A chegada do coronavírus no Brasil fez profissionais de todas as áreas se adaptarem a novas formas de trabalho, para evitar o avanço do contágio na população. A internet está sendo uma ferramenta aliada neste processo, que permite o exercício de diversas atividades à distância.

Os atendimentos médicos também precisaram se modificar, e a consulta online, que antes era proibida, passou a ser permitida enquanto durar a pandemia no país. A Lei nº 13.989/20, que regulamentou a telemedicina temporariamente, foi sancionada em abril de 2020.

O médico André Kruel afirma que já havia uma resolução lançada pelo Conselho Federal de Medicina em janeiro de 2019, visando a aprovação da modalidade. Entretanto, a medida foi combatida, segundo o ortopedista, pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) e também de outros locais. “Entende-se que há todo um debate que cerca este tema, porque tradicionalmente um médico tem que examinar o doente para chegar às conclusões”, explica.

O presidente da Associação Médica de Bento Gonçalves (Ameb), Rodrigo Tramontini, explica que há diferenças entre os tipos de atendimento. De acordo com o psiquiatra, o presencial facilita a criação de uma relação médico-paciente apropriada. “Permite a utilização de todos os sentidos e de uma atenção mínima de ambos os lados. Nesse caso, não há distrações e a comunicação é melhor, o que minimiza o risco de transmitirmos informações equivocadas. Por outro lado, pesquisas mostram que pacientes podem, em algumas circunstâncias, ser adequadamente diagnosticados através da modalidade virtual, embora isso não signifique uma melhor qualidade de atendimento e de tratamento”, esclarece.

Virtual x presencial

Tramontini ressalta que se o objetivo da consulta é diagnóstico e rastreamento, o resultado pode ser positivo em algumas especialidades médicas. “Porém, isso não quer dizer que o tratamento será melhor, pois a comunicação e a relação médico-paciente são afetadas. A impossibilidade de exame físico também pode prejudicar em muitos casos. Apesar disso, é uma modalidade adequada e, por vezes, essencial quando a consulta presencial não for possível”, pondera o psiquiatra.

Kruel explica que os exames subsidiários são meramente complementares e que a avaliação do médico sempre está atrelada ao exame físico, que em algumas especialidades pode ter a importância maior ou menor. “Tem certas situações que o profissional até pode opinar fazendo exames bem breves. Tu entendes que isso – a telemedicina – para o treinamento médico é complicado, porque na medida que favorece o acesso à consulta, não diminui em nada a responsabilidade pelo ato. Quando ele opina sobre uma condição de saúde e está sendo consultado, usando da sua capacidade técnica, vem junto uma responsabilidade da qual ninguém abre mão. Nem o médico, nem o paciente, o conselho, que pode puni-lo, ou o judiciário, etc. Existe uma possibilidade maior de contato e de atender a população, mas em nada a responsabilidade dos médicos está sendo diminuída. Por isso são tão cautelosos em avançar em direção da telemedicina, da teleconsulta e teleconsultoria”, pensa.

O ortopedista também vê diferenças entre atendimento presencial e virtual. Kruel diz que a expectativa de quem é atendido é parecida com o usual, mas a possibilidade do médico não é a mesma. “É o contrário do que parece. A relação com o paciente, invés de ser curta, acaba sendo mais longa porque você tem que juntar mais informações, já que se está abrindo mão do exame físico. O contato é mais longo, mas não quer dizer que seja melhor. Acho que a teleconsulta é, na verdade, uma teleconsultoria, não é bem a mesma coisa”, opina.

Consultas virtuais são boa opção?

Com experiência no atendimento de pacientes de Belo Horizonte, Florianópolis, Ijuí e Porto Alegre, André Kruel ressalta alguns pontos. “Se a pessoa tem uma dor no quadril, ela pode te contar onde é, mas você não pode botar a mão para saber da mobilidade, onde dói, a amplitude de movimentos. Não tem como mostrar isso no vídeo. Um interlocutor, outro médico, com outro grau de especialização ou prática clínica, pode dar suporte. Mas diretamente, só com o paciente, vai haver um limite técnico, a gente não consegue firmar com precisão uma indicação cirúrgica, por exemplo, só de conversar”, expõe.

A consulta online, entretanto, pode ser benéfica para pacientes que têm dificuldade de acesso a serviços médicos e a orientações sobre tratamentos, segundo Tramontini. O médico salienta que tais empecilhos podem ser por questões de deslocamento, pelo risco de infecção ou de transmissão de doenças, como no caso da Covid-19, ou por ausência de especialistas e serviços de referência. “Também podem conseguir manter o acesso ao médico de confiança caso ele não esteja presente para atendimento presencial. Porém, há o risco de despersonalização e de queda na qualidade do atendimento, pelo próprio prejuízo de comunicação e de vínculo. Além disso, o sigilo e a privacidade dos dados obtidos na consulta precisam ser garantidos”, orienta.

Para ele, o médico também pode ser beneficiado trabalhando virtualmente por conta da facilidade de acesso a pacientes e a informações relevantes para a consulta virtual. “Mas isso também pode gerar aumento de concorrência, queda de remuneração – principalmente nos casos de intermediação por prestadoras de serviço – e aumento do risco de condutas equivocadas. É importante lembrar que, mesmo atendendo à distância, o médico permanece com as mesmas responsabilidades e utiliza o tempo e conhecimento da mesma forma; portanto, deve ter seu trabalho igualmente valorizado”, assegura.

Método veio para ficar

Apesar de tantos pontos a serem observados, contra e a favor da telemedicina, em meio a um momento de pandemia viu-se a utilidade e a importância do método. “Os Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, e o Conselho de Farmácias, fizeram um sistema a partir do qual você entra no site e pode emitir atestado, receitas, inclusive controladas, nesse período de pandemia. Isso facilitou acesso às medicações. Havia pacientes com doenças crônicas que não tinham como consultar, mas eram casos estáveis que o médico já conhecia”, afirma Kruel.

Além disso, o psiquiatra Rodrigo Tramontini acredita que a telemedicina veio para ficar, mas ela não vai substituir os atendimentos presenciais. “O contato humano está na essência da nossa prática e influencia muito nos resultados de um tratamento. Ao meu ver, essa modalidade deve servir como uma ferramenta auxiliar, mas tem grande potencial de melhorar a qualidade e o acesso a serviços médicos e, consequentemente, de salvar vidas. Precisa ser, contudo, adequadamente regulamentada e fiscalizada pelo Conselho Federal de Medicina, para que médicos e pacientes não fiquem à mercê de interesses econômicos das prestadoras de serviços médicos e para que não haja violação de seus direitos e deveres”, conclui.