Clacir Rasador

Pensar, falar e, mais que isso, viver situações que ela passou, mesmo sem avisar e nos marcou profundamente, o assunto morte é a maior dúvida e a maior certeza na vida.

Quando nascemos, uma vez cortados, perdemos o cordão e ganhamos o fio da vida, iniciamos daí a tessitura da vestimenta para a alma.

Sem experiência do mais aprendiz dos alfaiates, não há como, às vezes, não se enrolar em tal fio; o importante, todavia, é não perder a mão.

Aliás, não sabemos quanto tempo durará o novelo do fio da vida. Na verdade, nada sabemos senão que terá um início, um fim e um artesão próprio que irá aprender a cada dia a arte… de viver.

O incrível é que muito do que vivemos ou, melhor, da forma como vivemos nesse intervalo de tempo, diz respeito ao que acreditamos quando o fio acabar.

Sem a paranoia de preocupar-se diariamente com isso enquanto a vida passa, contudo, acredito que cada um tem – seja pela religião que professa, seja por aquilo em que acredita ou não – a sua visão do que seria o pós-morte.

A propósito, num dia desses, estava eu na barbearia, a navalha mostrava seu fio ao fio da vida, porém em mãos hábeis do barbeiro, quando uma voz me cumprimenta e sugere: neste tempo de pandemia, as pessoas passaram a se questionar mais sobre a morte. Não seria um bom assunto para sua coluna?

De soslaio, reconheço, ali estava um amigo dos tempos da juventude, hoje médico, ao qual agradeci a sugestão … e perguntei, o que você acha? Dizia ele, num tom calmo e conformado, que a vida se esvai com a chegada da morte – talvez por tê-la enfrentado tantas vezes de frente –, concluiu ainda exemplificando que a vida é tal uma casa em construção, precisamos nos alegrar durante a sua obra pois, quando terminou, terminou.

Ouvia atentamente, enquanto o barbeiro dava um tempo à navalha e, já um tanto contrariado, cortava o diálogo. Embora de forma respeitosa, não se conteve, afirmando que, por mais alegria que se tenha ao construir uma casa, ela não é o fim em si mesma, não termina aí, mas sim, a partir daí é que começa a alegria de desfrutá-la; portanto, acreditava piamente haver vida após a morte.

De repente, o clima sempre ameno e descontraído na tradicional barbearia deu lugar ao silêncio que falou mais alto. A espessa espuma da barba secava, mas não menos que a garganta diante da dicotomia de opiniões. E assim, sem qualquer pretensão na dita “lacração”, como dizem os jovens, sugeri retomarmos a vida, seguir em frente, pois, independente de onde estamos e no que acreditamos, há escolhas e caminhos diferentes que, nesse tempo chamado vida, se cruzam, entrelaçam e, ao final, podem levar ao mesmo lugar, ao mesmo destino.

Enfim, o tamanho do novelo deste fio da vida nunca será suficiente para tecer por completo o que queremos, senão para nós, para quem nos ama e quer nossa presença; a plenitude não encontra espaço neste tear, ainda bem que o amor tem passaporte para a eternidade.

E assim, terminado o novelo e ainda incompletos… nada levaremos, quisera ao menos termos tecido o suficiente com o fio da vida para deixarmos… saudade.