É com as unhas sujas de terra, queimada do sol e cansada depois de um dia árduo de trabalho na roça, que Viviane Lerin pega duas folhas de papel e inicia a fala em frente a outras tantas mães e pais que estão em busca de uma solução para o fechamento da Escola Estadual de Ensino Fundamental São Pedro. O pedido era de união, feito por uma comunidade que anseia manter em funcionamento uma escola rural voltada para que os costumes e culturas de um povo sejam mantidos, mesmo depois da expansão expressiva da urbanização.

A súplica foi feita no final da tarde de quarta-feira, 1º de março, depois que, há mais de dez dias, os filhos destes produtores estão sem aula. As crianças estão matriculadas na Escola São Pedro, mas não há aulas e as duas professoras que trabalhavam na localidade foram transferidas para outros dois educandários. Segundo o relato dos pais, o martelo ainda não foi batido, mas a 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) garantiu que não há possibilidade de manter o local aberto devido aos altos custos.

A coordenadora adjunta da CRE, Margarete Bottega, questiona: “como faz para gerenciar tudo isso? Sendo que há dois professores, nove alunos, precisamos de dinheiro e ainda por cima não tem quem fique na administração…”. Ela salienta que há mais de dois anos o assunto é tratado dentro da Coordenadoria, e garante que a intenção nunca foi de fechar os portões do único colégio da comunidade. “Eu preciso que eles me entendam, não há condições de manter algo que está dando prejuízo. Sem falar que nenhum professor quer trabalhar tão longe, principalmente porque é uma carga horária altíssima e uma responsabilidade muito grande”, afirma Magarete.

O medo de perder a essência do ensino rural é a maior preocupação dos pais. Entretanto a coordenadora adjunta da CRE expõe que o ideal seria mudar as políticas do campo. “Tem que haver novos modos de ensinar as crianças a importância delas, depois que crescerem, se manterem com o foco total na agricultura. Não precisa ser a escola a única a instruir esse tipo de comportamento”, destaca.

O problema ocorre desde 2016

No dia 3 de dezembro do ano passado, o Semanário relatou que desde aquela época havia problemas quanto à garantia de que a escola se manteria em funcionamento em 2017.

A conversa que a reportagem teve com os alunos e professores quando esteve na localidade, retrata o sentimento que a comunidade está vivendo até hoje. “A essência do trabalho rural pode ser extinto”, relatou, na época, a professora Eni Parisotto Lerin.

Ainda em 2016, a Eni salientou que as responsabilidades que envolviam a direção da escola estavam divididas entre ela e a coordenadora adjunta da 16ª CRE, Margarete Bottega Tomasini. Por funcionar apenas em um turno, a professora acumula 20 horas nessa função e mais 10 nas funções administrativas. “É muita coisa para pouco tempo, especialmente a parte burocrática”, afirmou a professora.

O funcionamento em turno único ocorre na escola desde 2015, quando havia 35 estudantes. Antes de 2014, a escola chegou a ter mais de quarenta alunos. O educandário conta com o apoio da Associação Caminhos de Pedra e há um movimento para torná-la patrimônio de Bento Gonçalves.

“Fechar uma escola é um retrocesso para a sociedade”
Em alto e bom tom era fácil de ouvir a comunidade de São Pedro que se reuniu em frente à escola do distrito no dia 1º de março, falando: “Nós vamos lutar para que o ensino rural continue”. Mais de trinta pessoas estavam lá em busca de um solução para o caso que já se estende há mais de um ano. Para Viviane Lerin, mãe de dois meninos que estudam no Jardim B, não há como comparar estudo urbano e o rural para quem já vive na localidade e vivencia diariamente as atividades do campo. “Eu sinto que eles vão perder muito. Mal consigo explicar e, às vezes, prefiro não pensar nisso, pois ainda tenho esperança que eles possam continuar aqui”, relata.

A mãe dos gêmeos não consegue explicar, mas a pró-reitora de extensão do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Viviane Silva Ramos, tem uma definição que considera bem clara quando o assunto é o fechamento de uma escola. “É um grande retrocesso, uma desvalorização da educação”, comenta a professora.

Um educandário rural, segundo a pró-reitora, quando criado, foi pensado exatamente para que conseguisse atender a demanda da comunidade em que está inserido. “No movimento em que é feito, quando uma criança é deslocada para uma escola urbana, se perde muita coisa, muitas essências, histórias, culturas…”, observa Viviane.

A professora do IFRS garante que há outras formas de conseguir contornar uma situação complicada como a que a Escola de São Pedro está vivenciando. “É inadimissível quando um professor fala que uma escola precisa fechar. Jamais, alguém que está envolvido com educação pode dizer que esta é a única solução. Por que o Estado não deixa de gastar com propagandas, por exemplo, e matém algo que existe há mais de 100 anos e que é de suma importância para a formação de seres humanos?”, questiona. 

Falta professor, sobra problema

Na quarta-feira, 1º de março, a Escola Municipal Toque de Carinho, recebeu pais indignados com a situação em que se encontravam os primeiros dias de aula. Os alunos chegaram para iniciar as atividades, mas os pais se depararam com uma situação que os preocupa muito, principalmente quando se trata de crianças de quatro anos, a falta de professor.

Juciane Krachinski lembra que os pequenos ficaram por mais de 20min sozinhos aguardando na sala de aula que um responsável aparecesse. “Eu até trago meu filho para assistir filme e brincar com os colegas, mas o principal é que ele inicie a educação básica e do jeito que está isso não vai acontecer, pois não há um encarregado da área de educação para ensiná-los”, reclama Juciane.
A reportagem do Semanário ficou pouco mais de 30min junto com pais em frente ao portão principal que dá acesso ao educandário, e nesse meio tempo, muitas crianças foram embora acompanhadas dos responsáveis, pois, segundo o que Juciane garante, eles estão mais bem protegidos em casa do que no local. “A gente não sabe como as coisas vão acontecer daqui pra frente, eu escutei muitos pais dizerem que não vão trazer os filhos até que a situação seja normalizada. Eles são ingênuos e muito pequenos para ficarem desacompanhados”, comenta.

A secretária de educação Iraci Luchese Vasques garante que até o dia 14 deste mês a situação estará normalizada na escola e pede paciência aos pais. “Já chamamos mais de 79 professores concursados. A burocracia impede que a posse seja agilizada, mas estamos trabalhando para tal. É preciso um pouco de calma, pois esta não é a situação apenas da Toque de Carinho, há outras em dificuldades, pois é início de ano letivo”, comenta a secretária.

Leia mais na edição impressa do Jornal Semanário deste sábado, 4 de março de 2017.