Representantes da Tecnosweb, empresa que participou do processo, alegam que concorrente foi favorecida em contrato milionário para sistema de gestão
A empresa Tecnosweb denunciou a Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves ao Ministério Público (MP) por possíveis irregularidades na licitação de contratação de empresa para prestação de serviços especializados de informática. Ela alega que a vencedora, IPM Sistemas, de Santa Catarina, teria sido beneficiada ao longo do processo licitatório pela Comissão Especial e solicita suspensão do procedimento.
De acordo com o jurídico da Tecnosweb, a análise do sistema foi parcial e a Comissão buscava motivos para desclassificar a empresa, em benefício da catarinense. A Tecnosweb ainda pretende solicitar um mandado de segurança contra a Prefeitura e apresentar denúncia no Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul.
A concorrência, que se arrastava desde 2016 e terminou em agosto, previa licença de uso de sistemas integrados e abrangia toda estrutura da Prefeitura Municipal. Desde 2017, o edital foi suspenso três vezes e passou por três alterações. O contrato com a vencedora é de aproximadamente R$ 1, 2 milhão.
No MP já consta a resposta da Prefeitura às alegações da Tecnosweb. O promotor Alécio Nogueira notificou a empresa para se manifestar em 10 dias úteis acerca das justificativas do Poder Público, bem como informar a promotoria sobre eventuais medidas judiciais adotadas.
Mudança na nota inicial
Para o advogado da Tecnosweb, Daison Laurence Wobeto, inicialmente a Comissão buscou desclassificar a empresa por um motivo fútil: a apresentação do sistema nos ambientes Linux e Windows. “Como o sistema rodava via internet, independe da plataforma. Por isso eu fiz um recurso nesse sentido, contra nossa desclassificação, e eles vieram com um motivo diverso para nos desclassificar uma segunda vez”, explica.
Além disso, uma das obrigatoriedades era que as concorrentes apresentassem uma série de itens e cumprissem com 75% das exigências técnicas do edital, no teste de conformidade.
Wobeto conta que a Comissão inicialmente havia classificado a Tecnosweb nesta etapa com 75,1%, mas após baixou a nota para 74,52%, menos que o mínimo necessário para a classificação. “Essa foi nossa principal perplexidade. Depois de ter ganho no preço, fomos desclassificados duas vezes por motivos diversos. Chegamos à conclusão que mesmo que estivesse tudo ok, nós não nos classificaríamos”, expõe o advogado.
No dia 9 de outubro, a coordenação da CTEC, da Prefeitura, enviou um ofício ao prefeito Guilherme Pasin. No documento consta que a decisão foi revista com base em um recurso apresentado pela empresa Ábaco Tecnologia, outra participante da licitação, e que “este foi o real motivo da desclassificação”. “Quer dizer que o motivo apresentado anteriormente não era real?”, contesta Wobeto.
O advogado ainda argumenta que o recebimento do recurso, que teria levado à desclassificação da Tecnosweb. aconteceu fora do prazo final e do horário de funcionamento da Comissão de Licitações, da Secretaria de Finanças. “Eles tinham até às 16h para enviar e eles enviaram às 20h. Isso deveria ser rejeitado de pronto, porque fere o princípio de isonomia. Se eu permito que uma empresa apresente fora do prazo, tenho que permitir que todas apresentem”, justifica.
“Avaliação tendenciosa”
Ao longo do processo licitatório, representantes da Tecnosweb ficaram com a percepção de que a avaliação da Comissão Especial foi diferente entre as empresas. Segundo eles, enquanto duas das participantes tiveram o sistema sabatinado pela equipe de avaliação, a IPM Sistemas foi avaliada rapidamente – se comparada às outras – e sem entraves.
A concorrência previa um teste de conformidade objetivo, ou seja, as participantes apresentam na prática o que o sistema pode ou não fazer. De acordo com o diretor Gilmar Baldasso, a Tecnosweb foi analisada a partir de cada tópico exigido no edital, enquanto a IPM Sistemas não teve nenhum questionamento relacionado aos 34 itens obrigatórios. “Nós fomos submetidos e respondemos ao que o edital previa, mas com a outra empresa pareceu uma demonstração”, compara.
Baldasso entende ainda que a Comissão percebeu que não poderia desclassificar com o argumento dos ambientes e, por isso, buscou outra justificativa. “Eles nem responderam, nem questionaram nosso recurso”, argumenta.
Ainda de acordo com ele, desde o início do processo o presidente da Comissão Especial demonstrou não estar sendo correto na avaliação. “Se mostrou tendencioso, ele estava fazendo isso aqui (mostra uma foto onde o presidente supostamente aparece navegando na internet durante a avaliação, que está anexada ao processo)”, enfatiza.
Administrador da IPM foi condenado por fraude em 2017 e inocentado no mesmo ano
O administrador da empresa vencedora da licitação, Aldo Luiz Mees, havia sido condenado por fraude em 2017, mas outra decisão judicial, alguns meses depois, reverteu a condenação. A sentença do juiz Celso Fialho Fagundes, da Vara Judicial de Candelária, publicada no dia 23 de janeiro, apontou que a empresa em questão foi favorecida em dois procedimentos, entre 2005 e 2006, e condenou também o ex-prefeito Lauro Mainardi e o ex-secretário Bernardo Rizzi.
