Um fato que abalou o País. Que escandalizou as redes sociais e fez com que mulheres se unissem em prol de uma ação e, também, de uma modificação. Um caso de estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro provocou comoção da população. Mas não pense que casos de violência sexual acontecem somente em estados ou cidades mais distantes que as nossas. Em Bento Gonçalves a cada seis dias, uma mulher sofre abuso e atualmente o Centro Revivi atende três casos oficias de estupro e também recebem, quase diariamente, denúncias de violência contra mulher. Além disso, na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), foram registrados 278 Boletins de Ocorrência (BO), 116 medidas protetivas, 12 mandados de busca e apreensão, 10 prisões e 30 abusos somente em 2016. Entretanto, a comunidade tem tentado compreender e extinguir a cultura de que o sexo feminino pode, ainda, continuar sofrendo sucessivos ataques.

O caso do Rio de Janeiro aconteceu há três semanas e fez reacender a discussão sobre o porquê as mulheres ainda sofram tanto com violência. Mas infelizmente as estatísticas oficiais são apenas parte da realidade. O número de vítimas é, muitas vezes, maior. “Muitas mulheres ainda tem medo de denunciar, de chegar até uma delegacia, um centro de ajuda, para ir contra aquele agressor”, relata a Coordenadora dos Direitos da Mulher e do Centro Revivi, Regina Zanetti. A situação fica ainda mais complicada de ter intervenção policial, quando o estupro acontece dentro do ambiente familiar, o que, segundo a Delegada Deise Brancher, acrescenta ser, inclusive, mais comum. “80, ou até 90% dos atendimentos que fizemos, dos registros que temos, são de mulheres que foram violentadas sexualmente por um parente próximo, até mesmo pelo marido. Quando são jovens, ou vulneráveis (menores de 14 anos), os dados mostram que tios, padrastos, ou avôdrastos, são mais comuns”, salienta Deise.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ocorrem cerca de 500 mil estupros por ano no Brasil. Outro dado preocupante é que 90% desses casos (ou seja, cerca de 450 mil) não registram boletins de ocorrência. E isso acontece por diversos motivos: medo, insegurança, sensação de impunidade, vergonha, entre outros. Por conta disso que Bento tem um Centro de Referência da Mulher, que auxilia e dá assistência, mostrando às vítimas que, muitas vezes, não é preciso ir diretamente à delegacia, para sentir-se acolhida. “Aqui é um lugar seguro, sigiloso, que elas podem chegar e conversar, chorar, contar as dificuldades e voltarem sempre que quiserem ou precisarem. Às vezes tenho impressão que elas têm medo da DEAM, mesmo que não precise, o fato de estar na delegacia já às assusta, então no Revivi não há o que temer, é possível, inclusive, não envolver a polícia e apenas conversarmos. Isso ajuda muito as mulheres”, garante Regina.

A promotora de Justiça, Vanessa Bom Schimidt Cardoso, acredita que o número de casos de estupro, de que podem ser vítimas mulheres e também homens, meninas e meninos, independente de idade e classe social, decorre justamente da falta de educação, de prevenção e de punição. “Sabe-se que os crimes sexuais são crimes em que há certa vergonha, constrangimento das vítimas em narrá-los, em se exporem – o que pode, talvez, fazer com que esses crimes ocorram em mais oportunidades, especialmente quando praticados por alguém das relações, da família da vítima”, salienta a promotora.

Quando uma mulher vira uma vítima, ela precisa de ajuda. A psicóloga Daniela Tremarin, garante que é necessário trata-lás com o respeito e a sensibilidade humana de quem passou por uma violência. Ter apoio familiar ou de amigos também torna-se imprescindível para, em que se sentindo amparada, possa tomar as providências necessárias policial e de saúde da mulher. “Infelizmente, as marcas deixadas por esta violência não podem ser apagadas. Algumas mulheresm, se esses agressores não se manterem, impunes apresentam mais condições de retomar sua vida e elaborar o acontecido. Mas a grande maioria viverá com esta dor para sempre”, garante Daniela.

Mas a sociedade ainda julga o sexo femino e por conta disso, torna-se mais difícil encarar o mundo novamente depois de algum abuso. “A tendência é esconder o fato pelo imenso receio de atitudes preconceituosas da sociedade. Infelizmente ainda hoje, há pouca compreensão e muitos julgamentos ruins dessas mulheres que deveriam ser tratadas como vítimas e não como culpadas”, finaliza a pscicóloga.

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