordo com a necessidade, poderá ser o grande diferencial. Hermínio Ficagna, diretor superintendente da Aurora
Ficagna cita que há preocupação e apreensão com o próximo ano. Todavia, é preciso estar preparado. “Estamos enfrentando um cenário de saúde que não se consegue identificar o caminho correto e qualquer planejamento, hoje, é difícil de dimensionar. Contudo, mesmo com esse aumento importante na comercialização de produtos nacionais, em especial o vinho, estamos praticamente igualando o consumo em volumes de quatro ou cinco anos atrás. Necessitamos aproveitar o momento, porque poderemos voltar a um novo ciclo ou patamar de vendas muito diferente do que estamos vivenciando hoje. Cautela é necessária e poder agir rápido, de acordo com a necessidade, poderá ser o grande diferencial”, recomenda.