Vindo de Carlos Barbosa, padre Miguel Mosena, da Paróquia Cristo Rei e coordenador da região da pastoral, se apaixonou por Bento e diz que precisamos nos inspirar no interior

Miguel Mosena é o padre da paróquia Cristo Rei junto com o P. Pedro Carissimi e P. Jadir Fiorentino. Ele é o mais jovem deles. Sua trajetória começou cedo, estudou por anos, se formou em Filosofia e Teologia. Começou sua caminhada como Padre em Bento Gonçalves, mas sua jornada iniciou muito antes.

“Terra onde emana o leite e o mel”

A história começa em Arcoverde, um distrito de Carlos Barbosa, onde vivia com a família quando ainda nem sonhava em se tornar padre e que, mesmo distante, guarda um imensurável carinho. “O lugarzinho como em termos bíblicos é a terra onde emana leite e mel. A terra boa se chama Arcoverde, foi onde eu passei minha infância até entrar no seminário, recebi os sacramentos e vivi a minha fé naquela comunidade”, relembra feliz.

Família

Morava com sua família na casa paterna, onde teve a sorte de poder conviver com sua nona durante muitos anos, e também com seu nono, mas que já era bastante debilitado quando ele nasceu. “Sou mais velho, tenho um irmão de 23 anos, também tinha o pai e a mãe. Nós crescemos na minha casa paterna, então eu ainda convivi com a minha nona. O meu nono, quando eu era pequeno, ele já tinha Parkinson. Ele faleceu em 1998, então peguei a fase dele sempre doente”, relata.

Ele relembra da força de sua mãe, uma mulher de garra que lhe ensinou o necessário para se tornar um bom homem e um bom padre. “A mãe era quem segurava as rédeas, aquela que ‘não deixava a peteca cair’, e é essa figura até hoje, e o pai também reconhece a importância do pulso firme da mãe na nossa educação. Por isso que digo que os limites ali foram muito importantes e sou muito grato por isso”, recorda.

O carinho pelo interior

Apesar de viver em uma cidade grande, Mosena reconhece a importância do interior não somente em sua vida, mas nos valores que ele traz para a sociedade de uma forma geral. “Trabalhando nas comunidades do interior, se vê como é importante manter alguns costumes e características dele. Não é que a gente é contra o desenvolvimento, mas o que é desenvolver-se? É ter o asfalto, mas não perder aquela coisa da casa ou ter ela toda cercada. É necessário manter as relações de proximidade. Íamos para a casa dos vizinhos, novenas de Natal e Páscoa, rezávamos, comíamos e convivíamos, era esse o tripé que sustentava”, conta.

Como iniciou a jornada de ser Padre?

Mosena foi criado na igreja católica, mas tampouco ele ou seus pais imaginavam que seria padre, e tudo isso iniciou quando ele começava a se encantar pelas missas do grupo de jovens. “Arcoverde é a sede da paróquia, a gente sempre tinha missa dominical, mas um sábado, um fim de semana por mês, a missa não era no domingo, mas no sábado. Começava às 18h e quem conduzia a missa era o grupo de jovens da comunidade, sempre gostei de participar”, relembra.

Uma das brincadeiras da infância era rezar missa, e aos poucos, foi traçando seu caminho, ainda tímido e se descobrindo. “Aos 10 anos eu brincava de rezar missa em casa, pegava os folhetos, costumo dizer que a minha mãe foi minha primeira paroquiana, a primeira que assistiu minhas missas. Depois de um tempo, na escola passaram os padres da animação vocacional e convidaram os meninos para conhecerem o seminário. Na época em Caxias, e aí um colega meu disse que estava decidido que a ir para o seminário, mas na época mais para estudar. Decidi que iria também”, relembra.

