A cada hora uma pessoa no Brasil tira a própria vida. É nesse mesmo tempo que outras três tentam se matar. Os dados são do Ministério da Saúde. Com a proposta de tentar combater esse problema de saúde pública, foi criado o Centro de Valorização da Vida (CVV), um programa sem fins lucrativos que trabalha de forma voluntária, sigilosa e anônima, para dar apoio emocional às pessoas que precisam conversar, por meio do número 188, uma linha que não gera nenhum custo de ligação.

No Rio Grande do Sul, Estado com a maior taxa de suicídios do país, cerca de 13 cidades já contam com um posto do CVV. Entre os municípios que abraçaram a causa e aderiram ao programa, está Garibaldi, que fundou seu posto em 2017. “Veio um voluntário de outro Estado, que faz parte da Comissão de Expansão do CVV para fazer uma palestra e apresentar a proposta. O pessoal que assistiu gostou, se encantou, porque é uma proposta muito bonita realmente e aí começou o trabalho para formar esse posto”, conta Liane Cassol Argenta, Coordenadora do Posto CVV de Garibaldi.

Quem trabalha atendendo as ligações são os chamados plantonistas. Atualmente, Garibaldi conta com 25 voluntários prestando esse e outros serviços. Entretanto, o número é considero baixo para atender uma demanda que é nacional. Desde a metade do ano passado a linha 188 se expandiu. Hoje, todos os Estados do país contam com esse serviço, portanto, uma ligação feita por alguém do Rio Grande do Sul, pode ser atendida em qualquer outra cidade do Brasil. “O 188 é nacional, a pessoa liga do telefone celular ou fixo, de qualquer lugar e essa ligação vai para uma central que distribui para o primeiro telefone que estiver disponível, podendo ser na Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro ou no próprio Rio Grande do Sul. Onde tiver um voluntário pronto para atender, esse telefone vai tocar”, explica Liane.

Demanda de chamadas

Em 2017 Garibaldi atendeu em média 11.300 ligações. Em 2018 o número foi um pouco maior, chegou a 11.900 ligações aproximadamente. Entretanto, esse ano o número de telefonemas atendidos até o momento é menor em comparação aos anos anteriores: cerca de 3 mil ligações. Embora a demanda nacional esteja em constante crescimento, o número reduziu em virtude da falta plantonistas no posto da cidade. “Esse ano estamos com um número menor de atendimentos porque estamos com poucos voluntários, não temos plantonistas suficientes. De Garibaldi está baixo, não serve de base”, afirma a coordenadora.

Ter mais voluntários disponíveis para realizar esse trabalho é fundamental, considerando que a cada ano, aproximadamente um milhão a mais de brasileiros faz uso da linha 188. Em 2016, em todo país, o CVV recebeu em média 1 milhão de ligações. Em 2017, cerca de 2 milhões e ano passado, 3 milhões. “A gente tem tentado divulgar e chamar o pessoal para conhecer a proposta do CVV, fazer o plantão, escutar, porque é uma escuta sem julgamentos, sem críticas, é uma escuta compassiva e como estamos com um número pequeno de plantonistas, o número de atendimentos é menor, embora a demanda nacional tenha aumentado”, destaca Liane.

Três cidades no Rio Grande do Sul têm postos que realizam esse atendimento 24h por dia. São elas, Caxias do Sul, Porto Alegre e Novo Hamburgo. “As maiores cidades, com número maior de pessoas com disponibilidade de trabalhar na madrugada”, afirma Liane.

Muito além da linha 188 que atende todo território nacional, o CVV também disponibiliza outros meios de atender a população. Quem entra no site do programa, pode ser atendido por meio de um chat ou até mesmo por e-mail. Algumas cidades contam com atendimento presencial nos postos.

Posso ser voluntário?

Qualquer pessoa que tenha interesse pode tornar-se voluntário nesse trabalho. Para isso, não há nenhuma exigência de qualificação profissional, apenas que seja maior de 18 anos e tenha disponibilidade para trabalhar pelo menos quatro horas semanais.

