Capital Nacional do Vinho dispõe de diversas oportunidades de trabalho, que muitas vezes, pela falta de profissionais capacitados, não conseguem ser preenchidas

Bento Gonçalves é conhecida por ser uma cidade que atrai muitas pessoas que vem de outros municípios em busca de trabalho. Enquanto no Brasil a taxa de desemprego é de 8,7% e no Rio Grande do Sul o índice gira em torno de 6%, na Capital Nacional do Vinho, menos de 1% da população está desocupada. No entanto, apesar de muitas ofertas de emprego, entidades, empresas e o poder público tem trabalho para resolver um problema no âmbito do mercado de trabalho: a falta de mão de obra qualificada. Diversas vagas, que exigem capacitação, não conseguem ser preenchidas, o que interfere em toda a cadeia produtiva.

Entendendo esse cenário, no ano passado, o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG) iniciou, em agosto, o projeto Qualifica Bento, com o objetivo de aperfeiçoar profissionalmente funcionários de empresas interessadas em capacitar suas equipes. Nesses quatro meses de operação foram realizados quatro cursos: Planejamento, Programação e Controle de Produção (PPCP); Programação e Operação de Torno e Centro de Usinagem CNC; Tecnologias e Processos de Usinagem Convencional e Comandos Elétricos. Ao todo, foram 51 alunos formados. Os trabalhadores vieram, principalmente, das indústrias metalmecânica, metalúrgica e moveleira.

Conforme a presidente do CIC-BG, Marijane Paese, essa é uma pauta muito importante para o município. “Existe muita demanda por mão-de-obra qualificada, pois ela é extremamente valiosa. Além de suprimir a necessidade das empresas, a qualificação profissional ajuda a diminuir e rotatividade e, também, é um facilitador para a ocorrência da inovação. O colaborador qualificado produz mais e melhor, o que ajuda as empresas a ganharem no custo x benefício”, aponta.

Segundo Marijane, os benefícios já começaram a ser sentidos. “Atendemos a pontos críticos de mão de obra específica que tinham grande necessidade por parte das empresas, diminuindo a falta de profissionais nessas áreas. O Qualifica Bento entregou ao mercado, por exemplo, 12 torneiros mecânicos prontos para o trabalho. Esse é um número muito expressivo no contexto das indústrias locais, na amplitude do que isso representa por se tratar de um profissional especifico para trabalhar com máquinas. Certamente o impacto foi positivo”, analisa.

Em novembro de 2022, mais um passo foi dado e o Qualifica Bento virou lei. Com isso, o poder público ficou autorizado a conceder a pessoas desempregadas a oportunidade de frequentar cursos profissionalizantes e, assim, capacitá-los ao mercado de trabalho através do programa. Para Marijane, esse elo com a prefeitura é fundamental. “Muito além disso, permite avanços para atingirmos o objetivo do projeto, que é o assistencialismo com contrapartidas, ou seja, contribuir para fortalecer a cultura de que as pessoas precisam, e podem, se dignificar pelo trabalho. O acesso à qualificação profissional é um passo importante para que possam ter a dignidade do trabalho e, por meio dele, melhorar e aumentar suas condições financeiras. O projeto também busca motivar as pessoas que deveriam estar trabalhando a retornarem ao mercado profissional, e nesse contexto, a qualificação é um facilitador de acesso às oportunidades de contratação existentes”, enfatiza.

Para 2023, a novidade é a disponibilização de cursos para outros segmentos econômicos e ampliação da rede de parceiros. “Agora, vamos ter qualificações voltadas para a área da construção civil também, além de ter a parceria da UCS, que se junta ao Senai para ampliar nossa grade de capacitações. Além disso, devemos ter as primeiras ações do projeto de lei surgido através do Qualifica, a fim de promover a qualificação social e profissional a quem mais precisa, criando condições para que essas pessoas ingressem ou retornem a postos de trabalho de forma digna”, finaliza.

Visão do poder público

Conforme a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Milena Bassani, as ações do Programa Municipal de Qualificação Profissional – Qualifica Bento tem início de previsão para fevereiro deste ano. “Ainda depende da realização da compra dos cursos e do processo seletivo das pessoas interessadas”, explica.

De acordo com a titular da pasta, a prefeitura de Bento Gonçalves tem desenvolvido outras iniciativas com o objetivo de inserir pessoas no mercado de trabalho. “Através do Balcão de Oportunidades, com parcerias das empresas e do CIC, disponibilizamos mais de 550 vagas de emprego em 2022 e o que se pode perceber é que para algumas oportunidades mais específicas a falta de qualificação foi um impedimento para que as pessoas interessadas pudessem se candidatar. Esse foi um dos motivos para que se lançasse o Qualifica Bento, onde pessoas sem recursos financeiros, desempregadas, pudessem se qualificar. Existe, também, a iniciativa sendo realizada pela Secretaria de Esportes e Desenvolvimento Social, através do Acessuas, que já vem capacitando as pessoas, destaca.

