Em 18 de março, Bento Gonçalves confirmava o primeiro paciente infectado pelo novo coronavírus (Covid-19). Dois meses e poucos dias depois, o município registra 610 casos e 13 óbitos.

De acordo com o secretário Municipal de Saúde, Diogo Segabinazzi Siqueira, esse aumento se deve aos inúmeros testes rápidos aplicados na cidade. “Há ainda a progressão natural da doença. Como já temos um número significativo de cidadãos contaminados, a tendência é que tenha ainda mais, por isso a importância do distanciamento (social) e das normas sanitárias”, esclarece.

Os testes rápidos começaram a chegar em Bento na segunda quinzena de fevereiro. Ao todo, a cidade adquiriu mil doses, dois mil foram recebidos do governo do Estado e, ainda, os PCR’s. “Já utilizamos mais ou menos 1.500 testes e a grande maioria é sintomática. Seguimos neste trabalho de testar todos os pacientes, essa é a forma que a gente escolheu e é baseado no protocolo da Coreia do Sul”, destaca o Gestor.

Boa parte da testagem para a doença é realizada em laboratórios particulares. Com a nova Portaria n° 318/2020 da Secretaria de Saúde do Estado, publicada no dia 15 de maio, os serviços de saúde são obrigados a notificar imediatamente ao Estado todos os casos de Síndrome Gripal, hospitalizações e óbitos, além dos resultados de todos os testes rápidos de qualquer procedência. “Essa semana começaram a chegar muitos resultados de laboratório particular de fora da cidade. Aqui todos os positivos estavam sendo cadastrados, mas tem teste feito fora que não conseguíamos localizar, agora isso vai ocorrer”, sublinha. Comprovando a fala do Secretário, o boletim atestou na sexta-feira, além dos 15 novos casos, a inclusão de 61 que não estavam contabilizados para o município.

Ainda conforme Siqueira, os casos não se restringem mais a apenas um ponto específico do município, mas, atualmente, estão distribuídos em todos os bairros. “No início, tínhamos alguns bairros mais afetados, mas hoje já uma característica viral em toda a cidade”, pontua.

O pico de casos registrados do novo coronavírus se deu no mês de maio, passando de 107 casos no dia 1º para 196 no dia 8, uma ascensão de 83,18% (conforme tabela ao lado). “Existe obviamente uma previsão de aumento de casos, não trabalhamos com a hipótese de diminuição em junho, mas acreditamos que a gente chegue a um pico e uma tendência de estabilização”, pondera Siqueira.

Ranking no Estado

Até a última atualização da Secretaria do Estado, na sexta-feira, 29, a Capital do Vinho ocupava o quarto lugar em números de casos registrados, ficando atrás de Lajeado com 1.210; Passo Fundo, 678; e de Porto Alegre, 605. Os dados ainda mostram que a incidência na cidade é de 488.1 casos para cada 100 mil habitantes.

O que dizem os especialistas

A reportagem do Jornal Semanário conversou com dois pneumologistas locais para entender quais os danos que a Covid-19 causa ao sistema respiratório.

Jornal Semanário: Como a Covid-19 afeta os pulmões e quais os danos ao trato respiratório?

Adriano Müller: A maior parte dos pacientes não tem acometimento pulmonar. Mas, dos pacientes que apresentam, há pneumonia, geralmente são pequenas e localizadas, e podem ter as extensas que acometem boa parte do pulmão. Nas mais graves, os pacientes vão para a UTI e ficam sob ventilação mecânica. Esta inflamação que o coronavírus causa não deixa que os brônquios trabalhem, que tenha troca entre oxigênio e gás carbônico, fazendo com a pessoa consiga respirar bem menos. Também há outro tipo de acometimento pulmonar que são as microtromboses e temos vimos bastante nesses pacientes.

Alexandre Pressi: Acontece pela migração do coronavírus por trato respiratório inferior. Quando chega, provoca uma reação inflamatória, fazendo com que haja o aparecimento de locais isolados de secreção, de aprisionamento de ar. Então, todo aquele ar que a gente respira, não consegue ser absorvido de forma adequada pelos pulmões e, consequentemente, acaba indo pouco ar para os órgãos vitais, como cérebro, coração e rins.

“O grande problema que vamos passar é como diferenciar de outros vírus”
Adriano Müller

JS: A época influencia muito, pois há outras doenças respiratórias que são desencadeadas. Qual a diferença para essas e o coronavírus?

AM: Nesta época começa a ter circulação de outros vírus, em geral, de resfriados e gripe. O grande problema que vamos passar é como diferenciar esses outros vírus. Geralmente, os de resfriado causam sintomas nas vias respiratórias superiores, da garganta para cima, e as gripes são de um quadro mais intenso, e também podem causar pneumonia. Por isso, que desde o começo da Covid, coletamos exames que fazem triagem de outros vírus em todos os pacientes que consultam e precisam de uma internação hospitalar.

AP: No início se teve a impressão de que o clima frio favorecesse a disseminação do vírus, mas temos que levar em consideração muitos outros aspectos. Se a gente foi ver no Brasil, o acometimento foi maior na região norte, nordeste, Rio e São Paulo. E a região sul, que é a mais fria, notamos um baixo acometimento. Então, não parece que o clima interfira de forma tão significativa assim na patogenicidade desse vírus. Os sintomas são muitos parecidos, não são específicos, e comuns a todas as doenças. A Covid-19, em particular, apresenta uma característica que é anosmia e ageusia (perda de olfato e paladar), e muitos pacientes também migraram com o quadro de diarreia concomitante a problemas respiratórios.

“No início se teve a impressão de que o clima frio favorecesse a disseminação do vírus, mas temos que levar em consideração muitos outros aspectos”
Alexandre Pressi

JS: Quanto ao uso de cloroquina, chegas a receitar para os pacientes durante a fase inicial do tratamento?

AM: Foi uma pena o que houve, uma politização desse aspecto. Temos usado em pacientes com indicação, sem contraindicações, com bastante sucesso. Mas não são em todos, não. Avaliamos caso a caso, se o paciente aceita o tratamento, se tem indicação, além daqueles que participam de estudos do Coalizão Covid Brasil.

AP: Não existe ainda um tratamento específico reconhecido para a Covid-19. Então, todos os medicamentos que utilizamos sejam antibióticos, como azitromicina, ivermectina, que é anti-helmíntico, a própria cloroquina e corticoides, cada um estamos usando em fases diferentes da doença e conseguimos observar efeitos benéficos em algumas situações. Porém, esses casos isolados não servem para definir que o medicamento é eficaz, por ser uma doença nova. Com relação a cloroquina, existe uma divergência mundial contra a sua utilização, mas se formos analisar seu mecanismo de ação, deve ser utilizada, pelo médico que se achar confortável e confiar na eficácia dela, no início da doença, que é onde pode diminuir a replicação viral. Muito embora, quando o paciente está grave, vemos em muitas UTIs a utilização do medicamento quando ele não apresenta uma doença cardíaca significativa, na tentativa de utilizar o medicamento e evitar uma evolução para uma intubação e até mesmo a morte. Particularmente, não estou utilizando em pacientes ambulatoriais (tratados em casa).

Foto capa: Arquivo