Caiu no linguajar popular, em debates de redes sociais e para negligenciar bandeiras legítimas. A expressão “mimimi” surgiu na animação politicamente incorreta “Fudêncio”, transmitida pela MTV Brasil nos anos 2000. É usada para remeter ao choro, para tentar diminuir a manifestação de alguém, tornando aquilo “frescura” e “reclamação sem sentido”. Você já deve ter ouvido, basta alguém levantar o dedo contra uma escolha que deveria ser unânime para ouvir tal interdição.
Atribuir qualquer discordância a “mimimi” é o mesmo que confessar, em voz alta, que não estamos dispostos a ouvir, ser empáticos ou melhorar nosso argumento. Um atestado assinado de burrice. Muitas vezes mostra que não temos o menor respeito e consideração por uma história, sofrimento, escolha de alguém. É mais fácil conotar frescura ao argumento que rever nossas posições.
Hoje não se sabe mais classificar a expressão, porque as pessoas consideram “mimimi” tudo o que elas não praticam/acreditam/querem entender. Só para ilustrar, o presidente usa a expressão para criticar o feminicídio: “Parabéns a todas as mulheres do Brasil porque eu defendo a posse de armas de fogo para todos, né? Inclusive vocês, obviamente, as mulheres. Nós temos de acabar com o mi-mi-mi…” Imaginem agora a minha cara igual a do Aaron Bailey (Miko Hughes, na série Três é Demais, dos anos 90).
Não dá para desclassificar a expressão ou dizer que tudo é uma questão de uso por acéfalos. Assim como quando surgiu o termo “Vamos? Vamos!”. Gente, adoraria ir em todos os lugares com vocês. Mas alguns fatores nos impedem de concordar com tudo, como situação econômica, psicológica, familiar e, talvez, a mais relevante, NÃO SOU OBRIGADA.
Veja como distorcemos os termos criados, como demonizamos eles ao longo do tempo. Sobrecarregamos de significado e distorcemos como um telefone sem fio, até ele tornar-se digno de substituir palavras do dicionário. E se fossem só as palavras.
Não posso mais ficar em casa para trabalhar, para assistir uma série, não posso mais me sentir cansada, não posso dizer não a alguém, não posso ser ética, não posso me sentir inferiorizada, não posso ter meus motivos. Mulher cheia de “mimimi”. Não somos vistas assim sempre, só quando lhes convém: “…Acabar com essa história de feminicídio, que, daí, com arma na cintura, vai ter é homicídio, tá ok? Valeu, felicidades!”
‘Talkey’.