A barba ruiva, as mãos e braços tatuados, o moletom largo e o boné na cabeça mostram exatamente com quem a reportagem do Semanário estava conversando. Desde pequeno, Bernardo Dal Pubel, 27 anos, não veste rosa, não usa vestido e nem pinta o rosto com maquiagens. No Jardim Glória, local onde reside, o fotógrafo aguarda ansiosamente pela próxima segunda-feira, 3 de julho, dia em que vai finalizar um ciclo. A voz grossa já adianta “só falta isso, a retirada dos seios vai fazer eu me tornar o homem que me sinto desde os seis anos”. Para um universo estimado de 752 mil transexuais no Brasil, Bernardo é mais uma pessoa que, após se perceber de um gênero diferente do que lhe foi atribuído no nascimento, passa a enfrentar uma verdadeira luta para viver sua identidade.

O que está em jogo para o jovem Dal Pubel não é apenas olhar-se no espelho e conseguir reconhecer-se fisicamente como homem, a questão que faz com que acorde diariamente disposto a lutar por seus direitos e de outros grupos LGBT’s é mostrar à sociedade que o gênero não é definido apenas pelos cromossomos. “Na escola aprendemos que uma menina é XX e um menino XY, mas na verdade, não são esses dados que confirmam como realmente a pessoa se sente no corpo em que habita”, observa.

O fotógrafo ressalta que ao nascer foi considerado uma menina, mas que nunca se sentiu dessa maneira. “Quando me olhava no espelho não dizia ‘me sinto como um menino’, mas sim ‘eu sou um menino’. Não é uma questão de sentimento e sim de pertencimento”, confessa.

Conservadorismo da sociedade

Um tema ainda considerado tabu para a sociedade, faz com que a questão da homofobia não avance no Congresso devido ao conservadorismo que marca a atual legislatura, é o que acredita o sociólogo e professor Guilherme Howes. “Tratar das questões do gênero e da sexualidade causam desconforto principalmente pela falta de informação e formação da classe política e da sociedade em geral. Mas o que torna ainda mais difícil o avanço de debates deste tipo no Congresso é o altíssimo número de congressistas ligados a setores religiosos”, constata.

Para o professor, a explicação que pode ser dada aos assustadores números de homicídios de transexuais no Brasil (A cada 25h um pessoa é assassinada no país) é que atualmente estão inseridos em uma sociedade cujo padrão social é de um homem branco. “É um modelo civilizatório, um protótipo de existir histórica e juridicamente legitimado. Vemos este padrão na lei, na história social, na linguagem, na publicidade, na educação. Assim, somos socialmente misóginos, racistas e homofóbicos”, observa o sociólogo.

O preconceito anda lado a lado com a comunidade LGBT. Dal Pubel, que aguarda há quase um ano por sua nova carteira de identidade, utiliza diariamente a carteira social, mas garante que as pessoas ainda não estão preparadas para lidar com as diferenças. “É proibido dizer o nome antigo da pessoa em voz alta, e está escrito atrás do cartão, mas comumente acontece comigo. É muito triste, até porque basta me olhar para ver que sou Bernardo”, conta.

A namorada Jadye Berwing, 22 anos, que há nove está ao lado do fotógrafo, lembra que a transição não foi fácil. “O caminho foi longo, os dias em que precisávamos aplicar a testosterona (foto ao lado), eram dolorosos, mas sabíamos que seria por um bem maior”, relembra.

A tatuadora recorda quando começou a entender que o namorado sempre esteve realmente no corpo errado. “Ele era homem, sempre foi. Só precisava de algo, no caso os hormônios, que mostrassem como ele ia se reencontrar e saber seu lugar certo”, comenta Jadye.

Já Dal Pubel expõe que sempre se sentiu como um quebra-cabeça com as peças separadas. “Sei que após a cirurgia, elas vão se juntar e vou estar completo. Só falta isso para me ver montado completamente”, finaliza o jovem.