Apesar de uma queda no volume, produção deste ano é exaltada por enólogos e produtores pela qualidade

Nem a crise desencadeada pela pandemia do novo coronavírus e tampouco a considerável quebra na safra foram suficientes para tirar o otimismo do setor vitivinícola, o qual, unanimemente, diz estarmos diante de um momento histórico. Isso porque, perante a qualidade apresentada por todas as variedades de uva deste ano, a expectativa dos especialistas mais moderados é de que a safra de 2020 seja a melhor da Serra Gaúcha desde 2005, enquanto que os mais empolgados vão além, e não medem palavras, ao afirmar que esta pode ser a melhor da história.


O Presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Daniel Salvador, é um dos que pertence ao segundo grupo. Afinal, para ele está é simplesmente a “safra das safras”. “Tivemos boas safras em 2012 e 2018. A de 2005 até hoje está presente, citada como uma safra solitária. Ela era um marco, tinha o título da safra das safras, mas acho que acaba de perdê-lo”, sublinha animado.


Consenso entre os enólogos, de acordo com Salvador, a qualidade da uva apresentada neste ano está “acima da curva conhecida até então”. O principal fator para o sucesso vem da recente estiagem, mas isso não é tudo. Para além das forças da natureza, o presidente da ABE assinala também a importância da ação humana, a qual se aperfeiçoou ao longo dos últimos anos. “Estamos vivendo um ano atípico em que as condições meteorológicas foram coisa de cinema. Mas não é só a seca que define a qualidade. O que houve foi a condição para a vinha trabalhar e também para o produtor manejá-la da melhor forma possível. Sempre tivemos uma enologia contemporânea, ligada às novidades e sem medo de fazer testes e criar novos caminhos. E todo esse esforço parece que foi coroado pela ação natural neste ano”, justifica.

“Em 2018, por exemplo, as condições não foram muito boas para as variedades precoces, mas favoreceu as últimas uvas como a Tannat. Já em 2020, todas uvas foram colhidas no ponto de maturação ideal. Se você quer fazer vinho para envelhecer, esse é o ano ideal. Se você quer produzir um vinho jovem com mais nuances, esse também é o ano ideal”, exclama, Daniel Salvador

Do alívio a uma grande perspectiva

Se de janeiro até o fim da vindima, a natureza cooperou com a safra, as condições não foram tão positivas ao longo de todo o ciclo produtivo. Conforme explica o presidente da Comissão Interestadual da Uva e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, as dificuldades iniciaram logo no começo da produção, no inverno. “A chegada tardia do frio dificultou a brotação. Na estação seguinte, o excesso de chuvas de outubro prejudicou a polinização e ocasionou doenças. A seca ao longo de dezembro, por fim, fez com os grãos ficassem menores e secou algumas variedades”, sublinha. O resultado dessa sequência de fatores foi sentido na colheita: uma quebra de 25% a 30% na produção.

Quando, no futuro, abrirmos uma garrafa de 2020, vamos lembrar que é daquela colheita e daquele tempo que proporcionou tamanha qualidade. O vinho, espumante ou suco elaborados agora, sem dúvidas, vão guardar a lembrança de terem sido produzidos em um ano histórico”, Luciano Rebelatto


O desfecho, porém, poderia ter sido muito pior. Com todo seu trabalho e lucro dependendo da boa vontade da natureza, alguns produtores chegaram a conviver com a ideia de que não teriam o que colher. “Ficamos com muito medo, pois quem colheu antes da chuva de janeiro teve uma uva muito ruim, seca, sem qualidade. Mas depois o panorama mudou completamente. A seca, que era um mal, acabou sendo bem-vinda e ajudando muito. É uma safra histórica. Perdeu-se dinheiro com a quantidade, mas foi recuperado com a qualidade da uva, a qual foi lá para cima. É uma safra para comemorar”, relata o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Garibaldi, Boa Vista do Sul e Coronel Pilar, Luciano Rebelatto. Ele sublinha ainda que, enquanto produtor, essa é a melhor colheita que já fez. “Nunca vi isso antes. É a primeira vez que colhi uva comum com 18, 19 graus. Ano passado essas mesmas variedades deram 12. É uma safra que vamos lembrar por muito tempo”, vibra.

Assim como Rebelatto, o produtor bento-gonçalvense, Juliano Zottis, 34 anos, que cuida de 8 hectares — sendo 2,5 próprios e o restante arrendados —, no Vale dos Vinhedos, também sublinha a qualidade da uva deste ano, sejam de variedades comuns, como Isabel e Moscato, ou vitiviníferas como a Cabernet, Alicante, entre outras. “As mais finas atingiram 22 graus. Já a Moscato, por exemplo, chegou à 19, enquanto que no ano passado não tinham passado de 14”, sublinha.

Terceira geração à frente do negócio da família e há cerca de 20 anos trabalhando com uva, Zottis é categórico ao declarar que nunca antes havia visto uma safra igual. “Não tenho muitas recordações da adolescência, mas o pessoal mais velho também comenta que é uma das melhores que já viram. Desde que me lembro, eu jamais vi chegar em um nível de açúcar e de qualidade assim”, finaliza.