Setor moveleiro

A presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Gisele Dalla Costa, salienta que a dificuldade para encontrar mão de obra capacitada no setor industrial é um problema estrutural no Brasil e que não vai ser solucionado a curto prazo. “De qualquer forma, as iniciativas de qualificação são importantes e necessárias para começarmos a mudar essa realidade, mesmo que aos poucos”, enaltece.

De acordo com Gisele, o segmento emprega mais de 6.600 pessoas no polo, mas esse número poderia ser maior. “Pelo menos nos últimos dez anos o déficit de mão de obra qualificada é um problema recorrente para as indústrias moveleiras de Bento Gonçalves. Tanto que em alguns momentos as empresas precisaram procurar profissionais de fora da região”, ressalta.

A presidente destaca que a maior dificuldade é para atuação nos processos fabris. “A principal demanda é por conhecimento básico para entender como funcionam essas atividades. Acaba acontecendo um dilema: quem tem qualificação para assumir essas vagas muitas vezes não quer”, comenta Gisele.
Para ela, todos os projetos destinados à qualificação sempre são bem-vindos, principalmente quando ocorrem de modo permanente, não apenas pontual. “É um trabalho constante e quanto mais entidades e órgãos públicos derem atenção a esse assunto, melhor”, frisa.

A perspectiva para 2023 é de uma estabilização da economia, gerando benefícios a todo o meio empresarial, inclusive nas demandas por empregos. “Ao mesmo tempo, planejamos continuar apoiando projetos focados na qualificação profissional, como do CIC-BG, do Senai, da Fiergs, entre outras possibilidades de parcerias público-privadas”, conclui.

Perspectiva da indústria

O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves (Simmme-BG), Juarez José Piva, compartilha da visão que o aperfeiçoamento profissional deve ser constante. “Percebemos que com as iniciativas desenvolvidas pelo CIC-BG ao longo de 2022, alguns pontos abordados quanto as qualificações já deram retornos pontuais. Mas, entendemos que este é um processo que trará efetivamente resultados a médio e longo prazo, pois as pessoas precisam entender que a qualificação é algo contínuo e não apenas circunstancial”, indica.

Piva acredita que a propagação dos projetos também pode potencializar os resultados obtidos. “Os poderes privado e público estão engajados em oferecer oportunidades de qualificação, no entanto o que percebemos é a necessidade de ampliação da divulgação destas iniciativas nos mais variados canais. Muitas vezes recebemos a resposta de que as pessoas não sabiam que estava disponível tal curso, por exemplo”, considera.

Ele exemplifica que, em decorrência da ampla difusão, houve uma ótima participação em uma capacitação fornecida pela entidade. “Um excelente resultado que tivemos em 2022 foram os números alcançados em um dos cursos gratuitos que promovemos em parceria com o Instituto Senai e CIC-BG. Foram 17 formandos, todos já empregados, sendo, destes, quatros já inscritos em mais uma qualificação, o que prova que a busca contínua de qualificação leva as pessoas para um caminho próspero”, evidencia.
Nos setores metalmecânico e de material elétrico, Piva relata a percepção da adversidade recorrente em relação a formação básica dos candidatos, além da qualificação técnica. “Possuímos uma demanda específica na pós-contratação, que é a questão de cálculos e interpretação de desenhos e é neste ponto que enfrentamos algumas dificuldades, pois os colaboradores não possuem a formação adequada para exercerem as atividades cotidianas”, relata.

Para este ano, a entidade dará andamento ao projeto “Plano Mercadológico: Sensibilização para Construção de Estratégias Inovadoras”, oportunizado pela Fiergs e Sebrae RS, através do Programa de Apoio a Projetos Sindicais. “Estamos sempre pensando em oportunizar a qualificação não só aos colaboradores, mas também aos cargos de diretoria, pois acreditamos que em uma empresa a capacitação contínua deva ser foco em todas as estâncias de uma hierarquia organizacional”, complementa.

O presidente acredita que quanto mais entidades estiverem engajadas e colaborativas para este processo mais resultados relevantes serão obtidos. “Percebemos por meio desta Lei a preocupação do município com este assunto e isto repercute no entendimento do quanto isto é importante para uma melhor qualidade de vida das pessoas. Através de uma qualificação melhor, a pessoa também busca pelas melhores coisas para si, e isso gera um ciclo de melhoria, o que também interfere na abertura de novos negócios e no aumento do empreendedorismo”, acentua.

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