Clacir Rasador

Uma palavra, uma frase, um som, uma música, um perfume, uma cor, um toque, uma imagem, são exemplos de chaves que podem despertar em nós sensações, memórias das mais variadas, seguidas, invariavelmente, de histórias que, protagonistas ou não, formam o mosaico do que somos.
Humm…papo muito ZEN esse… será mesmo?
Convido o leitor a testar com o que é possível transmitir sensações pelo meio que ora dispomos…que tal a palavra NATAL?
Despertou algo por aí? Alguma chave virou das diversas fechaduras da memória?
Por aqui, rompendo a passagem do século passado, cerca de 45 anos atrás, no porão daquela casa verde que lembrava a árvore natalina, reunia-se para novena de NATAL não mais que 20 pessoas, dentre as quais, ao menos, umas dez eram crianças da minha idade, beirando quando muito uma década de vida.
Entre cantos desafinados das senhoras mais animadas – confesso, motivo de risos sufocados peito a dentro – e leituras quase sempre em tom baixo, talvez pela vergonha do pequeno público, era um evento ímpar, pois não via o dia passar para ir à novena e após brincar na rua de chão batido – de vez em quando coberta por um ralo cascalho para esfolar os joelhos – correndo atrás e capturando os vagalumes. Penso hoje que os tenhamos exterminado, um grande pecado, pois não os vejo há muito tempo.
Lembro-me bem… a noite mais festejada da novena era exatamente a…última, pois aquele pirulito e/ou balas adoçavam como nunca o espírito natalino.
Tudo se encaminhava para aquele conhecido final feliz, quando, de repente, a Dona Iria, zeladora da capelinha, uma pessoa que exalava paz interior, convidou cada uma das crianças a ficarem de fronte ao presépio e de uma forma muito serena, fitou àqueles olhinhos docemente sedentos e indagou: antes dos doces, cada um de vocês, olhando para o presépio, diga: “Se pudessem viver exatamente aquele momento, estar naquele lugar, naquela noite de NATAL, quem vocês gostariam de ser acompanhando a Sagrada Família?”.
Bah! Os mais extrovertidos – confesso que fui um deles – se adonaram rapidinho de quase todos personagens do presépio. A propósito, presépio este que foi a maneira que São Francisco de Assis, lá no ano de 1223, encontrou para representar com singeleza divina a chegada de JESÚ bambino.
Por fim, e é fato, faltava ainda um menino a escolher, menino que se sabia unicamente era de família muito humilde, da rua de cima, que comparecia à novena, por certo, a pedido dos pais, porém estes não o acompanhavam e, tão logo terminava, nada de brincar, corria para casa.
Cabisbaixo e todos lhe fitando com o olhar e sorriso sarcástico espremido no canto da boca – crianças sabem muito bem como fazer isso – aquele menino franzino olhou para o presépio e disse: “Eu gostaria de ser a manjedoura”. Alguns riram e foram silenciados com um olhar mais sério da zeladora, seguido de um pito – como dizemos nós os gaúchos – a qual, em seguida, perguntou ao menino: “Tens um motivo especial pela sua escolha?”. E este, tomado de humildade e simplicidade, mas não menos de sabedoria, respondeu: “Sendo manjedoura, darei lugar a ELE, protegerei e aquecerei o menino JESUS como se estivesse em meus braços, no meu colo, poderei ainda ouvi-lo tão pertinho como ninguém jamais o ouviu, exceto sua mãe Maria e pai adotivo José e estarei por mais tempo com o pequeno”.
Muitas lágrimas não foram possíveis disfarçar. Ali se fizera presente, naquele momento, o espírito natalino, cuja história rememoro a cada NATAL.
Sim, todos temos lugar no presépio, não precisamos correr, não precisamos nos antecipar ao tempo DAQUELE que criou o próprio tempo.
Contudo, tal qual a simples e humilde manjedoura, o NATAL nasce ao darmos lugar, ao darmos alento, ao darmos AMOR ao JESÚ bambino que habita, talvez, na rua de cima, quem sabe na rua de baixo, ou, ainda, mais próximo que sequer imaginemos… no nosso coração!
FELIZ NATAL!