-Existe garota mais linda do que eu?

-Sim, minha princesa! Olha a última postagem no instagram.

E lá vai ela fazer o check-in, para em seguida postar novas selfies que, com a graça dos seus seguidores, lhe renderão muitos likes. É a disputa de egos que tomou conta das redes sociais.

“Ela” é um sujeito virtual que representa os(as) internautas das atuais gerações. Nunca antes silhuetas tão esbeltas tiveram ego tão obeso, revelando a necessidade humana de autoafirmação. Uma autoafirmação que exige a aprovação dos outros, medida através do número de curtidas.

Mas, assim como o ego vai se expandindo, pode, num belo dia, ser alfinetado e “pufffffff…” Ele voa desordenadamente até esvaziar-se e dar de cara no chão. E o mundo desaba.

Essa obsessão por selfies – que incluem autorais, sexting e os “beijinhos no ombro” – faz com que as crianças e adolescentes de hoje não se importem se tem sol ou chuva, porque dá no mesmo. Diversão não requer espaços verdes, só um espaço qualquer com tablete ou celular.

Uma década foi suficiente para mudar da água para o vinho o comportamento infanto-juvenil. Imagina então a distância gigantesca entre esta geração digital e a minha que, vamos combinar, não combina com expressões saudosistas do tipo “no meu tempo, sim, a infância era segura…”.

Fazendo uma incursão pros anos cinquenta/sessenta, vamos encontrar uma infância que poderia ser chamada de “pernas pra que te quero”. As pernas eram o prolongamento das ideias, dos desafios e dos medos. Elas escalavam árvores centenárias cuja altura tirava o fôlego, saltavam de uma para outra, se perdiam nos potreiros e várzeas atrás de ninhos de quero-quero, percorriam a margem do rio encravado no vale em busca de pedras preciosas e, acima de tudo, fugiam de perigos reais ou imaginários longe do olhar dos mais velhos.

Houve uma vez em que eu estava na casa de uma amiga, quando, de repente, ela apareceu com uma espingarda apontando para mim. (Imagina se ela fosse inimiga!) A arma era do pai, usada para assustar gaviões comedores de galinha (literalmente) e para matar cachorros loucos, o terror da época. Quase toda família dispunha dessa ferramenta de caça, herdada dos nonos.

Minha reação foi incontinenti: pernas pra que te quero. Primeiro tentei me esconder em todas as peças da casa, sendo que minha perseguidora sempre me achava. Então voei escada abaixo e corri adoidado até sumir na tarde ruiva.

Esse evento não foi exceção. A regra era manter as pernas sempre alertas para fugas repentinas que aconteciam naquela calmaria.

Obviamente não se corria o risco de assédio por parte de pedófilos e afins, nem de acesso a conteúdos inadequados. Eram “apenas” riscos… de vida ou de morte, como querem alguns jornalistas moderninhos.

E então? Em que tempo você escolheria nascer?