Clacir Rasador

Toda vez que ouço algo a respeito de racismo, lembro-me de meu padrinho de batismo…

Meus pais começaram a vida com uma pequena bodega na então Vila Operária, hoje Bairro Conceição. Ficava praticamente na linha divisória com o Bairro Tancredo Neves, a época era um grande descampado, chamavam de potreiro, sem dúvida uma paisagem bucólica aos dias de hoje.

A Vila Operária, naquele tempo, era discriminada e eu a defendia ‘literalmente’ com unhas e dentes na temível hora da saída, na escola, pois vivi isso na pele ainda quando criança, no ensino fundamental – preconceito por viver na Vila Operária.

E o padrinho? Então, todo santo dia o gringão – assim era um dos apelidos que davam aos descendentes de italianos, geralmente pela cor da pele rosácea, uma quase vermelhidão após uma tarde embaixo do sol sem proteção –, um homem forte, no alto de seus quase dois metros, ia até o bar lá na então Vila Operária, tomava seu aperitivo e, vendo minha mãe com uma barriga enorme, próximo ao parto, dizia ao meu pai: “Toni, se forem dois, o menino dá pra mim batizar”.

Meu pai desconversava, pois pouco o conhecia e ainda podia ser apenas mais uma daquelas conversas fiadas de bar.

Contudo, a insistência daquele quase desconhecido o fez acreditar que era um pedido de coração e assim, um dia, sem mesmo falar com minha mãe, viu brotar um largo sorriso do candidato a padrinho quando, em resposta, afirmou: “Tá fechado! Se for um piá, é teu pra batizar”.

Pois bem, chegou o dia, e, sem ninguém saber – a medicina e sem recursos para exames caros explicam – vieram gêmeos: sim, um menino e uma menina.

No dia seguinte, lá estava o gringão, sabedor da notícia ao pé do balcão do bar, feliz uma barbaridade brindando agora com seu futuro compadre.

E assim fui batizado pelo meu padrinho que me escolheu, pelo qual tive sempre o maior carinho, pela sua alegria contagiante, seu modo simples e grande coração, aliados à doçura e à serenidade de minha madrinha, D. Ida.

Jamais esquecera de meu aniversário, sempre vinha um presente em tom colorado, uma de suas paixões.

Desta história verdadeira, muda somente o gringão para o Sr. Vilmar, o nego Vili, pois era dessa forma que gostava de ser chamado meu saudoso padrinho e assim era reconhecido no bairro pela família, amigos e colegas da prefeitura onde trabalhava como encarregado.

Inclusive certa ocasião concorreu a vereador com um bordão que hoje seria totalmente proibitivo.

Batizado fui pela graça de DEUS e também contra o racismo pela educação e aceitação de meus pais, não quanto as diferenças – minha irmã foi batizada por um padrinho que a este sim chamavam gringão – mas dada a igualdade de que somos todos, sem distinção, seres humanos.

A propósito, qual será a cor da pele de DEUS?

Sendo nós a imagem e semelhança de DEUS, todo racista que se autointitula superior ao tentar diminuir seu semelhante pela cor da pele, não bastasse cometer crime e negar sua própria e única natureza humana, chega ao disparate, ao absurdo de querer escolher a cor da pele de DEUS como se fosse a sua.

O peso da doentia valorização corporal do racismo parece misturar um sentimento de narcisismo e falsa divindade à flor da pele.

Preso ao próprio peso da pele ligada ao corpo, qual surpresa aguarda o racista ao saber que a alma não tem pele, não tem cor.

À alma basta somente a leveza do Amor ao próximo e a DEUS!

Vamos em frente!

Saúde!