Aos 45 anos de idade, o Padre Ricardo Fontana é uma fonte de fé, devoção e solidariedade. Natural de Flores da Cunha, ainda criança escutava o sermão dos padres e já demonstrava a vontade de seguir a vida religiosa. Lembra que aos cinco anos, quando acompanhava os pais na lavoura, passada a hora do lanche, colocava o pano da merenda na cabeça, subia num tronco de árvore e repetia o sermão que tinha ouvido no domingo.

Vocação, sinais, uma relação forte com Santo Antônio e o desejo da matriarca. Fatores que influenciaram, cada um a seu tempo, a vida religiosa de Fontana. A vocação veio de berço pois, desde criança tinha o desejo de ser padre. Os sinais foram dados ao longo de sua infância e juventude. Cresceu numa grande família, unida e religiosa e entre irmãos, tios e primos, e no dia do batismo a avó disse: “quem sabe este vai ser padre”, já que os dois filhos que frequentaram o seminário não seguiram a vida sacerdotal e ela apostou no neto.

No dia 2 de março de 1984, data de seu aniversário, ingressou no Seminário de Murialdo, aos 13 anos, e até hoje tem a vida religiosa como sua grande realização.

Para Padre Ricardo, o maior pecado hoje, e que está no Livro de Gênesis, é a auto suficiência (o hiper individualismo que muitos vivem). “É a pessoa que olha sobre si mesmo e não consegue enxergar os outros. Vive um egoísmo muito profundo. Este é o maior pecado, o contra ponto do egoísmo em relação ao amor. E o amor é a melhor sementinha a se semear nas novas gerações, nas crianças”.

Uma missão que muitos não aceitaram

No curriculum, foram sete anos em Ana Rech, Mestrado na PUC em Porto Alegre, cinco anos vigário em Caxias do Sul, três anos pároco em Carlos Barbosa. Há dois anos, recebeu a missão de assumir a Paróquia de Santo Antônio, em Bento Gonçalves a pedido do Bispo Dom Alessandro. “Seis padres foram consultados e não aceitaram”. Então, coube ao Padre Ricardo vir para o município e iniciar as mudanças que eram necessárias.

Uma das missões do Padre Ricardo junto a Paróquia Santo Antônio é “regastar os jovens”. Segundo ele, é preciso tornar a Igreja mais atrativa para essas novas gerações. “A catequese, por exemplo, precisa passar por uma transformação muito grande e atingir a linguagem destes jovens. Os princípios cristãos não vão mudar, mas a forma de passar esses ensinamentos é que deve evoluir. Precisamos investir em novos formatos. A Igreja tem 2 mil anos, conduzida pelo Espírito Santo, e não vai acabar; mas ela deve estar em mudança e acompanhando os sinais dos tempos. Os catequistas vão ter que trabalhar com as novas ferramentas que a tecnologia impõe e os jovens usam para se comunicar, como o WhatsApp, onde a catequista pode criar o seu grupo e enviar mensagens diárias. O Papa Francisco faz isso no Twitter. É preciso modernizar”, afirma.

“Vivemos uma sociedade que está indiferente, inclinada sobre seu próprio umbigo”

O escritor Ziguimombaua diz que “tudo que era sólido se desmancha no ar, a única certeza é a incerteza e a única constância é a certeza de que as coisas mudam”. Isso é bem real, e muitos filósofos afirmam que hoje nós vivemos o hiper individualismo, onde as pessoas estão ensimesmada sobre si mesma, que dizer, o ser humano parece ter se inclinado sobre o próprio umbigo. É uma época muito narcisista. E esse mal da indiferença que estamos vivendo, e os pensadores já detectaram, pode ser interpretado pela forma como as pessoas ficam inclinadas; elas não tem mais a capacidade de relação pessoal de olho no olho.