Provações

Padres são pessoas, muitas vezes isso é esquecido, e por isso, passam por provações, antes e depois de se tornarem. Mosena foi fazendo suas escolhas, e elas foram o guiando. “No seminário não tinha 100% de certeza, fiz o ensino médio e fui para a diocese, tinha vinte e cinco na turma, sobraram nove. E ali foi muito importante para mim, foi o ano de crise, e é como diz o livro da sabedoria ‘Se o ouro não é provado no fogo, então perdeu o brilho’, nós também precisamos ser provados”, ressalta.

Mesmo quem tem o desejo de seguir a vida santa, pode acabar se apaixonando, já que isto é um sentimento que ocorre em qualquer ser humano, e com o Padre Miguel não foi diferente. “A gente também se apaixona, eu me apaixonei. Tinha medo do meu formador descobrir, mas quando revelei a meus pais, eles me orientaram a falar com ele. Léo, meu orientador, disse para eu contar para a menina e assim o fiz. Antes de começar a missa dos jovens eu contei e ela começou a chorar sem parar, depois me disse que não sentia o mesmo que eu, levei um fora”, ri da lembrança de um tempo já distante.

E ao relembrar do assunto, traz uma importante reflexão. “E olhando para trás eu vejo que eu tomaria uma decisão com base na paixão, e hoje em dia eu provavelmente seria um leigo infeliz pro resto da vida. Mas foi muito importante porque ainda não sabia se era a minha vocação ser padre. Mas entender o lugar das paixões é fundamental para se tornar um”, revela.

A certeza

O padre foi vivendo e se descobrindo, muitas pessoas sentem que nasceram para aquilo, já ele, foi se encontrando. “A convivência com os padres que moravam no santuário ajudou a me entender. A gente ajudava nas liturgias, na acolhida aos peregrinos. Vi coisas que até hoje quem vai pra Caravaggio vê, pessoas com promessas, com grandes questões e os padres também partilhavam situações, e o coração foi batendo mais forte”, relata.

Após esse momento, ele iniciou a faculdade de filosofia em Caxias, e naquele momento ele se sentiu em meio a mais uma provação. “Era outro mundo e foi muito importante a experiência, éramos minoria na universidade, uma coisa é no seminário onde todos tem o mesmo objetivo, lá não. Mas foi fundamental para ter esse contato com pessoas com outras ideias, algumas ateias, agnósticas, de igreja também. E foi nesse período que o amigo que entrou no seminário comigo, saiu”, relembra o padre.

A chegada em Bento

Após concluir o curso de Filosofia, entrou então para Teologia em Porto Alegre, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde se formou em 2018. No ano seguinte ingressou para a terra que tanto ama. “Então como seminarista, conclui a graduação em teologia e fui mandado para uma paróquia para residir. E lá fui fazer uma intensa experiência pastoral na comunidade paroquial, e aí eu vim para Bento. Em 2019, eu fui para São Roque e no fim do ano fiquei diácono, então foram os primeiros batizados, casamentos”, comemora. Sua formação como padre concluiu-se bem no ano da pandemia, e ali ele sentiu de novo a provação. Mas, felizmente, em 26 de julho de 2020 ele foi nomeado.

“Ser padre é muito bom, mas em Bento é melhor ainda”

Ele enxerga a cidade de uma maneira bem positiva e que cresce a cada dia, claro que os avanços também trazem problemas, mas o padre acredita que a população ainda traz aquele senso de comunidade. “Ser padre é muito bom, mas em Bento é melhor ainda. A gente gosta dessa cidade, nos encanta e nos apaixona. É um município que cresce, como a gente percebe e vê, vai ter os seus problemas de mobilidade, e também o aumentou da população de rua. Ao mesmo tempo é uma cidade pujante que tem muito emprego e religiosamente as pessoas são muito devotas, ainda no sentido que se preocupam com as comunidades, com os padres. E na questão da caridade, o pessoal é muito generoso. As campanhas que a gente faz arrecadam muito, nossas últimas foram arrecadados mais de um milhão de quilos de alimentos”, relata.

