A manhã de segunda-feira foi chegando reticente e embaçada. Até achei que era coisa do meu olho – miopia, hipermetropia ou aquela patologia que acomete o cristalino dos que “nasceram antes”, mas me afastei um pouco da janela para tirar as dúvidas. De repente a responsabilidade poderia ser da vidraça (limpar vidros é insano), ou então de ambas…

Felizmente, nem de uma, nem de outra. A natureza estava mesmo se travestindo de inverno tipicamente serrano. Então, alonguei a vista além do celular – que me acompanha pela casa que nem um cachorrinho – e vislumbrei um joão-de-barro construindo sua morada no poste de luz, logo abaixo.

A parede circular do lado oeste estava pronta, significando que a abertura vai ficar no lado leste. O pequeno engenheiro tem conhecimentos milenares guardados no DNA para construir seu ninho de forma a sobreviver às tempestades, posicionando a porta de entrada estrategicamente no lado oposto dos ventos. Isso, portanto, é um anúncio de que os temporais da estação podem vir do leste – fato sem comprovação científica. (O que faz a repetição de um bordão na cabeça da gente!)

Precavidos os joões-de-barro. Já andorinhas, ou pardais, ou corruíras (não sei exatamente a que categoria esses alados pertencem) são menos cuidadosos. Tenho visto alguns entrando e saindo de dentro da chaminé da casa vizinha. Se nosso amigo resolve fazer um churrasco, a coisa fica ruça para os filhotes, que ainda não aprenderam a voar.
Isso me reporta à infância. A velha casa paterna, coberta de zinco, tinha calhas por onde a água da chuva escoava, descendo depois pelos canos verticais até atingir os recipientes de captação. A chuva, uma bênção para os outros, virava um tormento para mim, porque, no interior daquelas estruturas, sempre havia ninhos, que eram destroçados e levados para as caixas d’água. Ovinhos ou filhotes, tudo sucumbindo pela força da natureza. E tudo se repetindo no ano seguinte. Que dó!

A reflexão é inevitável. E o sentimento de comoção, infinitamente maior quando é o ser humano que passa por tragédias sazonais. Quando gente como a gente é soterrada por deslizamentos. Quando crianças como as nossas são levadas por enxurradas. Quando o mundo desaba na cabeça de quem não encontrou um pedacinho de solo seguro. É o desamparo total e absoluto.

O inverno está a caminho… Fenômenos naturais intensificados por comportamentos negligentes e irresponsáveis da espécie sapiens vão acontecer. Sem ações preventivas ou corretivas, tudo vai se repetir… E a mídia vai repercutir… E muitos vão se solidarizar… E alguns vão chorar… Como sempre.