O plantonista que vai realizar o trabalho passa por um curso de treinamento obrigatório, chamado de Programa de Seleção de Voluntários (PSV), que vária entre 30 e 40 horas. “São encontros com treinamentos. Ali a pessoa vai conhecer a proposta para ver se vai se adaptar, se ela se enquadra e aí vai ficar ou não”, conta Liane.

O CVV modifica todos os voluntários no sentido de que ele é mais do que se enxerga, ele se apresenta como uma proposta de vida

Como o posto de Garibaldi já está com uma seleção de voluntários em andamento, a previsão é que a próxima deve ser realizada no ano que vem. Quando abertas, não são apenas para buscar plantonistas. “Tem outros trabalhos que podem ser feitos, por exemplo, eu estou na coordenação e dá bastante trabalho, tem pessoas que ficam mais na divulgação. O CVV tem vários braços, mas o plantão é a ponta. Tudo que existe é por conta desse atendimento 188, porque se não houver ele, não faz sentido o resto todo, mas também as outras coisas têm que ter, tem que acontecer”, menciona Liane.

O posto de Garibaldi fica no Centro Administrativo Municipal, em uma sala cedida pela Prefeitura, que apoia o programa. Lá, um plantonista trabalha por vez. “O voluntário atende em uma sala sozinho porque as ligações são sigilosas, não dá para atender com uma pessoa do lado ou ao lado de alguém que está atendendo, a não ser que tenha um isolamento acústico, mas no caso aqui é uma pessoa por vez, por conta desse respeito a privacidade da outra pessoa”, conta a coordenadora.

A coordenadora Liane, que trabalha no CVV desde o final de 2017, admite que o programa muda os voluntários, tornando as pessoas melhores. “Quando a gente atende uma ligação, essa atitude de não julgar, não tirar conclusões, de ter um ato compassivo, de respeito, a gente tenta aprender não só para o plantão, mas para a vida, por isso é uma proposta de vida. É um trabalho que te faz mais humano. Tem que ter respeito pela dor alheia, é o colocar-se no lugar do outro. Não é uma atitude fácil, mas é possível e na medida que vai conseguindo fazer essa compreensão, vai se tornando um bom hábito. É um trabalho que vale a pena, que tem bom resultado”, assume.

Setembro Amarelo

Amanhã começa o mês de prevenção ao suicídio. O Setembro Amarelo é uma campanha nacional organizada em parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2014. No dia 10 desse mês, é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. “Setembro Amarelo Setembro Amarelo é um período bem importante, que puxa muitas ligações, porque muita gente que não conhece acaba vendo o que é, às vezes por curiosidade, gosta do trabalho e continua ligando. A divulgação vai aumentando e a necessidade é grande”, afirma, Liane.

O Brasil é o 8° país em números absolutos de suicídios. Entretanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), nove em cada dez mortes podem ser evitadas. Por isso que a coordenadora Liane destaca que trabalhar com foco na prevenção é uma forma de reverter a situação, garantindo ajuda a quem precisa “Muitas pessoas que suicidam estão em uma fase depressiva, mas depressão, ou seja, lá a causa que tenha motivado, tem tratamento, não é algo para esconder. Existe esse tabu de que se não falar sobre não vai acontecer, mas tem que falar abertamente sobre a prevenção, que é possível evitar”, esclarece Liane.

GASS

Garibaldi também conta com o Grupo de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio (GASS), com encontros mensais, às quintas-feiras de noite. O trabalho é considerado um braço do CVV, mas voltado para amigos e famílias das vítimas. “Toda vez que uma pessoa se suicida ou tenta o suicídio, várias pessoas ao redor são impactadas por esse ato e essas pessoas entram muitas vezes em sofrimento e o GAS faz esse apoio e aqui em Garibaldi tem”, destaca Liane.