A investigação do MP que embasou a decisão de Fagundes começou ainda em 2009 e apontou uma série de atos que teriam sido praticados com o objetivo de evitar que outras empresas participassem da licitação, para garantir a vitória da IPM. De acordo com a denúncia do MP, a empresa tinha uma filha de Rizzi entre seus funcionários. Na época, o ex-secretário era responsável pelo setor de licitações da Prefeitura de Candelária. Em outubro de 2017, o processo foi arquivado com a justificativa de que o Estado não pode punir na ausência de exercício, conforme prazo legal.
Prefeitura nega todas as denúncias da Tecnosweb
A Prefeitura, por meio da CTEC, nega todas as denúncias apresentadas pela empresa Tecnosweb. Também responde que não havia relação anterior entre a IPM Sistemas e Poder Público ou com algum servidor envolvido na licitação.
Questionada sobre a alegação de que a IPM Sistemas teria sido beneficiada ao longo do processo licitatório, o Poder Público alega que em nenhum momento ocorreu favorecimento e que quem tem que provar isso é a empresa. Eles ainda adicionam que “o município respeitou todos trâmites legais” e que “nos processos licitatórios é comum os desclassificados fazerem alegações infundadas, sem base técnica e legal, como no caso em questão”.
Sobre a denúncia de que o teste de conformidade da IPM teria sido facilitado, a Prefeitura responde que “não aconteceu” e que “a denúncia é caluniosa e sem provas de favorecimento”.
Com relação à foto apresentada pela Tecnosweb, citada na denúncia ao MP, que supostamente mostra o presidente da Comissão Especial navegando na internet ao longo da avaliação, a Prefeitura alega que “a comissão é composta por cinco servidores de áreas essenciais do Município e o teste não é acompanhado apenas pelo Presidente” e também que “servidores das áreas afins que estavam sendo demonstradas também acompanharam os testes”.
Sobre a afirmação da Tecnosweb de que o recurso que motivou sua desclassificação foi aceito pela Comissão fora do horário de expediente, quando o prazo já havia vencido, o Executivo alega que essa é “mais uma alegação improcedente, porque o recurso da empresa Ábaco, ao qual foi dado procedência para desclassificar a empresas denunciante, foi encaminhando por e-mail antes das 23h59min, que é o prazo legal para interposição das razões”.
A reportagem também questionou a Prefeitura sobre a existência de uma possível relação anterior entre o Poder Público ou algum servidor envolvido com a licitação e a empresa vencedora. Em resposta, o Poder Público alega que “não existe qualquer relação anterior”.
Sobre a condenação do diretor da IPM por fraude, em 2017, que teve o processo arquivado poucos meses depois, a reportagem questionou se algo parecido poderia estar ocorrendo no município. A Prefeitura alega que não acredita e não compactua com fraude.
O Semanário também tentou contato com a IPM Sistemas. A empresa foi questionada sobre as alegações de favorecimento e sobre alguma possível relação de membros do Executivo com a empresa. A empresa também foi perguntada sobre o processo por fraude, em Candelária. Até o fechamento desta edição, a IPM Sistemas não havia respondido aos questionamentos da reportagem.
Resposta da Prefeitura ao MP
- Com relação à alegação de improbidade administrativa do diretor da empresa IPM Sistemas, verificou-se que a empresa apresentou documentação de habilitação de acordo com a legislação, cumprindo os requisitos legais obrigatórios.
- Com relação à alegação do presidente da Comissão ser omisso nos testes, a Comissão Especial de licitação valeu-se de equipe técnica de cada área envolvida, para avaliação dos sistemas correspondentes, cabendo a cada integrante de sua área de conhecimento a avaliação dos sistemas afins.
- Causa da desclassificação da Tecnosweb foi não ter atingido o percentual de 75% dos itens opcionais e o não cumprimento de 100% dos itens obrigatórios.
- Quanto à exigência do teste de conformidade para as três empresas habilitadas, o Poder Público alega que foi cumprido estritamente a previsão contida no edital.
- O processo vem sendo impugnado desde 2016, o que ocasionou diversas alterações do edital e consequente retardamento das fases licitatórias.
- A Comissão Especial se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos ao MP.
Parlamentar pede explicações
Ao mesmo tempo em que o procedimento começa a ser investigado no MP e a empresa sinaliza buscar outras medidas judiciais, o vereador Moacir Camerini (PDT) solicitou informações à Prefeitura com relação à concorrência. Segundo ele, há suspeita de que houve beneficiamento de outra concorrente da licitação. “Pretendo fazer algumas diligências”, afirma.
De acordo com o edital, o objeto da licitação consistiu “na contratação de serviços especializados de informática, por meio de licença de uso dos sistemas integrados, específico para gestão pública municipal”. A vencedora terá que cuidar da “instalação, implantação, capacitação da equipe de servidores da Prefeitura responsáveis pela utilização dos Sistemas e suporte técnico, já inclusas alterações legais e manutenções corretivas se houverem, incluindo a migração de dados dos sistemas ora em uso, desde que compatíveis e disponibilizados”. Além de toda estrutura da Prefeitura, os sistemas também precisam incluir o Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor Público Municipal (Fapsbento), Fundação Casa das Artes e Câmara.