Vou dar um tempo para o humor, deixar de lado as memórias e histórias engraçadas. Sem sutilezas e ironias. Nem poesia hoje. Só um exercício de imaginação executado a sangue frio. Se tiver estômago, vá até o final.
Imagine um espaço de confinamento extremamente cruel, onde patos, gansos e marrecos são obrigados a ficar imóveis para não gastarem calorias. Patas feridas na rede de arame, no caso de gaiolas. Dores constantes nos ossos. Doses cavalares de uma gororoba hipercalórica enfiada na goela, através de um tubo de vinte a trinta centímetros, várias vezes ao dia. Náuseas e diarreia após a “alimentação”. Algumas asfixias devido ao vômito. A cada introdução do tubo ou funil, novas lesões no esôfago, que geram inflamações e infecções, algumas fatais. Respiração arquejante. Iluminação contínua – o sono atrapalha o processo de engorda. E tudo isso para que o fígado da ave cresça (até dez vezes a mais do seu tamanho normal) e adoeça, resultando no prato mais chique e caro da cozinha francesa, o “foie gras”.

Imagine o calvário desses animais. Vinte e quatro horas ao dia, sete dias por semana, no período de quase um mês, até a eletrocussão, que também é bárbara. Se não bastasse tanta violência, a maioria das aves ainda passa por um processo de amputação do bico, cortado com uma pinça ou com uma tesourada. Tudo sem anestesia. Em pleno século XXI.

Sabe-se que a tradição é antiga e arraigada – vem do tempo dos romanos, bem antes de Cristo e se difundiu por toda a Europa; que envolve questões sociais, de emprego e renda; que outros animais também passam por tratamentos cruéis (porcos, por exemplo). Mas como seres de Deus, temos que despertar a consciência humana dessa letargia. É preciso que as vozes se juntem num coro capaz de ultrapassar todas as fronteiras, aqui e lá fora, obrigando as autoridades a tomar atitudes drásticas, como já aconteceu em alguns países.

Utopia? Pode ser! Mas me lembrei da fábula que conta a história de um grande incêndio na floresta, com os bichos, apavorados, fugindo das chamas. E de um beija-flor que voava em direção contrária, indo e vindo o tempo todo. E que, questionado por uma coruja sobre o que ele estava fazendo, ele respondeu que apanhava água do rio com o bico e despejava sobre o fogaréu. E que, tachado de maluco por tentar o impossível, o beija-flor respondeu:

-Eu sei disso. Estou apenas fazendo a minha parte.