Hoje a comunicação está muito relacionada às mídias sociais, tanto que tem uma piada que diz que quando o WhatsApp ficou fora do ar, o filho descobriu que tinha uma mãe e moravam na mesma casa. Então são relações diversificadas em rede, com relação ampla de pessoas, mas não é uma relação pessoal, não é olho no olho, de afeto, o crescer junto. Hoje, um pai e/ou uma mãe de família ficam o dia inteiro longe de casa e se encontram rapidamente à noite, às vezes estão em turnos diferentes, aí os filhos são terceirizados na educação.

“O consumismo gera ansiedade”

Isso começa pelos próprios pais, porque se vive muito pela aparência e pelo consumismo. Trabalha-se cada vez mais; pelo querer ganhar mais, exatamente para manter uma aparência em função do consumo. Isso gera uma ansiedade.
Hoje um dos grandes problemas do país é a corrupção de valores que nós vivemos; a falta de honestidade. As pessoas valorizam as marcas que elas carregam. Se você tiver na garagem uma Mercedes, um Porche e um Toyota, esse é o seu valor.

“Fé é um salto no escuro”

A fé é poder. Se apropriar de coisas que a gente ainda está esperando. Você não caminha pela visão, você caminha pela fé. Esperar aquilo que a gente vê não seria fé. Fé é se apropriar de algo que ainda você está esperando. É um salto no escuro, na certeza que você vai cair nas mãos de Deus.

“A espiritualidade é uma dimensão essencial de constituição do ser humano”

Depois do período do racionalismo sobre tudo no mundo e que se pensou que a salvação estava aí, no campo da filosofia do pensamento, o ser humano após duas guerras mundiais viu que o sentido da vida não estava nem nos sistemas de poder político e nem na tecnologia. O ser humano está numa grande busca de redenção, busca de sentido de vida porque percebeu que o próprio holocausto de Auschwitz se tornou uma perda de sentido. E, como diz o filósofo francês Gilles Lipovetsky, nós caímos na era do vazio justamente por perder essa dimensão de compreender o ser humano em quatro dimensões o intelectual, física, psicológica e espiritual. Então a espiritualidade é uma dimensão essencial de constituição do ser humano. Hoje já é bastante comum entre os antropólogos compreender o ser humano com esses quatro pilares. A espiritualidade faz parte do ser humano. Outros pensadores dizem que a própria cultura tem como alma a religião. Por isso, uma cultura que perde sua religiosidade, perde sua alma. E, mais do que nunca, o problema da espiritualidade é que ela está muito fragmentada e o ser humano está em busca de se encontrar na área espiritual. Só que vivemos com uma pluralidade que a religião está esfacelada.

“Há o anseio por um modelo de família”

Essa terceirização dos cuidados e educação dos filhos, muitas vezes desde os seis meses de idade, tem como consequência a falta de afeto, da identidade, e até a questão de gênero, que está tão diversificada e causam insegurança, porque não se tem mais a referência da família, do pai e da mãe. Uma família hoje está com diversos modelos e as novas gerações anseiam muito pela família, e por um modelo de família. E essa não seria a hora de se buscar a igreja como um ponto de referência? buscar esse ponto de equilíbrio?

Neste ano foi publicado a Exortação Apostólica pós-Sinodal do Papa Francisco sobre a família. “Amoris laetitia”, a “Alegria do Amor”, é um texto de nove capítulos, que trata justamente do resgate da família. É um tema transversal em todas as discussões da Igreja Católica. Todas as bases da igreja estão preocupadas com esta questão de resgatar a questão da família, procurando aquele modelo ideal da família de Nazaré, mas também compreendendo essa diversificação e pluralidade que a família vive hoje. O fato é que todos querem ter uma família. Todos estão buscando e querem ter um laço de família. Então a Igreja vai ter que apoiar muito esses movimentos, vai ter que estar ao lado, com uma visão misericordiosa, como o Papa Francisco pede. Vamos ter que sair de uma Igreja severa, que vem desde o Papa João 23, em 1962, e usarmos o remédio da misericórdia. A Igreja, hoje, vai ter que saber acolher a fragilidade humana. Vamos ter que trabalhar muito com a pedagogia do cuidado, com uma atenção às feridas afetivas de relacionamentos familiares.