Somos todos filhos de Deus

O padre carrega consigo uma ideia muito humana, de cuidado ao próximo e não julgamento, enxerga todos os seres humanos como filhos do mesmo Deus. Por conta disso, a paróquia tem a Cáritas. “Nós temos a Cáritas que é o serviço da paróquia, é o lugar onde essas pessoas menos favorecidas vão, lembrando que não necessariamente só financeiramente, porque também é muito pobre achar que pobreza é só falta de recurso financeiro. Mas o serviço da Cáritas é esse guarda-chuva onde todos podem se abrigar quando a chuva começa a cair intensamente em nossas cabeças”, conta.

E ainda explica como é feito este cuidado e a importância de se unir a outras forças que são capazes de fazer a mudança. “Ali a gente faz um trabalho de com voluntários que vão até a família que precisa. O assistencialismo não é um esparadrapo na ferida, ele ajuda a estancar o sangue, a limpar, mas não vai ficar para sempre, porque a ferida tem que cicatrizar e o passo seguinte, que é quando a gente ajuda essa família a ter autonomia. E é por isso que falo da importância da interação e integração das forças. O CIC procurou a paróquia para a gente fazer essa parceria e está dando certo. Já há turmas de pessoas que são atendidas pelas Cáritas e conseguem um emprego, isso é uma bênção”, relata.

Todos são dignos

Apesar de Bento Gonçalves ser conhecida por ter muitos empregos, a falta muitas vezes de um aperfeiçoamento ou técnica, faz com que pessoas acabem não conseguindo serem empregadas, o padre fala a respeito desta situação. “A gente sempre escuta aqui em Bento que tem emprego, mas falta vontade de trabalhar, e é uma colocação complicada. Todo mundo é filho de Deus, será que ele criaria uns com mais vontade de trabalhar e outros não, que estranho, que injusto seria conosco, então nem sempre é falta de vontade de trabalhar”, ressalta o padre.

E fala que em conjunto da prefeitura, conseguem realizar atendimentos e até mesmo conseguir um local para as pessoas viverem e também trabalharem. “A gente procura acolher moradores de rua, ajudar como pode e encaminhar essas pessoas para o trabalho, para ter pelo menos uma moradia. E aí o constante diálogo com a prefeitura, porque quantas pessoas não se mudam de estado, mas chegam aqui e não tem nenhuma referência e acabam na rua? Precisamos garantir que todos tenham o mínimo necessário para viver com dignidade. Todos somos filhos de Deus e dignos disso”, reafirma.

A Paróquia Cristo Rei

A paróquia Cristo Rei foi a segunda onde o padre seguiu o seu caminho, e está lá desde a transferência, carregando muito orgulho no peito ao falar que o local foi feito a base de fé e motivação daqueles fiéis. “Eu vejo a paróquia Cristo Rei e admiro a história bonita que ela tem, já nasceu com o desejo da comunidade de ser uma paróquia, isso em 1948. É fruto da fé do povo daqui ter uma paróquia antes mesmo de ter uma igreja matriz. Porque no início era só o salão do lado. Então a primeira tarefa era construir a igreja matriz e o Padre Rui não mediu esforços. Foi contratado o engenheiro e o arquiteto, mas a mão de obra foi voluntária. E isso reflete na comunidade que temos hoje, todo mundo quer ver a paróquia bem”, explica.

Um padre filho do meu tempo

Mosena se considera um padre filho de seu tempo, nem moderno ou conservador, ele se entende como padre e ser humano. “Então, quando nos olham, devem ver a humanidade do Miguel, que é padre, mas também o cristo que é o pai, ou o padre de uma comunidade que está presente. Então eu me considero um filho do meu tempo. Eu acho que isso é importante, não deixar de ter a alegria do ministério, ser feliz por ser sacerdote. E ajudar as pessoas a encontrarem a misericórdia”, salienta.

Fotos: Renata Carvalho